ENDERECEI CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E MINISTRA DA CULTURA - SANTUÁRIO DO CABO ESPICHEL - SESIMBRA

Enderecei CARTA ABERTA ao Exmo. Sr. Presidente da República Portuguesa Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa e à Exma. Sra. Ministra da Cultura Drª Graça Fonseca, na sequência da noticia publicada hoje na página da Câmara Municipal de Sesimbra relativamente ao Concurso para concessão do Santuário do Cabo Espichel, manifestando a minha indignação sobre a posição/decisão tomada.

Anexei também os textos que publiquei com os títulos:


Partilho publicamente, o teor da mesma:

Assunto: Carta Aberta sobre o Concurso para a concessão do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel para fins turísticos no âmbito do programa Revive.

No próximo dia 18 de Maio está prevista a abertura de concurso para a concessão do Santuário do Cabo Espichel, numa sessão que terá lugar na Igreja do Santuário do Cabo Espichel e que contará com a participação do ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, da secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, do presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, Francisco Jesus, e do bispo de Setúbal, D. José Ornelas. Sabendo que esta minha missiva não inviabilizará a realização do previsto, não posso, enquanto cidadã portuguesa, deixar de manifestar a minha indignação perante o que se avizinha concretizar, apelando desde já a V.Exas. consideração pelas palavras que vos remeto.

O Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel foi, até 1917, o Santuário de Portugal. Os registos mais antigos que se conhecem, referem a realização de peregrinações ao Santuário registando-se no século XIV (conforme atesta um documento da chancelaria de D. Pedro I) um culto devocional a Nossa Senhora do Cabo Espichel plenamente estabelecido. São conhecidas as berlindas (patentes no Museu Nacional dos Coches) e a grande devoção de monarcas portugueses ao culto mariano do Cabo Espichel, realçando-se as comitivas de D. João V, D. José I e de D. Maria I.

Deste culto secular, são marcantes os círios em peregrinação de fé. Em Sesimbra, são os pescadores a principal comunidade devota da Nossa Senhora do Cabo Espichel que ali se deslocam anualmente e sempre no último fim-de-semana de Setembro. Actualmente são cerca de três dezenas os círios que realizam peregrinações ao Santuário, num rito quase diário de fé e devoção. Curiosamente, seria no “Dia da Espiga” (que ocorreu na passada quinta-feira), que os ‘círios saloios’ começavam os festejos em honra da Nossa Senhora do Cabo Espichel. ‘Círios saloios’ que, num total de 26, integram as freguesias da margem norte do Tejo e que, continuam ano após ano a celebrar, a festejar, a dedicar a sua devoção, a sua fé, ao culto da Nossa Senhora do Cabo Espichel. Refiro-me por exemplo às freguesias de Santa Maria e São Miguel em Sintra ou à freguesia de S. Vicente de Alcabideche, em Cascais.

Paralelamente ao rito de fé e devoção, muitos são aqueles que dedicaram parte da sua vida pessoal, académica e profissional ao estudo do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel, defendendo a sua manutenção e preservação enquanto Santuário, local de culto e devoção.

Perdoem-me o excesso de palavras mas, quando soube da intenção de transformar o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel num empreendimento turístico, manifestei a minha indignação e total discordância porquanto, e de acordo com o que consta no sítio da internet do programa REVIVE, a área a concessionar irá anular o rito religioso, inviabilizando o culto devocional e a realização das procissões seculares (tomo a liberdade de remeter em anexo os documentos que então produzi).

Acresce que, esta decisão partiu de uma deliberação tomada pelo executivo municipal e posteriormente pela Assembleia Municipal, sem auscultação da população. Sem ouvir aqueles que mantêm ainda hoje, o Santuário vivo, com a força da sua fé. Sem ouvir os pescadores de Sesimbra. Sem ouvir os devotos de Palmela, Setúbal, Azeitão, Seixal, Arrentela, Azoia, Lisboa, Almada, Coina, Alhos Vedros, Sintra, Cascais, Alcabideche, Oeiras, Carnaxide, Benfica, Carnide, Odivelas, Loures,… 

Transformar um Santuário secular, num empreendimento turístico, é caso único no país. Arrisco até dizer que será caso único no mundo. Cito as palavras do Prof. Dr. Fernando António Baptista Pereira quando diz que “não há ninguém que visite o Cabo Espichel que não fique avassaladoramente impressionado pelo carácter único do local, em que a experiência de um promontório que penetra violentamente no oceano sob a grandeza do céu simultaneamente nos reduz a uma insignificância terrena e nos amplia a consciência até à fruição do sublime.”

A mim, enquanto portuguesa, esperaria que o estado português preservasse valor, memória, identidade, património. Não concessionando a uma exploração privada, um lugar de culto e devoção como é o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel. 

Enquanto cidadã portuguesa, esperaria que o estado português recuperasse o património artístico e religioso e que, no caso do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel é composto por um conjunto de peças de arte únicas e valiosas, como sejam as pinturas integradas no ciclo do chamado Mestre da Lourinhã ou, a pintura do tecto atribuída ao pintor Lourenço da Cunha. 

Apelo por isso a V. Exas. que possam interceder no sentido de preservar aquele que foi o maior Santuário de Portugal e que, ainda hoje, mantém viva a fé e a devoção de milhares de crentes. A concessão prevista (na minha opinião) será catastrófica, não só para a dinâmica do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel como para o eventual empreendimento turístico que vier a ser considerado.

Imaginem o que seria por exemplo, o Santuário da Nossa Senhora de Fátima transformado num hotel. Seria uma ideia completamente descabida e disparatada. Porque um Santuário é, um Santuário. E só por isso, nunca poderá ser um hotel.

Atenciosamente,

Sandra M. B. Patrício 

14.Maio.2021




Comentários

  1. Muito bem descrito neste texto o pensamento de muitas pessoas na qual eu me incluio. Seria de facto um grande revés à nossa tradição secular de peregrinação e ao esforço de tantos que de uma maneira digna se dispuseram a conservar essa memória.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares