MAIS UMA VEZ A "VACA FRIA, DIFÍCIL" - MATA DE SESIMBRA
A 12 de Outubro de 2022, o executivo municipal aprovou por unanimidade (em reunião de Câmara), aqueles que foram denominados como Contratos de Urbanização para os Planos de Pormenor da Mata de Sesimbra – Norte e Sul.
No caso da Mata Sul (conforme referi no POSTque antecede este), não se trata de um Contrato de Urbanização para toda a área do Plano de Pormenor. Trata-se de um Contrato de Urbanização para uma pequeníssima área inserida no Plano de Pormenor da Mata Sul e que corresponde ao primeiro pedido de licenciamento de loteamento (aprovado a 26 de Outubro e a 28 de Novembro de 2022), apresentado na reunião de 26 de Outubro como “uma vaca fria, difícil” (LINK).
Quer isto dizer que, ao contrário do PP Norte que tem um Contrato de Urbanização, o PP Sul não tem um Contrato de Urbanização. Melhor explicando: o que o executivo municipal aprovou por unanimidade, para uma pequeníssima área abrangida pelo PP Sul, foi um Contrato de Urbanização para o loteamento “uma vaca fria, difícil”. Nada mais do que isso.
Atente-se naquele que foi o esclarecimento prestado pelo Presidente da Autarquia (na segunda reunião da sessão da Assembleia Municipal de 28 de Dezembro, que se realizou no passado dia 13 de Janeiro de 2023) perante as declarações do deputado Carlos Macedo (eleito pelo BE) e do deputado Paulo Caetano (eleito pelo PS) sobre o loteamento “uma vaca fria, difícil”. Transcrevo parcial e textualmente:
“(…) não há efectivamente necessidade de discussão pública. Não há. De todo e temos isso efectivamente bem justificado no conjunto de pareceres. Não há necessidade porque poderia ser um processo de loteamento como pode ser um processo de certidão do plano que tem efeitos, o próprio plano tem efeitos re-gis-trais. Portanto o modelo em que é apresentado pode ser certidão ou loteamento, e de acordo com um conjunto de entendimentos e não só da Câmara Municipal, como é normal, não há sequer necessidade, até porque o próprio plano em si, foi objecto de discussão pública (…)”
Certíssima esta explicação. De facto assim é: “o próprio plano tem efeitos re-gis-trais” e se fosse registado, daria origem a uma Certidão que equivaleria a um Alvará de loteamento. E assim sendo, não haveria “efectivamente necessidade de discussão pública (…) até porque o próprio plano em si, foi objecto de discussão pública.”
Permitam-me repetir: “o próprio plano tem efeitos re-gis-trais”. Significa portanto que o Plano teria uma Certidão e não, várias Certidões. Ora o que o regulamento do PP Sul veio estabelecer foi que, o registo predial que constituiria os lotes/parcelas previstos na totalidade do plano, poderia acontecer através do registo predial do próprio plano ou, através de um pedido de reparcelamento ou loteamento. Ou seja, o PP Sul teria apenas e só um único Alvará de loteamento que poderia ser emitido de três maneiras diferentes: ou através de um pedido de reparcelamento para toda a área do plano, ou através de um pedido de loteamento para toda a área do plano, ou através do registo do próprio Plano.
Nada disto aconteceu. E assim, sendo um loteamento inserido num plano de ordenamento, tem obrigatoriamente de ser sujeito, nos termos definidos pelo artigo 22º. do RJUE, a consulta pública. Digo eu.
Continuemos com o esclarecimento:
“(…) Sobre os índices de construção, sobre a… os pisos que estão identificados no processo de loteamento e aquilo que está no plano. Os lotes que foram constituídos no loteamento das parcelas 1 a 4 correspondem in-te-gral-mente àquilo que eram as parcelas P1 a P4., identificadas no na planta síntese do Plano de Pormenor da zona sul da mata de Sesimbra. Nem mais nem menos. Quer em áreas quer em pisos quer em tipologias (…)”.
Nem poderia ser de outra maneira. Um loteamento não altera um Plano. O único instrumento que altera um plano é outro plano. Continuemos com a questão relativa às infraestruturas do próprio loteamento:
“(…) As obras de infraestruturas internas são exclusivamente da responsabilidade do promotor, porque vamos estar perante uma operação que equivalerá, em termos de linguagem para todos percebam, praticamente a um condomínio.(…) Tudo o que é iluminação, rede de águas, aliás terá de ser um contador no acesso principal sem prejuízo de poderem ter contadores interiores, rede de esgotos, pavimentos, vias de comunicação, passeios, (…) quer da Mata Norte quer da Mata Sul, são da responsabilidade do promotor.”
Vamos lá ver: o que o executivo municipal aprovou por unanimidade na reunião de Câmara de dia 26 de Outubro de 2022 não foi um “condomínio”. Foi o licenciamento de um loteamento, composto por quatro lotes, definindo o uso de cada lote constituído assim como, os respectivos parâmetros urbanos aplicáveis a cada lote.
Quer isto dizer que, conforme estabelece o RJUE (artigo 44º.) o proprietário/promotor do loteamento cede obrigatoriamente e “gratuitamente ao município” áreas destinadas à “implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e as infraestruturas que (…) devam integrar o domínio municipal” (ponto 1 do artigo 44º). Tal só não acontece se “o prédio a lotear já estiver servido pelas infraestruturas”, “destinadas a servir diretamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva” (ponto 4 do mesmo artigo 44º e, alínea h) do artigo 2ª).
Ou seja, como na área para a qual foi aprovado o loteamento, não existem nenhuma das infraestruturas acima descritas, compete ao proprietário/promotor do loteamento executá-las e cedê-las obrigatoriamente e “gratuitamente ao município”, sendo que as mesmas se integram “no domínio municipal com a emissão do alvará” (ponto 3 do mesmo artigo 44º).
O que a Câmara poderia fazer (depois das infraestruturas serem cedidas para domínio municipal e depois de estarem executadas e recepcionadas), seria confiar a gestão das infraestruturas (“arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações”), e dos “espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva” ao promotor/proprietário do loteamento, mediante a celebração de um Contrato de Concessão do domínio municipal (artigo 46º do RJUE).
E esse Contrato de Concessão do domínio municipal fixaria entre outros: o prazo de vigência, as obrigações (quer do concessionário quer do município), as garantias que deveriam ser prestadas, os modos e os termos do sequestro e rescisão,... E mais importante: sob pena de nulidade do Contrato de Concessão do domínio municipal: não poderia ser proibido “o acesso e utilização do espaço concessionado por parte do público” (artigo 47º do RJUE).
Quer isto dizer que o executivo municipal ao aprovar por unanimidade o loteamento, aprovou também, sem celebrar qualquer tipo de Contrato de Concessão do domínio municipal, que todas as infraestruturas (que obrigatoriamente seriam de domínio público), ficassem na posse do proprietário/promotor do loteamento.
Quer então isto dizer que o executivo aprovou por unanimidade um “gueto”. Vedado e isolado. Uma espécie de comunidade fechada (turística?), onde serão constituídas 3.920 camas e que corresponderão a mais de cinco mil habitantes (valor superior aos habitantes/eleitores da Freguesia de Santiago). Nem sequer o carro-patrulha da PSP ou da GNR poderá entrar livremente e circular pelos arruamentos, para ver o que se passa. Fantástico.
Confesso que a memória já me começa a falhar mas, se bem me lembro, a ideia inerente aos dois planos da Mata de Sesimbra era a de renaturalizar, conservar, preservar, libertar e cuidar a Mata de Sesimbra (através da implementação do Plano de Gestão Ambiental), concentrando as áreas de construção (empreendimentos, equipamentos, infraestruturas, áreas verdes) e integrando-as “no conjunto de valores culturais e da identidade local”, abrindo os diferentes espaços/áreas constituídas “à comunidade local, podendo a mesma beneficiar de um conjunto de espaços e equipamentos públicos” (frases constante no Resumo Não Técnico do Estudo Ambiental do Plano de Pormenor da Mata de Sesimbra Sul).
Mas claro, estes eram os princípios que suportavam (e suportam) o PP Sul, há 20 anos. Agora, em pleno século XXI, o executivo municipal, o que aprova por unanimidade, é um “gueto”. Ninguém tem nada a ver com o que se passa no “gueto”. E onde é que já se viu essa coisa de abrir as portas ao povo sesimbrense, ao cidadão comum, para que possa “beneficiar de um conjunto de espaços e equipamentos públicos”? Era só o que mais faltava! O que o povo sesimbrense, o cidadão comum, vai conhecer do “gueto”, são os muros de vedação e o portão de entrada. O resto? Podem conhecer através do Google! E já vão com muita sorte!
O que me parece é que o executivo municipal ao deliberar unanimemente, deliberou uma grande confusão. Porque o que deveria estar a deliberar era apenas e só o loteamento. E um mês depois, o que o executivo municipal deveria estar a deliberar seriam as obras de urbanização do loteamento. E como qualquer outro loteamento, teria cedências obrigatórias, que integrariam o domínio público, nomeadamente os arruamentos.
Com esta decisão unânime, qualquer futuro loteamento, noutra zona qualquer do Concelho, poderá ser transformado num “gueto”, com o argumento de que “do ponto de vista de manutenção é um ónus elevado” para os cofres municipais (frase do mesmo esclarecimento prestado pelo Presidente da Autarquia). Avancemos.
Coisa bem diferente (e que o executivo municipal poderia vir a aprovar, se fosse essa a intenção do proprietário/promotor) seria a constituição de “condomínios” em cada um dos lotes constituídos através do alvará de loteamento. Porquê? Porque depois de constituídos os lotes (com a emissão do alvará de loteamento e respectivo registo), cada proprietário/promotor de cada lote apresentaria (apresentará) o pedido de licenciamento para construir aquilo que o alvará definiu para cada lote (artigo 37º do regulamento do PP-Sul).
E tratando-se do licenciamento de empreendimento turístico (artigo 38º. do RJUE), se o proprietário/promotor quiser dividir juridicamente o terreno (o lote que resultou do loteamento) em lotes (chamemos-lhes “fracções”), poderá fazê-lo, desde que apresente um pedido de loteamento.
Melhor explicando: imagine-se que o empreendimento turístico é um aldeamento composto por diferentes moradias/terrenos e o proprietário/promotor do empreendimento quer vender cada uma das moradias/terrenos individualmente; para que seja possível, terá de efectuar essa divisão através de um loteamento, para que as mesmas possam ser vendidas enquanto “fracções autónomas” (como em qualquer condomínio: cada habitação/terreno tem um proprietário e todos partilham as áreas comuns – zonas verdes, áreas de equipamentos, arruamentos,…). E neste caso, as áreas comuns podem ficar na posse privada, com acesso vedado a quem não faça parte do condomínio, uma vez que o loteamento onde se insere o empreendimento turístico já possuía as infraestruturas que, obrigatoriamente integraram o domínio municipal, “designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva”.
Claro que nada disto irá acontecer. O executivo municipal já deliberou que o próprio loteamento é um “condomínio”, um “gueto” vedado com mais de 130 hectares (mais de 180 estádios do Benfica) onde irão existir quatro “sub-guetos”. É isto.
E esta deliberação foi também sobre o PP Norte: um enorme “gueto” que vedará o acesso do povo sesimbrense, do cidadão comum, por exemplo, à margem norte da Lagoa de Albufeira. Quem quiser lá chegar, nade! Fantástico. Continuemos.
Sobre aquela que era uma “dúvida” perante a afirmação de que a Revisão do PDM reduzia em 50% a capacidade construtiva da Mata de Sesimbra e perante aqueles que foram os esclarecimentos do Presidente da Autarquia na reunião de Câmara de 12 de Outubro (que aprovou os Contratos de Urbanização e que referi (AQUI), atente-se. Transcrevo parcial e textualmente:
“Pergunta-me agora com toda a franqueza: bom então mas se amanhã alguém colocar (…) um loteamento para as fases 2 e 3 com o remanescente dos 570 mil metros de construção? Tá válido ou não? Tá. Tá. Tá. Amanhã tá. Com certeza que tá. (…) E alguém no seu perfeito juízo hoje, sabendo sobretudo o proprietário, o conjunto de promotores, (…) que é este a vontade da Câmara, que é só autorizar 50% daquilo que o próprio PDM prevê, não é o plano de pormenor, não é? Só aceitará 50%, alguém vai meter agora um loteamento para duas fases? Acha que a Câmara vai aprovar num ano uma coisa que teve três anos quase para aprovar? Que foi este? E a discutir? Não vai. Alguém vai gastar 40 milhões ou 50 milhões em obras de infraestruturas que estão previstas também no plano, no remanescente do plano de acessibilidades? Não vai. Pá. Vocês dizem assim: oh pá tá bem, há alguma coisa que vincule que agora neste hiato entre a aprovação do PDM e e e o momento actual? Não há! De todo! Com certeza. O plano, o PP está em vigor.”
Não podia ser mais claro. Parece-me que as dúvidas sobre esta questão terão ficado completamente esclarecidas.
Destaco a frase: “Acha que a Câmara vai aprovar num ano uma coisa que teve três anos quase para aprovar? Que foi este? E a discutir? Não vai.”
Será que esta frase significa que, até ao final do ano de 2023, a revisão do PDM está aprovada e em vigor? (neste momento estou a rir às gargalhadas). Ou será que esta frase significa que a Revisão do PDM ainda tem (pelo menos) mais três anos pela frente e talvez lá 2025/26 esteja aprovada e publicada?
E também destaco a frase: “Alguém vai gastar 40 milhões ou 50 milhões em obras de infraestruturas que estão previstas também no plano, no remanescente do plano de acessibilidades? Não vai.”
E eu pergunto: alguém imaginaria que, com os efeitos da guerra desencadeada pela Rússia com a invasão da Ucrânia, com o aumento dos custos de matérias e materiais (nomeadamente na construção), com a falta de mão-de-obra (nomeadamente na construção), com a subida de preços, com a inflação, com a perda de poder de compra e com os juros bancários a dispararem, alguém se proporia realizar obra no valor de 400 milhões de euros? (notícia da CMS) Ninguém!
E outra pergunta: se chegar agora alguém com “40 milhões ou 50 milhões” para gastar nas “obras de infraestruturas que estão previstas também no plano, no remanescente do plano de acessibilidades”, e apresentar os loteamentos das restantes fases, apresentando garantias bancárias, prestando caução e pagando os alvarás, a Câmara não aprova com base no PP em vigor? Com certeza que aprova. “Com certeza. O plano, o PP está em vigor.” E não há nada que vincule o que quer que seja agora “neste hiato entre a aprovação do PDM e e e o momento actual (…) Não há! De todo!”
“Pelo sonho é que vamos”, diz a CDU de Sesimbra, utilizando uma fase de Sebastião da Gama. E eu acrescento: e com muita fé!
E permitam-me terminar com a seguinte informação transmitida directamente ao deputado Paulo Caetano (que transcrevo textualmente):
“O Novo Banco propôs, propôs, quer que eu diga esta pérola? Propôs que se revogasse, depois deste loteamento, o Plano de Pormenor. E aplicasse o PDM… - (vozes imperceptiveis) - ... E aplicasse o PDM. Sabe quanto é que o PDM tem? Os 700 mil metros dispersos por todas aquelas parcelas. Pá. Atenção: foi a proposta foi essa. Pronto então e você disse “oportunidade perdida”. Foi a sua resposta. Não foi? Pronto. Não foi a minha. Já agora.”
Permitam-me agradecer publicamente aos dois intervenientes nesta troca de palavras:
- Ao Presidente da Câmara por não ter aceitado a proposta formulada pelo Novo Banco que visava a revogação do PP, depois de aprovado o loteamento. No entanto, para que não restassem quaisquer dúvidas, nem fossem formuladas nenhumas suposições ou perguntas, teria sido importante ter referido qual foi a resposta que deu perante a proposta surreal do Novo Banco.
- Ao deputado Paulo Caetano por ter dito “oportunidade perdida”. Porque revogando o PP, o loteamento aprovado caía. E porquê? Porque é o PP que permite construir 138 mil metros quadrados em cerca de 130 hectares de terreno. Ora se o PP fosse revogado, o loteamento ficaria com um índice de construção superior a 10% violando flagrantemente o PDM em vigor que define um índice de construção menor ou igual a 2% (ou seja, em 130 hectares de terreno seriam construídos apenas 2.600 metros quadrados). Nos termos do artigo 68º. do RJUE, são nulas (entre outros) as licenças que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território em vigor.
Foi de facto uma “oportunidade perdida”.
Termino com dois links para os mais curiosos:
- LINK da WWF que apresenta uma imagem do que será o “gueto”.
- LINK a uma noticia que apresenta uma imagem daquele que será o hotel do “gueto”.
Comentários
Enviar um comentário