A PEDIDO DE VÁRIAS PESSOAS, ESCREVO SOBRE A LAGOA DE ALBUFEIRA - 1ª. PARTE

Já muito foi escrito, dito e repetido sobre a Lagoa de Albufeira. Livros e estudos académicos, vídeos e reportagens, entrevistas e artigos de opinião, … Eu própria não sei quantas vezes terei falado e escrito sobre a Lagoa de Albufeira. Aqui, já partilhei dois textos: OS ENCANTOS DA LAGOA DE ALBUFEIRA e ABERTURA DA LAGOA DE ALBUFEIRA: TRADIÇÃO, CIÊNCIA OU DINHEIRO?

No entanto, não posso deixar de mais uma vez, partilhar algumas ideias sobre aquela que é uma área do concelho de Sesimbra à qual já dediquei alguns anos da minha vida. E se há cerca de 30 anos, a Lagoa de Albufeira começava a caminhar para a legalidade, com o Plano publicado, a electrificação autorizada e as AUGI delimitadas. A realidade de hoje é mais complexa e exigente. Até porque, a ideia de clandestinidade que sempre denominou a zona da Lagoa de Albufeira está completamente ultrapassada. 

(E aqui terei de referir a acção fundamental e corajosa do então Secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta, quando demoliu (em 1986/87) todas as construções ilegais (cerca de 700) que existiam na margem sul da lagoa (penduradas e quase dentro de água), iniciando-se com esta acção, todo um processo de reconversão e legalização daquele ex-libris que, na década de 80 do século passado estava completamente esquecido e desarticulado com o Concelho de Sesimbra). 

E naquela altura, apoiei a ideia de delimitar a Lagoa de Albufeira como Paisagem Protegida de Âmbito Local, dado que parecia evidente que a recuperação de toda a zona passaria por uma intervenção municipal (devidamente autorizada e com competências atribuídas) e não por intervenção governamental, que sempre tardava e sempre adiava a resolução do problema.

Hoje, a esta distância, sou completamente contra esta ideia de classificar a Lagoa de Albufeira como Paisagem Protegida de Âmbito Local. E explico porquê: com a reconversão urbanística praticamente consolidada, com a definição de regras de ocupação do espaço público urbano, com a execução e regulamentação do acesso viário à margem da lagoa, com a implementação do Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, com as parcerias existentes (algumas contratualizadas), com a APA, com o ICNF, com a SPEA, com a LIALA, com as AUGI e os moradores, tudo o que a Lagoa não precisa é de uma gestão dependente apenas da Câmara Municipal. É fundamental manter as competências em quem tem competências, nomeadamente sobre a praia e a área líquida da lagoa. 

E o exemplo maior desta necessidade da Lagoa de Albufeira continuar debaixo da supervisão das entidades governamentais, está à vista de todos, naquelas obras recentemente efectuadas:

  1. Durante anos, décadas, séculos, todos os pescadores, mariscadores, surfistas, utilizadores do espelho de água, conseguiram aceder ao mesmo, por um caminho em areia, localizado lateralmente à Casa do Infantado. Bastou a competência para efectuar “arranjos” nas margens da Lagoa de Albufeira (conforme foi transmitido em várias reuniões do executivo municipal e noticiado na página oficial) passar para a Câmara para que, em 2021, o acesso fosse forrado com lajetas de betão e sustentado por fundações em betão. Nunca, jamais, o ICNF autorizaria aquela intervenção em cima de areia, num espaço natural classificado como Zona Húmida de Importância Internacional (SÍTIO RAMSAR – REDE NATURA 2000 - 7PT006), Sítio de Interesse Comunitário (DIRECTIVA HABITATS – PTCON0054), Zona de Protecção Especial (ZPE – PTZPE0049), Zona Importante para as Aves (IBA – PT040), integrando áreas de Reserva Ecológica Nacional (REN) e de Domínio Hídrico.
  2. Durante anos, décadas, as escolas de surf do Concelho e dos concelhos vizinhos se deslocaram à Lagoa de Albufeira para a prática dessa actividade. Nunca precisaram de qualquer tipo de apoio (anexo), para guardar material. Bastou a gestão das praias passar para a competência da Câmara para que, em 2021, um contentor em chapa com esplanada, fosse plantado numa zona nobre do areal da lagoa, cortando a amplitude de todo o espaço natural, anulando a visão sobre a costa que se estende para norte e assumindo-se como um mamarracho inqualificável. Nunca, jamais o ICNF (ou Autoridade Marítima), autorizariam aquela implantação, no meio da areia, num espaço natural classificado como SÍTIO RAMSAR, Sítio de Interesse Comunitário, ZPE, Zona Importante para as Aves, integrando áreas de REN e de Domínio Hídrico. Entendo que agora, em 2021, a escola de surf precise de um qualquer apoio para guardar material. Mas caramba, no meio da praia? Com tanto espaço livre? Por exemplo, perto da biblioteca de praia?, disfarçado pela vegetação e talude existente?, e não como objecto preponderante numa paisagem que se quer limpa e desimpedida? Acresce que, naquele exacto local, deveria estar água!
  3. E o que dizer da colocação de calçada que substituiu parcialmente aquele pavimento plástico medonho que serve de passeio marginal à lagoa? (É urgente a retirada de todo aquele plástico numa área que nunca deveria ter sido ocupada com plástico – muitos estarão lembrados que o passeio colocado nos anos 90 do século passado pelo ICNF, era em sulipas de madeira). O plástico foi muito bem retirado mas, colocar pedras de calçada numa saída/entrada de praia, onde o pavimento deve ser liso e não escorregadio? Ninguém pensou em madeira? Por exemplo, sulipas de madeira? 
  4. E sobre a nova rampa de acesso à praia de mar? Talvez apenas referir que a areia, fruto do vento e das dunas móveis, irá tapar todos os anos a passadeira agora construída. O que implicará anualmente (e provavelmente várias vezes por ano) a um trabalho de remoção de areias para voltar a tornar visível a passadeira. Nunca, jamais, o ICNF ou APA (ou Autoridade Marítima) autorizariam aquela implantação de passadeira, sem que a mesma fosse sobreelevada. Para que o vento, com as areias que transporta, não tapassem a passadeira (numa preocupação não só ambiental mas também, de gestão de recursos humanos e financeiros, já que se tratam de dinheiros públicos). E também para que a escassa vegetação que ainda existe, invadisse o espaço entre a areia e a passadeira, segurando as areias e consolidando aquela duna que hoje, é móvel (a passadeira realizada assenta directamente na areia, subindo e descendo ao sabor da ondulação da duna, sendo visível a altura de areia, a poente, e que hoje já está mais elevada do que a passadeira). 

À Câmara compete a gestão do território do Concelho que é urbano (gestão essa que dá pano para mangas), nomeadamente na gestão e ocupação do espaço público urbano (ordenando, regrando, alcatroando, realizando percursos pedonais, substituindo calçadas, arborizando, definindo critérios de ocupação, colocando mobiliário urbano,…). Deixemos a gestão das áreas naturais para quem tem essa competência, sensibilidade e aptidão. E nestas áreas o que competirá à Câmara (entre outros) será “exigir” a abertura e o desassoreamento da lagoa, com os mesmos direitos e deveres presentes nas outras lagoas existentes na costa portuguesa, substituindo-se à administração central quando estiver em causa a saúde pública de todos os utilizadores da Lagoa de Albufeira e a sustentabilidade do sistema lagunar. E também “pugnar” pelo reordenamento dos viveiros e a respectiva definição da capacidade de carga; para que aquela actividade se torne, não só num activo económico mas também turístico, promovendo entre outros, o mexilhão e as enguias, como pratos gastronómicos locais e identificadores daquela região do território sesimbrense.

Actualmente, e na minha opinião, a Lagoa de Albufeira tem um conjunto de problemas que, não estando relacionados, relacionam-se inevitavelmente, conduzindo a situações complexas e de difícil resolução e gestão. Começo pelo elemento que está na origem da atractividade e ocupação humana: o espelho de água da Lagoa de Albufeira.

E constatar o óbvio: o espelho de água da Lagoa de Albufeira, a barra que a separa do oceano, o assoreamento mais que evidente e a qualidade das águas, só são notícia a partir de Março (na expectativa que gera relativamente à abertura da lagoa) e até ao final da época balnear. Depois, a lagoa fica numa espécie de limbo até ao ano seguinte. E volta a rotina noticiosa/política/camarária: o assoreamento, a abertura, a barra, a qualidade da água,… 

A mim, o que me parece fundamental, é tornar a Lagoa de Albufeira num assunto diário e mediático. É sabido que as lagoas costeiras tendencialmente desaparecerão, transformando-se em zonas pantanosas e sucessivamente, em bosques. Ao ser humano, grande responsável pela modificação da paisagem, compete retardar essa realidade futura, introduzindo um conjunto de acções que visem prolongar no tempo, os sistemas lagunares. Aliás, é exactamente por isso que a Lagoa de Albufeira integra a REDE NATURA 2000, como SÍTIO RAMSAR: por ser um exemplo representativo de uma lagoa costeira rara e natural, que sustenta populações de espécies vegetais e animais, assim como subespécies ou famílias de peixes autóctones, que contribuem para a diversidade biológica existente. E são as actividades humanas que contribuem inequivocamente para a alteração do ecossistema lagunar. 

Por exemplo, na obra agora realizada em lajetas de betão para consolidar o acesso à lagoa (e que só se mostrou necessária e imprescindível agora, em 2021): quanto maior for a destruição das margens, com a consolidação de carga humana (e de materiais que transportam), maior será a destruição do coberto vegetal (fundamental para segurar as areias) conduzindo ao aumento da erosão causada pela escorrência natural das águas das chuvas. É provável que, naquele sítio e nas zonas circundantes, se comecem a verificar depósitos de areia que hoje são, inexistentes, transformando-se, sem dúvida, num contributo humano para o assoreamento do espelho de água. O mesmo em relação à praia-mar: quanto maior for a carga humana sobre as dunas, provocando naturalmente o desaparecimento de vegetação (na nova passadeira realizada são visíveis algumas zonas de vegetação fundamentais para a consolidação daquela que é uma duna móvel), maior irá ser a erosão e o transporte de areias pelo acção do vento, contribuindo inequivocamente para o crescente assoreamento da lagoa. 

Dizem diferentes estudos que os ventos dominantes na zona da Lagoa de Albufeira, se verificam de nordeste e noroeste. Ou seja, os ventos dominantes sobre a barra da lagoa serão dois triângulos cruzados: um reúne os ventos da linha do horizonte e de Sintra, soprando para sul, na direcção do Cabo Espichel; o outro, trás os ventos da Apostiça e da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, soprando para sul, na direcção de Alfarim. Naturalmente, e depois de realizada a abertura da lagoa, o canal aberto deriva para sul, por influência da acção das marés e dos ventos, culminando com o seu fecho. Quer isto dizer que, por força dos ventos e das marés, também as areias serão sopradas maioritariamente para sul. 

Em 1996/97, foi efectuada dragagem na zona da embocadura, rebaixando o fundo lagunar na esperança de que o mesmo contribuísse para a longevidade da abertura a realizar. Em 1997, resultado dessa dragagem, foi consolidada uma duna artificial, para deposição de dragados, numa altura superior às dunas naturais, constituindo-se como barreira a oeste/noroeste, encimada por paliçadas que visavam reter as areias que seriam transportadas pela acção dos ventos. Mais tarde veio a constatar-se que, com a abertura da lagoa ao oceano e a consequente derivação natural para sul, a duna artificial começou a ceder, pela erosão provocada pelo mar (e pelas águas lagunares), depositando quantidades enormes de areia na zona interior da embocadura, nomeadamente no canal dragado. Cito algumas das palavras de um trabalho realizado pelo Centro de Zonas Húmidas – ICNF: “nem todas as intervenções (…) são necessariamente “amigas da natureza – nature friendly”; os efeitos desta intervenção sobre a barreira excederam claramente os seus limites físicos e tiveram (e têm) repercussões sobre a barra, as praias oceânicas adjacentes e a evolução dos fundos intra-lagunares próximos.” Dizia o mesmo estudo que, a consolidação daquela duna artificial, fez com que a zona possível para realizar a abertura da lagoa ao mar, ficasse condicionada a um pequeno espaço mais a sul, o que, reduzindo o tempo de derivação natural da abertura (para sul) provocaria, mais cedo, o fecho da barra. 

Esta duna artificial composta por dragados, praticamente desapareceu. Para dentro da lagoa. E serão (estes dragados), um dos grandes responsáveis pelo crescente assoreamento. Parece que, e apesar das dezenas de estudos que já foram produzidos sobre a lagoa, a abertura, os dragados, as dunas, o canal,… ainda restam dúvidas sobre o que fazer, como fazer e onde fazer. 

E eu que não percebo nada de nada de dragagens nem de canais de abertura nem de marés nem de ventos, transcrevo um dos parágrafos do Relatório (2013) realizado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), para a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. / Administração da Região Hidrográfica do Tejo (APA, I.P. /ARH do Tejo):

A eficácia da reabertura da barra será potencialmente maximizada se ocorrer em março-abril, em ciclo de águas vivas e o escoamento da água retida na laguna deve iniciar-se 2 a 3 horas depois da estofa de preia-mar, devendo, se possível escolher-se uma data na qual as condições de agitação sejam de baixa energia. O novo canal deve localizar-se no extremo norte da faixa de divagação habitual da barra, em local onde a herança morfológica do canal escavado na última abertura possibilite o guiamento de correntes e minimize a largura da barreira. Os dragados removidos durante as operações de preparação e durante os trabalhos de abertura devem ser colocados em local que não intersecte a faixa da barreira previsivelmente afectada pela divagação da barra.”

Simples e claro. Digo eu. E acrescento: não se devendo repetir as soluções encontradas e preconizadas em 1997, nomeadamente com a consolidação de uma duna artificial a norte, para deposição de dragados. A necessária deposição de dragados deverá ocorrer a sul da abertura e garantindo a liberdade de divagação da barra (digo eu, voltando a dizer que não percebo nada de nada sobre este assunto).

Naquele ano de 1997, a indignação invadia os pescadores mais velhos, ao verem a consolidação daquela duna artificial. E nos anos que se seguiram, a indignação ainda era maior, vendo a abertura da lagoa realizada a sul. Um deles contava que nunca a abertura da lagoa tinha sido ali realizada. E explicava: “a lagoa tem de ser aberta na orientação da lagoa pequena como faziam os antigos!” Teria razão? Muitos estarão lembrados do então Príncipe Real que, durante anos, fruto da abertura da lagoa ao mar, ficava em risco de ruir e desaparecer dentro da força da água que saía da lagoa ou, na força da maré que entrava na lagoa e descascava a base da duna móvel que o sustentava (onde foi feita a actual passadeira). 

E na necessidade urgente para uns, desnecessária para outros, de uma acção de desassoreamento da Lagoa de Albufeira e da abertura de um canal profundo que garanta o prolongamento da abertura da barra e a sustentabilidade da Lagoa de Albufeira: “as relações entre a longevidade da barra e as variáveis reguladoras não são simples; no estado actual dos conhecimentos, não é possível avançar uma solução que permita prever aquela longevidade com um grau de incerteza aceitável” (frase do relatório que acima referenciei).

A mim, parece-me óbvia a necessidade de desassorear a lagoa. Urgentemente. E, para além de desassorear a lagoa, remover aqueles bancos de areia altíssimos (onde estes ano foram depositadas muitas das areias retiradas na abertura realizada), que formam uma barreira intransponível pela força das marés, na ligação à lagoa: os chamados galgamentos de mar e que são imprescindíveis para a estabilidade ecológica do sistema lagunar. A continuarem ali localizados, serão propícios às acções dos ventos dominantes que irão trazer mais areias para dentro da lagoa e, anularão a derivação da boca da lagoa para sul, provocando rapidamente o seu encerramento. E como não percebo nada de nada sobre esta matéria, atrevo-me a sugerir uma medida (provavelmente completamente disparatada): a utilização de uma máquina-de-rasto, que anule aquelas elevações de areia, transportando-as para sul, ao longo da costa sesimbrense que se estende até às Bicas. Seria com toda a certeza uma acção mais rápida, mais barata e mais fácil de realizar. E estando a competência das praias delegada nas Autarquias, corresponderia apenas a um trabalho dinamizado pela Câmara Municipal de Sesimbra. Mas lá está, esta é só a minha opinião, não percebendo nada de nada sobre o assunto. 

Quanto ao desassoreamento, dizer que o mesmo está consignado no POC Alcobaça – Cabo Espichel. E reforço: cabe à Câmara “exigir” a abertura e desassoreamento da lagoa, com os mesmos direitos e deveres presentes nas outras lagoas existentes na costa portuguesa, substituindo-se à administração central quando estiver em causa a saúde pública de todos os utilizadores da Lagoa de Albufeira e a sustentabilidade do sistema lagunar.

Quanto à lagoa pequena, tantas vezes esquecida nestas matérias, haverá que assegurar o canal de ligação com a lagoa grande, com as condições necessárias para a renovação de águas. É que os estudos realizados também falam do assoreamento desse pequeno canal e da própria lagoa pequena, provocado pela erosão nas ribeiras e consequente deposição dos sedimentos que transportam para o fundo da mesma.

Sobre as algas. Seria importante, conforme esclarecido e prometido pela Câmara, que as mesmas tivessem sido removidas das margens da lagoa. E se a existência de algas putrificadas numa zona frequentada nesta época de verão, por centenas de crianças, e cito: “não é um indicador de degradação da qualidade da água, como tem sido erradamente divulgado” (LINK), é no mínimo uma imagem degradante daquela que é uma das mais belas praias do concelho de Sesimbra. O mínimo exigível seria, digo eu, proceder à remoção das mesmas. É pena.

Que a Lagoa de Albufeira seja um tema diário. Politico, partidário, popular, jornalístico, mediático, camarário, institucional, pressionante, exigente. Que Sesimbra vista de facto a camisola da Lagoa de Albufeira. Camisola essa que se estende pelo perímetro urbano, com realidades distintas e que urge agarrar, planear, resolver, consolidar.

(continua)








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