SANTUÁRIO DA NOSSA SENHORA DO CABO ESPICHEL – SESIMBRA – 1ª. Parte
Na sequência do meu anterior post (PANDEMIA, MEDIDAS E ORÇAMENTO 2021 - SESIMBRA), este texto (dividido em três partes) é dedicado ao Cabo Espichel, na sequência da reunião de Câmara que deliberou sobre o Orçamento de 2021 para Sesimbra e que abordou um conjunto de outros temas que merecem, quanto a mim, alguma reflexão.
Existem um sem número de estudos, propostas, teses sobre o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel. Muitos destes documentos são divergentes e muitos outros são convergentes, no tipo de propostas e soluções que sugerem para um hipotético projecto de recuperação do conjunto arquitectónico que integra o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel.
Não vou entrar em descrições do Santuário nem em enquadramentos históricos e religiosos. Vou antes começar por significar a palavra “Santuário”. Surge pela primeira vez para identificar Jerusalém. E em Jerusalém, identificava o seu lugar mais sagrado. Na definição comummente aceite, Santuário significa “o lugar mais sagrado do templo de Jerusalém, onde se guardava a arca da aliança”. E a palavra “templo”, nos nossos dias, adquire uma correspondência imediata e directa entre templo-igreja, enquanto edifício construído. Sendo que dentro da igreja existirá um lugar que é o mais sagrado por guardar o seu maior tesouro.
Mas, a palavra "templo" (assim como a palavra igreja), identificava também um local sagrado onde fiéis, religiosos, peregrinos, ermitas,… se reuniam em oração. Geralmente em lugares ermos, desertificados e sujeitos às intempéries resultantes dessa localização isolada. O "templo" (igreja) seria o lugar de reunião, ao ar livre, onde estaria também, o local mais sagrado (geralmente uma ermida ou pequena capela).
Em 2015 foi publicada a obra “Santuários de Portugal – Caminhos de Fé”. Era então explicado que inicialmente teriam sido identificados 245 locais de culto, cuja piedade popular designa como santuários. No entanto, a Associação dos Reitores dos Santuários de Portugal, consultando as vinte dioceses de Portugal, informava que apenas 161 locais são considerados santuários. O Cabo Espichel é um deles.
Transcrevo aqui as palavras do delegado do Pontifício Conselho da Cultura: «todas as pessoas guardam na memória lugares marcantes da sua história pessoal. Também a história da fé assume estas referências geográficas. Há lugares com alto valor e significado simbólico. Mantêm-se vivos na memória histórica por serem espaços onde aconteceram eventos decisivos na história da fé de uma comunidade».
E também, as palavras do Presidente do Conselho Permanente da Associação dos Reitores dos Santuários de Portugal, dizendo que os santuários propiciam as «condições favoráveis para que os peregrinos se encontrem com Deus, ou pelo menos respirem a sua presença, se sintam interpelados para a abertura ao transcendente». E continua dizendo: «Entra-se no santuário para agradecer, louvar, suplicar».
E termino com as palavras do Padre Sezinando Alberto: «os santuários são lugares de cultura. Em muitos casos são já em si mesmos um bem cultural. Não descurando o que lhes é específico, de modo a que a dimensão cultural não se sobreponha à cultual».
Do livro “Cabo Espichel – Em Terras de um Mundo Perdido”, transcrevo uma frase do Prof. Dr. Fernando António Baptista Pereira: «Não há ninguém que visite o Cabo Espichel que não fique avassaladoramente impressionado pelo carácter único do local, em que a experiência de um promontório que penetra violentamente no oceano sob a grandeza do céu simultaneamente nos reduz a uma insignificância terrena e nos amplia a consciência até à fruição do sublime.»
Ou seja, o Cabo Espichel é um Santuário composto pelo mar, pela terra, pelos ventos, pelo céu, pela lenda, pelos círios, pela devoção, pela fé. E também pelas construções que o compõem. E, uma dessas construções, é o lugar mais sagrado do templo do Cabo Espichel.
Por outras palavras, o templo do Cabo Espichel, guarda no seu lugar mais sagrado, o seu maior tesouro. E é por esta conjugação de evidências que o Cabo Espichel é identificado como Santuário. E é por ser um Santuário que chega aos nossos dias como património arquitectónico, religioso e cultural. Onde continuam a decorrer celebrações religiosas, romarias de peregrinos e círios em devoção, festas de cariz popular e religioso e também, eventos culturais, como concertos musicais e, mais recentemente, actividades várias desenvolvidas no espaço da Casa da Água. Porque a cultura e o culto podem e devem coexistir, desde que não se anulem mutuamente pelas actividades que projectam.
Sem a fé, não existia o lugar mais sagrado do Cabo Espichel: a Ermida da Memória. Sem o crescimento do culto e da devoção à Nossa Senhora do Cabo Espichel (que atingiu o seu esplendor no século XVIII), não existiria a Igreja, nem a Casa da Água, nem o Aqueduto, nem a Casa da Ópera. Sem os peregrinos e círios, não existiam romarias nem as Hospedarias para albergar os romeiros.
Sem a fé que moveu os homens para aquela localização, dotando-a de construções erigidas por necessidade de apoio ao culto e aos romeiros, o Cabo Espichel seria hoje, apenas e só um Akra Barbarion. E nos dias de hoje, seria vazio, isolado, ventoso. Um lugar onde a força da natureza se faz sentir. Sem património arquitectónico. Sem valor cultural. Sem qualquer tipo de interesse que não apenas o de finisterra.
E no decorrer dos séculos, o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel foi sofrendo as agruras do tempo e do homem, chegando até nós sem o brilho de outrora. Mas mantendo a fé, a devoção, as peregrinações e as festas religiosas e populares. E aquela energia que «nos reduz a uma insignificância terrena e nos amplia a consciência até à fruição do sublime».
Mas, a pergunta que se faz: como recuperar o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel? Nomeadamente as hospedarias e construções em ruína? E a resposta aparentemente foi simples: concessionar a exploração do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel, afectando-o para fins turísticos. Que poderão vir a ser: um estabelecimento hoteleiro; um alojamento do tipo Hostel; ou um outro qualquer projecto turístico. Será o privado (a quem for concessionada a exploração) a decidir.
Ou seja, a Câmara deliberou por unanimidade, submeter à Assembleia Municipal a proposta de, e cito: “Concessão de exploração da ala norte do Santuário de Nossa Senhora do Cabo, no Cabo Espichel”, fixando as condições gerais e solicitando a “autorização de delegação de competências no Turismo de Portugal, IP para dinamização e tramitação do respetivo procedimento de concurso público”.
E, a Assembleia Municipal, com as cinco forças políticas que a compõem, deliberou por unanimidade e cito, “autorizar a celebração de contrato de delegação de competências com o Turismo de Portugal, IP para aquela entidade, elaborar e aprovar as peças do procedimento do concurso de concessão de exploração da Ala Norte do “Santuário da Nossa Senhora do Cabo”, respeitando as condições gerais fixadas pela própria Assembleia Municipal. Mais deliberou que seja o Turismo de Portugal, IP a “proceder à abertura e divulgação do Concurso Público, conduzir e tramitar o procedimento e tomar a decisão de adjudicação.” Apenas as bancadas do PCP e do PSD, prestaram Declarações de Voto. Que a acta da reunião não reproduz. Desconhecem-se também, as razões que levaram as restantes bancadas a votar favorável: PS, BE e MSU.
Resulta então que a decisão de transformar o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel num empreendimento turístico, é consensual entre os políticos da minha terra, que foram eleitos livre e democraticamente por todos nós, para tomarem decisões e gerirem o Concelho, nomeadamente o destino do património arquitectónico, cultural e religioso.
Nunca esta questão foi apresentada e debatida publicamente, informando os sesimbrenses, o cidadão comum, da decisão de transformar o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel num hotel. Se calhar nem tinha de ser. É para isso, para tomarem decisões, que elegemos os órgãos municipais.
Mas na senda da promessa eleitoral de “prosseguir e alargar a prática de discussão pública das políticas municipais e dos projectos mais significativos e intensificar os meios de consulta alargada à população”, no âmbito de uma gestão próxima e participada, parece-me que teria sido importante saber da sensibilidade da população sesimbrense, em especial daqueles que continuam a reproduzir os ritos seculares. E também dos vários círios que até hoje, continuam a celebrar e a visitar o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel.
Não me recordo se alguma força política referiu no seu programa eleitoral, a transformação do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel num hotel. O que me lembro foi da promessa de “potenciar a requalificação do edificado do Santuário do Cabo Espichel e intervencionar a zona envolvente, nomeadamente o aqueduto”.
(continua)
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