A PEDIDO DE VÁRIAS PESSOAS, ESCREVO SOBRE A LAGOA DE ALBUFEIRA - 4ª. PARTE
A nascente da AV. Gulbenkian começaram a surgir parcelamentos em avos, na década de 90 do século passado, com a abertura de uma rua denominada Av. do Emigrante. Depois, seguiram-se a colocação de vedações a delimitar os “lotes” e as primeiras construções (em madeira). Mais tarde, surgiu a Avenida das Naus (e vedações e construções), ficando definida e consolidada aquela que foi a última urbanização clandestina na área da Lagoa de Albufeira.
Ao mesmo tempo, decorria a Revisão do PPUADRLA - Plano Parcial de Urbanização da Área Degradada a Recuperar da Lagoa de Albufeira (que durou mais de 20 anos!). E naqueles primeiros anos do século XXI, foram várias as iniciativas que visavam, por parte da Autarquia, conter e demolir aquela ocupação. O que nunca se veio a verificar. A ocupação crescia de dia para dia. Para terem uma ideia, houve casas construídas literalmente, de um dia para o outro.
No caso desta ocupação no então denominado “artigo 196L”, defendi que a Revisão deveria considerar aquela ocupação, definindo uma solução. Até porque, no PPUADRLA existiam pequenas áreas destinadas à construção em banda, que rodeavam praças/rotundas urbanas e que se localizavam dentro do “artigo 196L”. Não foi esse o entendimento plasmado no actual PULA que, para além de anular essas pequenas áreas destinadas à construção em banda, esqueceu completamente aquela realidade, não apontando qualquer tipo de solução para as mesmas. Ou talvez não.
Atente-se na Secção II do regulamento do PULA, relativa aos “espaços agrícolas ou florestais”, nomeadamente ao artigo 14º. relativo às “restrições” e do qual transcrevo apenas o ponto 1, parcialmente:
“1- Com exceção dos atos e operações necessárias para os fins previstos no artigo 15.º, no espaço agrícola ou florestal são interditas as seguintes atividades:
a) Operações de loteamento;
b) Realização de novas construções;
c) Execução de obras de reconstrução e ampliação de quaisquer edificações;
(…)”
Atente-se agora no artigo 15º., que define o regime de edificabilidade, e do qual transcrevo apenas os pontos 1, 2, 3 e 4:
“1- No espaço agrícola ou florestal é permitida a realização de obras de construção nas áreas delimitadas na planta de zonamento, nos termos e condições definidos nos números seguintes.
2- As obras de construção previstas no número anterior só são permitidas para os seguintes fins:
a) Parque ambiental;
b) Unidade de serviços de saúde e bem-estar vocacionada para a população sénior;
c) Parque de estacionamento público.
3- A implementação do parque ambiental depende da elaboração prévia de um estudo que especifique e defina em concreto o modo e os parâmetros de ocupação do solo, o qual deve obedecer aos seguintes objetivos:
a) Conservação das características naturais e do equilíbrio ecológico da zona do Cabeço da Flauta;
b) Preservação do coberto arbóreo existente.
4- O parque ambiental tem de conter obrigatoriamente áreas afetas aos seguintes usos:
a) Parque de estacionamento, construído com materiais que conservem a permeabilidade do solo;
b) Parque de merendas;
c) Acessos rodoviários, pedestres e para cavaleiros;
d) Centro de interpretação com uma área máxima de construção de 100 m2;
e) Circuito de manutenção;
f) Polo de receção com uma área máxima de construção de 150 m2;
g) Espaço de jogo e recreio infantil.
(…)”
O que ressalta deste articulado do PULA é que, não existirão quaisquer construções e/ou vedações no “artigo 196L” (e que integra o espaço agrícola ou florestal definido). Não existe referência a demolições ou à reposição das condições naturais existentes, antes daquela ocupação. O que existe apenas é a proibição de realizar “operações de loteamento”, “novas construções” e “obras de reconstrução e ampliação de quaisquer edificações”. Quer isto dizer que, o PULA sendo completamente omisso relativamente a esta realidade, nas proibições que estabelece parece admitir a existência de construções naquela área: ao proibir “novas construções” estará a admitir as construções existentes? Ao proibir “obras de reconstrução e ampliação de quaisquer edificações” pressupõe que estas existem e que, existindo, não poderão ser reconstruídas e ampliadas?
A verdade é que para toda esta área agrícola e florestal (na qual se insere o “artigo 196L”) está definida a implementação de um Parque Ambiental, dependente “da elaboração prévia de um estudo que especifique e defina em concreto o modo e os parâmetros de ocupação do solo (…)”, estabelecendo que, esse estudo deverá contemplar “obrigatoriamente áreas afetas” a “parque de estacionamento”, “parque de merendas”, “acessos rodoviários, pedestres e para cavaleiros”, “centro de interpretação”, “circuito de manutenção”, “polo de receção” e “espaço de jogo e recreio infantil”. Ou seja, o Parque Ambiental terá, obrigatoriamente de contemplar estas valências. Para além de outras, digo eu. Como sejam por exemplo, a actividade agrícola e florestal (afinal, é esta a classificação do solo).
Importa divagar um pouco em torno da pergunta: o que é um “Parque Ambiental”? Será um Parque Natural?, onde entre outras, são possíveis diversas actividades humanas, como sejam arruamentos, construções e todo o tipo de infraestruturas? Será uma espécie de Área Protegida ou REDE NATURA 2000?, onde entre outras, são possíveis diversas actividades humanas, como sejam a construção de empreendimentos turísticos? Será uma espécie de RAN, onde entre outras, são possíveis diversas actividades humanas, como sejam a construção de habitação e apoios agrícolas?
Atente-se agora no artigo 83º. do regulamento do PULA , nomeadamente o seu ponto 1, que transcrevo:
“1- As edificações e respetivos usos existentes na área de intervenção do PULA podem ser legalizadas e reabilitadas, desde que cumpram as normas do Plano e as regras de construção aplicáveis.”
Ora o PULA é completamente omisso relativamente às construções existentes em espaço agrícola e florestal (do qual faz parte o “artigo 196L”). Poderão as mesmas ser legalizadas e reabilitadas? E sendo esta apenas a minha opinião (criticável e com toda a certeza, altamente polémica) considero que o Parque Ambiental pode e deve, contemplar a solução das construções existentes. Definindo regras e permitindo a reabilitação de toda aquela área, integrando-a na reconversão efectiva de toda a área correspondente à Lagoa de Albufeira. Dirão que se assim for, se agora forem legalizadas construções clandestinas com cerca de 20 anos, terá compensado o desrespeito pelas normas em vigor. E eu pergunto: quem, quando e como procederá àquelas demolições, eventuais indemnizações e realojamentos?
A ideia que partilho publicamente não é a de transformar solo rural em solo urbano. A ideia que partilho publicamente, não é a de classificar aquele espaço como urbano ou urbanizável, permitindo o loteamento e a construção. A ideia que partilho publicamente é a de manter a classificação actual (solo rural – espaço agrícola e florestal) com todas as proibições definidas e implementando um Parque Ambiental que integre também, o ser vivo dominante no planeta: o homem e as suas complexidades.
Para mim, a solução do “artigo 196L” passa pela sua integração no Parque Ambiental como “eco-living” (perdoem-me o estrangeirismo). E nesse sentido, o espaço seria gerido numa espécie de associação, mantendo as construções existentes (com um só piso e em madeira) onde seriam implementados sistemas de eficiência energética e sustentável (como a recuperação de águas da chuva, o aproveitamento de energia solar, a compostagem e reciclagem), definidos percursos pedonais e cicláveis (em terreno natural devidamente balizado), demolidos muros de vedação, retiradas espécies invasoras, repovoado o território com espécies autóctones, dinamizadas acções de conservação da natureza e dos seus sistemas naturais,… transformando toda aquela área num exemplo de “eco-living” e numa das principais atracções do próprio Parque Ambiental.
Utopia? Talvez. Mas uma utopia menor do que aquela que permanece sem solução há mais de duas décadas. Transformar a Lagoa de Albufeira num território de excelência, passa por resolver todas as questões inerentes ao mesmo.
O “artigo 196L” faz parte da solução e não, do prolongar de um problema crescente, sem regras e sem objectivos. Para mim, para além do que referi na 1ª. parte deste texto, é urgente executar o estudo relativo à implementação deste Parque Ambiental. Para que sejam definidas zonas de parqueamento e acessos em segurança, por exemplo, ao Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena. Para que seja preservada e respeitada a grandiosidade da Ribeira da Aiana, com regras de ocupação que proíbam por exemplo, a implementação de estruturas no seu leito (mesmo que em eventos temporários). Para que seja valorizada e conservada toda a zona de pinheiros mansos do Cabeço da Flauta, definindo acessos, parqueamentos e percursos regrados. Para que este Parque Ambiental seja de facto, um Parque Ambiental.
Parque Ambiental esse que, em conjunto com a área líquida da lagoa e as suas margens, será um dos activos turísticos de maior valor no Concelho de Sesimbra. É tempo de pensar na Lagoa de Albufeira como um todo único dentro do Concelho de Sesimbra e que, é um lugar de excepção na Península de Setúbal, na Área Metropolitana de Lisboa, no País, na Europa e no Mundo! Urge que todos sem excepção, vistam esta camisola, nomeadamente e especialmente a Câmara Municipal.
Conforme referi na primeira parte deste texto, a Lagoa de Albufeira não pode ficar esquecida com o fim da época balnear. A Lagoa de Albufeira tem de integrar a agenda política local, diariamente. E se a necessidade mais visível e urgente será o desassoreamento, é igualmente urgente o reordenamento e requalificação da margem sul da lagoa, nomeadamente do Núcleo Náutico e dos diferentes equipamentos existentes (e previstos).
(continua)
link: 1ª. PARTE
link: 2ª. PARTE
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