E PELA 10ª VEZ, CABO ESPICHEL OUTRA VEZ - 2ª PARTE

Normas regulamentares que incidem sobre o Cabo Espichel e nomeadamente, sobre a área onde se localiza o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel:

  • PORTARIA Zona de Protecção da Igreja da Nossa Senhora do Cabo, Casa dos Círios e Terreiro
    • Após a classificação do Santuário do Cabo Espichel como Imóvel de Interesse Público, é publicada uma portaria (1963) que define uma zona de protecção ao Santuário, assim como, o limite vedado à construção (imagem 32).
    • A zona de protecção ao Santuário é descrita como “Zona non-aedificandi”. Ou seja, zona vedada a qualquer tipo de construção.
  • Regime Jurídico estabelecido pela Reserva Ecológica Nacional (REN)
    • O Santuário e toda a zona do Cabo Espichel, integram a área classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN) definida para o Concelho de Sesimbra. Nos termos do regime jurídico da REN são proibidas (entre outras): obras de urbanização, obras de construção e ampliação, vias de comunicação, escavações e aterros.
    • Mas (e há sempre um mas), existem “acções de relevante interesse público” que poderão ser realizadas em áreas de REN desde que e cito: “sejam reconhecidas como tal por despacho do membro do Governo responsável pelas áreas do ambiente e do ordenamento do território e do membro do Governo competente em razão da matéria, desde que não se possam realizar de forma adequada em áreas não integradas na REN.” Quer isto dizer que, sendo tudo proibido em áreas de REN, tudo passará a ser permitido desde que seja reconhecido pelo governo, através de despacho, como “acção de relevante interesse público.” O que, até à presente data, não aconteceu.
  • Plano Director Municipal de Sesimbra (PDM)
    • O Santuário integra a unidade operativa denominada “Costa de Sesimbra”, estando toda a área classificada como “espaço natural”. No artigo 22º., são definidos os equipamentos possíveis de vir a realizar dentro da unidade operativa “Costa de Sesimbra” sendo que, um deles, é o espaço do Santuário. Cito:
      • Espaço E04 (Santuário do Cabo Espichel):
      • a) Área: 3,60 ha;
      • b) Programa: recuperação e aproveitamento do conjunto construído (monumento classificado), com fins turísticos; é considerado projecto estratégico.”
    • Importa aqui referir que com a publicação do PDM em 1998, foram também definidos um conjunto de “projectos estratégicos” e/ou “estudos urbanísticos” que deveriam ser desde logo promovidos e/ou executados. Aliás, o artigo 122º do regulamento do PDM remete, no seu ponto 4 para, e cito: “(v. fichas respectivas de projectos estratégicos).” Porém, e apesar dos elementos que constituem o PDM de Sesimbra serem documentos públicos, a página da CMSesimbra, não disponibiliza esta informação (e outras igualmente importantes e públicas) para a qual o regulamento do PDM remete.
    • Ou seja, o PDM definiu como “projecto estratégico” o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel, remetendo para a respectiva “ficha” efectuada e que, indicará (digo eu) as intenções e/ou soluções a preconizar. Eventualmente, e uma vez que estava constituído o grupo de trabalho (desde 1986) que tinha por missão a recuperação do Santuário, tendo por base o projecto de recuperação apresentado em 1968 (pelos arquitectos Keil do Amaral, Pinto de Freitas e Silva Dias), essas intenções e/ou soluções corresponderão ao eventual programa definido por esse grupo de trabalho: para a ala norte, uma pousada, lojas de artesanato e auditório e, para a ala sul, espaços destinados ao acolhimento de peregrinos, com habitações permanentes e zonas de serviços.
    • Importa aqui referir que “naquele tempo” que mediou entre 1974 e os anos 90, a ideia de crescimento territorial era outra. Eram necessárias casas e condições de vida para a população nacional. A especulação imobiliária cresceu e a par desta, a ocupação ilegal e as urbanizações ditas “clandestinas”. Aliadas à vertente turística e também à atractividade que os estrangeiros pareciam ter por Portugal (graças também, digo eu, ao facto de Portugal se ter mantido neutro na segunda guerra mundial e ter surgido quase como o lugar paradisíaco da Europa onde a guerra não chegou e onde se ria, dançava, jogava,… sem os medos decorrentes da própria guerra.) O PDM de Sesimbra (e muitos outros) reflectiu essa ideia de crescimento urbano e turístico. E quando finalmente é publicado a dois anos do novo milénio, muitas (se não a maior parte) das regras, conceitos e estratégias de desenvolvimento já se mostravam desadequadas para aquilo que começava a inundar o mundo: a sustentabilidade, a biodiversidade, as alterações climáticas, a natureza,… e no derradeiro ano da década de 90, a orientação era clara por parte das CCDR’s: os planos de ordenamento do território são obrigatoriamente revistos em baixa. E rever em baixa significa reduzir os parâmetros de construção atribuídos aos espaços urbanos, turísticos, agrícola-florestais e industriais (mais uma vez, esta matéria daria azo a muitas considerações que tornariam este post interminável).
    • Resumindo, o PDM de Sesimbra define para o Santuário do Cabo Espichel, a “recuperação e aproveitamento do conjunto construído (monumento classificado), com fins turísticos”, considerando-o um “projecto estratégico.” Esse “projecto estratégico” eventualmente respeitaria o projecto de recuperação promovido pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e que nunca avançou. Aliás, não se conhece o projecto definido e se o mesmo respeitaria integralmente o projecto desenvolvido em 1968. 
    • Por fim dizer que, no seu artigo 11º. do regulamento, o PDM estabelece que a REN identificada na planta de condicionantes reger-se-á pela legislação geral aplicável. Ou seja, a intervenção a efectuar no Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel terá de cumprir as proibições impostas no regime estabelecido pela REN. 
  • Regime jurídico estabelecido pela REDE NATURA 2000, nomeadamente para os Sítios de Importância Comunitária: Zonas Especiais de Conservação (ZEC) e Zonas de Protecção Especial (ZPE):
    • O Santuário e toda a zona do Cabo Espichel integram dois Sítios de Importância Comunitária denominados: Sitio Arrábida/Espichel e ZPE-Cabo Espichel. Nos termos do regime jurídico da Rede Natura 2000, são definidos (entre outros) um conjunto de actos e actividades condicionadas e que dependem de parecer favorável do ICN ou da CCDR, nomeadamente e cito:
      • A abertura de novas vias de comunicação, bem como o alargamento das existentes;”
      • “A instalação de infra-estruturas de electricidade e telefónicas, aéreas ou subterrâneas, de telecomunicações, de transporte de gás natural ou de outros combustíveis, de saneamento básico e de aproveitamento de energias renováveis ou similares fora dos perímetros urbanos;”
    • Para além deste parecer favorável, o ICN terá de emitir parecer vinculativo se estiver prevista a (e cito) “a introdução na natureza de espécies da flora e da fauna que não ocorram naturalmente no estado selvagem em território nacional.”
    • Estabelece também a obrigatoriedade de proceder a avaliação de incidências ambientais, sempre que a acção, plano ou projecto (e cito) “não resulte da gestão de um sítio de interesse comunitário de uma zona especial de conservação ou de uma zona de protecção especial e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar essa zona de forma significativa”, definido que essa avaliação de incidências ambientais segue a forma de avaliação de impacte ambiental.
    • Ou seja, a Rede Natura 2000 vem definir para o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel, a obrigatoriedade de uma avaliação de incidências ambientais (na forma de avaliação de impacte ambiental) uma vez que a recuperação do edificado não resulta da gestão de um sítio de interesse comunitário. Acresce que, o ICN ou a CCDR terá de autorizar a instalação de infra-estruturas aéreas ou subterrâneas, assim como a abertura ou alargamento de vias existentes. Sendo que, o regime estabelecido pela REN prevalecerá sobre as autorizações quer do ICN quer da CCDR, porquanto o mesmo é proibitivo face ao regime que estabelece. 
  • Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA)
    • O Santuário e toda a zona do Cabo Espichel, integram o Parque Natural da Arrábida. O Santuário está classificado como “área de protecção parcial do tipo II”, sendo que de acordo com as disposições definidas e que cito:
      • As áreas de protecção parcial do tipo II constituem espaços non aedificandi. (…) Nestas áreas apenas são permitidas as seguintes actividades: (…) Obras de conservação e recuperação do santuário do cabo Espichel (…)
    • Acresce que, no artigo relativo às “servidões administrativas e restrições de utilidade pública”, o POPNA refere que se aplicam e cito: “todas as servidões administrativas e restrições de utilidade pública constantes da legislação em vigor, nomeadamente (…) as áreas integradas no sítio da Lista Nacional Arrábida-Espichel—PTCONOO010, na Zona de Protecção Especial do Cabo Espichel e as integradas na Reserva Ecológica Nacional (REN).”
    • Quer isto dizer que o POPNA apenas permite a conservação e recuperação do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel (entenda-se edificado) sendo que na restante área serão respeitados os regimes jurídicos da Rede Natura 2000 e REN.
  • Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Alcobaça – Cabo Espichel
    • O Santuário e toda a zona do Cabo Espichel integram o POOC Alcobaça – Cabo Espichel, estando totalmente inserido numa área classificada como de “especial interesse para a conservação e biodiversidade”. Nesta área, prevalecem as normas aplicáveis nomeadamente através da Rede Natura 2000 sendo que e relativamente às áreas de REN as mesmas se regem pelo regime jurídico em vigor.
    • Simultaneamente, o POPNA define uma “faixa de salvaguarda” definindo que prevalecem nestas áreas e cito, “as regras mais restritivas” (entenda-se REN e Reda Natura 2000) avançando no entanto com a possibilidade de autorizar (desde que não colidindo com o regime REN e Rede Natura 2000):
      • Obras de reconstrução ou de ampliação (…)”
      • “Obras de alteração desde que não se traduzam na criação de caves, novas frações e que no caso de empreendimentos turísticos não originem um aumento da capacidade de alojamento;”
      • “Obras destinadas à instalação de estacionamentos, acessos e instalações ligeiras com caráter amovível, localizadas em setores de arriba onde, através de intervenções de estabilização, minimização ou corretivas, tenham sido anulados, minimizados ou atenuados os fenómenos de instabilidade presentes de modo a assegurar as condições de estabilidade da arriba em relação aos fatores erosivos e as condições de segurança exigidas para a ocupação humana dessas áreas;
      • "Construção de acessos pedonais.”
    • Estabelece também uma “zona terrestre de protecção” sendo que nesta, é proibido (entre outras):
      • Ações que impermeabilizem ou poluam as areias;
      • "Destruição da vegetação autóctone e introdução de espécies exóticas e indígenas invasoras (…);"
      • “Instalação de quaisquer unidades destinadas ao armazenamento e gestão de resíduos;"
      • "Rejeição de efluentes de origem doméstica ou industrial, ou quaisquer outros efluentes, sem tratamento de acordo com as normas legais em vigor; (…)”
    • Por fim, importa referir também a área referida como de “instabilidade potencial” onde tudo é proibido (entenda-se obras de qualquer natureza, amovíveis ou não) e que compreende todo o espaço atrás da Igreja até ao precipício (ou seja, toda a área de terreiro a poente, entre a Ermida, a Igreja, a linha de água a sul e a arriba.)
    • Ou seja, de acordo com o POOC Alcobaça – Cabo Espichel, prevalece o regime Rede Natura 2000 e REN em toda a área do Cabo Espichel, nomeadamente sobre o espaço do Santuário. Neste, será possível, de acordo com o PDM e com o POPNA apenas as obras de conservação e recuperação do Santuário (entenda-se edificado existente composto pela Igreja, hospedarias e ruínas).


Resumindo: a concessão do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel para fins turísticos será efectuada de acordo com os documentos de referência que instruem o respectivo programa de concessão e desde que, simultaneamente e cumulativamente, cumpram o regime jurídico estabelecido pela Rede Natura 2000 e REN. Simples. 

Acresce que não existe nenhum despacho governamental que considere a intervenção no Santuário como uma “acção de relevante interesse público” sendo que se mantêm em vigor todas as proibições inerentes ao regime jurídico da REN e que incidem sobre o Cabo Espichel, nomeadamente na zona do Santuário. 

Acresce também o facto de o Santuário ser um Imóvel de Interesse Público pelo que, simultaneamente, cumulativamente e obrigatoriamente terá de respeitar:

  • LEI de bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural
    • Importa apenas referir que esta Lei mantém e cito: “em vigor os efeitos decorrentes de anteriores formas de protecção de bens culturais (…) imóveis da responsabilidade da administração central, (…) independentemente das conversões a que tenha de se proceder por força da presente lei.” Quer isto dizer que se mantém em vigor a faixa de protecção definida em 1963 como “zona non aedificandi”. Acresce que, se acaso esta faixa de protecção não estivesse delimitada, (e cito) “os bens imóveis classificados (…), beneficiarão automaticamente de uma zona geral de protecção de 50 m, contados a partir dos seus limites externos (…).
  • Regime Juridico dos estudos, projectos, relatórios, obras ou intervenções sobre bens culturais classificados
    • Grosso modo, tratam-se dos elementos obrigatórios a elaborar antes, durante e após a realização de obras em imóveis classificados. No caso do Santuário, é obrigatória desde logo e aquando do pedido de licenciamento, a entrega do relatório prévio (que fundamente entre outros, as obras a realizar e a adequação das mesmas em relação às características do Santuário, designadamente (e cito) “o interesse histórico, arquitectónico, artístico, científico, social ou técnico.
Resumindo, a concessão do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel para fins turísticos, obedecerá aos documentos de referência que instruem o respectivo programa de concessão e também, simultaneamente, cumulativamente e obrigatoriamente, ao regime jurídico estabelecido pela Rede Natura 2000 e REN, à zona de protecção “non aedificandi”, à Lei de bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural e, ao regime jurídico dos estudos, projectos, relatórios, obras ou intervenções sobre bens culturais classificados. Simples.

E o que dizem afinal os documentos de referência que instruem o respectivo programa de concessão? 

(continua)



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