«UMA VACA FRIA, DIFÍCIL» - MATA DE SESIMBRA
O título deste post foi retirado da frase de apresentação do ponto 2 da ordem de trabalhos da última reunião de Câmara que decorreu ontem, dia 26 de Outubro. Transcrevo textualmente:
“Ponto 2, voltamos a uma vaca fria, difícil. Difícil diga-se de passagem.”
E o que tratava o Ponto 2 (que foi deliberado e aprovado por unanimidade)? Deliberar sobre o primeiro licenciamento de loteamento requerido para a área do Plano de Pormenor da Mata Sul de Sesimbra, aprovando a constituição de 4 lotes, 138 mil metros quadrados de construção, dois aldeamentos turísticos (num total de 3520 camas em 1173 unidades de alojamento), um hotel (com 400 camas) e golf. Resumindo, deliberar aprovar a constituição de 3920 camas em cerca de 119ha (grosso modo, uma média de 32 camas por hectare que corresponderão, digo eu, a cerca de 62 habitantes por hectare). “Uma vaca fria, difícil.”
Sobre a própria da reunião de Câmara, nem sei que diga. Mas confesso que estou ansiosa por ler a próxima edição do jornal “O Sesimbrense”, nomeadamente a entrevista que fez ao Vereador Nelson Pólvora (PS) e onde, segundo o mesmo, estará bem explicada qual é a visão e posição política do PS sobre os Planos de Pormenor das Matas Sul e Norte de Sesimbra.
Finalmente, os cidadãos comuns, sesimbrenses e eleitores que elegem os vereadores e deputados municipais (nomeadamente todos aqueles que votam/votaram no PS) irão ficar a saber, ao fim de 20 anos, qual é afinal a posição do PS sobre a Mata de Sesimbra. Parece que a entrevista realizada pelo jornal “O Sesimbrense” ao Vereador Nelson Pólvora irá esclarecer tudo, tim-tim por tim-tim.
Importa relembrar que, sendo "uma vaca fria, difícil", quando foi aprovada em Assembleia Municipal (em 2008), os deputados municipais eleitos pelo PS, abandonaram os trabalhos. Explicando melhor: saíram da sala onde decorria a sessão da Assembleia Municipal, não participando nem no debate nem na deliberação tomada. Dizendo de outra maneira: os deputados municipais eleitos pelo PS foram-se embora, saíram porta fora, recusando participar naquela reunião e deliberação que aprovou o Plano de Pormenor da Mata Sul de Sesimbra.
Segundo informação do próprio Vereador Nelson Pólvora, o jornal “O Sesimbrense” estará nas bancas amanhã e terá desde já o mérito de ter conseguido, ao fim de 20 anos, uma explicação sobre aquela que é a visão e a posição política do PS sobre os Planos da Mata, nomeadamente o Plano da Mata Sul e que surge apresentado como sendo "uma vaca fria, difícil".
Importa neste ponto referir que, não tenho nada, absolutamente nada contra a filosofia e a solução encontrada no âmbito dos Planos de Pormenor da Mata de Sesimbra. Há 20 anos, fui das vozes concordantes relativamente ao modelo urbanístico preconizado. E explico porquê:
- O PDM tinha acabado de ser publicado em 1998 estabelecendo os índices de construção aplicáveis à Mata de Sesimbra, sendo que, o conjunto de entidades envolvidas na análise e aprovação do PDM (composta por técnicos habilitados e competentes nas mais diferentes áreas) subscreveu esses mesmos índices urbanísticos, definindo um conjunto de regras que ficaram estabelecidas na Secção 9 do regulamento do PDM;
- Entre as várias regras estabelecidas, consta a obrigatoriedade de elaborar um estudo conjunto abrangendo a totalidade da propriedade (mais de 6 mil e 700 hectares de terreno; ou sejam, mais de 67 milhões de metros quadrados de terreno) o que parecia uma tarefa impossível;
- Com o PDM em vigor, e depois do “Acordo do Meco”, começam a ser elaborados os Planos de Pormenor para a Mata de Sesimbra. Ou seja, o estudo conjunto para a totalidade da propriedade subiu de nível, dividindo a Mata em duas partes (Sul e Norte) e elaborando dois Planos de Pormenor de acordo com as regras e parâmetros urbanísticos definidos pelo PDM;
- Grosso modo, em cinco anos, o Plano de Pormenor da Mata Sul foi elaborado e aprovado de acordo com o estabelecido no PDM de Sesimbra, definindo um modelo de ocupação que, concentrando a possibilidade construtiva, libertava a Mata. Ou seja, ao invés de surgirem empreendimentos turísticos espalhados um pouco por toda a Mata de Sesimbra, obrigando à consolidação de uma rede de infraestruturas labiríntica que abastecesse (com água, electricidade, telecomunicações, arruamentos, redes de esgotos,…) cada ilha que viesse a surgir dentro de 6 mil e 700 hectares de terreno, o Plano definiu três zonas onde estariam concentradas as áreas de construção, libertando e estabelecendo um Plano de Gestão Ambiental para toda a zona de Mata que permaneceria intacta. Ou seja, cerca de mil hectares da Mata Sul seriam ocupados com construção (10 aldeamentos turísticos, 1 parque de campismo, 4 hotéis, 3 golfs e equipamentos vários), libertando de qualquer tipo de ocupação mais de 2 mil e 700 hectares de Mata.
(Apenas um parêntesis: Naquela altura defendi que o mesmo princípio e modelo de ocupação deveria ser aplicado aos espaços agrícolas/florestais da zona do Meco, Azoia, Alfarim, Zambujal e Santana que, podendo ser ocupados com empreendimentos turísticos, os mesmos iriam surgir um pouco por todo o lado, como ilhas, criando crateras de construção em zonas que deveriam ser agrícolas/florestais – o que se tem vindo a verificar com o conjunto de viabilidades aprovadas e que obrigam à execução de uma rede de infraestruturas labiríntica que chegue a todas as pretensões, abrindo valas e estradas em áreas que deveriam permanecer intactas e protegidas).
- A 15 de Fevereiro de 2008, a Assembleia Municipal aprovou por maioria, o Plano de Pormenor da Mata Sul (sem a presença de qualquer um dos 9 deputados municipais eleitos pelo PS). Um ano e 27 dias depois do executivo municipal ter aprovado por unanimidade, iniciar a Revisão do PDM de Sesimbra;
- E entre o dia 15 de Fevereiro de 2008 e o dia 12 de Outubro de 2022, os aldeamentos turísticos previstos no PDM e no PP Sul da Mata de Sesimbra estiveram adormecidos. Durante 14 anos, nada aconteceu. Isto é, nada aconteceu em termos deliberativos (em reunião de Câmara) que consolidassem e autorizassem a construção do que quer que fosse na Mata de Sesimbra;
- O que houve, logo em 2009, foi a emissão de uma DIA para o loteamento agora aprovado em reunião de Câmara, que foi sucessivamente prorrogada, conduzindo à emissão de uma RECAPE (igualmente prorrogada) cuja validade termina no próximo dia 23 de Novembro de 2022;
- No dia 12 de Outubro de 2022, o executivo municipal aprovou por unanimidade as minutas dos contratos de urbanização dos dois Planos da Mata;
- E no dia seguinte (13 de Outubro de 2022), na sessão da Assembleia Municipal apenas 2 dos 24 deputados municipais eleitos abordaram o assunto (conforme referi AQUI);
- Ontem, dia 26 de Outubro de 2022, o executivo municipal aprovou por unanimidade aquele que é o primeiro loteamento inserido no Plano de Pormenor da Mata Sul (com a promessa de que, na próxima reunião de Câmara, um dos pontos será a aprovação das obras de urbanização, tendo em vista a emissão do respectivo alvará.
Tudo isto seria perfeitamente normal e natural se, e no caso da Mata Sul, não tivessem passado 14 anos. “Como se o mundo em 2022 fosse igual ao mundo em 2008” (frase do deputado municipal Carlos Macedo (BE) na Assembleia Municipal de dia 13 de Outubro).
No meu anterior post utilizei como titulo uma frase proferida pelo deputado municipal Paulo Caetano (PS) na Assembleia Municipal de dia 13 de Outubro, afirmando que concordava em absoluto com a mesma: «Um dia negro para a sustentabilidade deste Concelho». O que poderá parecer contraditório e descabido face ao que acima afirmei:
Não tenho nada, absolutamente nada contra a filosofia e a solução encontrada no âmbito dos Planos de Pormenor da Mata de Sesimbra. Mas sou completamente contra o facto de, passados 14 anos sobre a publicação do Plano de Pormenor da Mata Sul, seja aprovada uma minuta de contrato de urbanização que visa a consolidação de direitos construtivos que foram definidos há mais de 40 anos e que, ao que parece, são considerados excessivos por todas as forças políticas (inclusive pela CDU).
Sou completamente contra o facto de um loteamento na Mata Sul (passados 14 anos), seja aprovado por unanimidade, com base em parâmetros urbanos (legais e em vigor) com os quais já ninguém concordará (inclusive o próprio promotor) e que serão reduzidos em 50% de acordo com a proposta de Revisão do PDM.
Sou completamente contra o facto de, passados 14 anos, que se sobrepõem aos 15 anos que dura a Revisão do PDM, os Planos de Pormenor da Mata não tenham sido revistos, suspensos ou alterados. Sou completamente contra o facto de, estando entregue a proposta de Revisão do PDM na CCDR e nas restantes entidades que integram a Comissão Consultiva, o executivo municipal não tenha proposto à Assembleia Municipal o estabelecimento de medidas preventivas que salvaguardassem a não execução e consolidação efectiva dos mais de 63 hectares de construção, estabelecidos, no caso, pelo Plano de Pormenor da Mata Sul quando, é afirmado (pelo executivo CDU) que se considera excessiva esta carga de construção e que a mesma será reduzida em 50% (por proposta do executivo CDU em fase de Revisão do PDM).
Concordo em absoluto com a frase: «um dia negro para a sustentabilidade deste Concelho» porquanto o deputado municipal Paulo Caetano (PS) teve acesso às minutas dos contratos e, depois de as ter analisado, concluiu o que concluiu.
E neste ponto permitam-me uma questão: serão os contratos de urbanização documentos maravilhosos quer para o Município quer para o promotor ou, serão os contratos de urbanização documentos completamente desarticulados com aquela que é a proposta da Revisão do PDM e a vontade da própria CDU (em reduzir 50% da capacidade construtiva) e, longe daqueles que são os valores e princípios de sustentabilidade e desenvolvimento preconizados em todo o planeta e por isso, nas palavras do deputado municipal Paulo Caetano, se traduzam apenas em “mais um dia negro para a sustentabilidade ambiental deste município”?
Não sabemos. Talvez a entrevista do Vereador Nelson Pólvora venha ajudar ao esclarecimento desta dúvida. Mas há mais:
- Porque é que a redução da possibilidade construtiva (prevista na Revisão do PDM) é de 50%?
- Quais foram os estudos realizados que sustentaram esta percentagem (que não apenas a vontade da CDU)?
- Não será pouco? Porque é que a redução não é de 70%?
- Não será muito? Porque é que a redução não é de 20%?
- O que impede a apresentação de um outro loteamento por exemplo, para o Vale da Fonte (com mais de 1500 camas) e que também teve uma DIA aprovada e prorrogada, cumprindo os parâmetros definidos pelo Plano de Pormenor em vigor?
- O que impede a apresentação de um outro loteamento por exemplo, na zona nascente da Estrada da Mata (com mais de 10 mil camas), cumprindo os parâmetros definidos pelo Plano de Pormenor em vigor?
- O que obriga, um outro qualquer loteamento que venha a ser apresentado nos próximos 10 anos a reduzir a possibilidade construtiva em 50%?
Não sabemos. Talvez a entrevista do Vereador Nelson Pólvora venha ajudar ao esclarecimento destas dúvidas. Mas há mais:
- Quais serão as responsabilidades e obrigações atribuídas à Câmara Municipal e que estarão em vigor durante os próximos 10 anos?
- E que consequências terão essas responsabilidades e obrigações, por exemplo, já no orçamento municipal para 2023?
É que se os contratos de urbanização estabelecem desde já a execução de todas as variantes do Concelho de Sesimbra (excepto a variante do Porto de Abrigo) de acordo com o Plano de Acessibilidades aprovado (2013), convém talvez lembrar que, a execução dessas variantes pressupõe a realização de um conjunto de outras obras na rede viária existente e perfeitamente identificadas no Plano de Acessibilidades. Deixo aqui um LINK ao Plano de Acessibilidades (2013) destacando:
- a página 71, que define as intervenções consideradas prioritárias a executar na rede viária existente;
- a página 73, que define a necessidade de prever um sistema de transporte colectivo adicional;
- a página 78 (e seguintes), que define a necessidade de construção de vários parques de estacionamento.
Porque se a realização (em paralelo com as variantes que serão executadas pelos promotores dos planos da Mata) deste conjunto de obras, não acontecer, o caos actual será gigantesco e catastrófico.
Atente-se naquela que foi uma das Condicionantes definidas na Decisão favorável condicionada relativamente à DIA do loteamento que o executivo municipal aprovou ontem (que foi prorrogada, seguindo-se a RECAPE igualmente prorrogada até ao dia 23 de Novembro deste ano). Transcrevo:
“O empreendimento só poderá entrar em funcionamento quando estiver implementado o Plano de Acessibilidades ao concelho e Sesimbra, nomeadamente a rede de acessos externos ao ETMSS, o sistema de transportes colectivos e o sistema de estacionamento, antes da entrada em funcionamento da primeira fase do empreendimento.”
E porquê? Porque perante as estimativas de crescimentos da população residente e, do número de camas em alojamentos turísticos no Concelho (avançadas pela Revisão do PDM) que apontavam para um total superior a 128 mil habitantes (em 2038) distribuídos por mais de 52 mil camas das quais, mais de 36 mil seriam em alojamentos turísticos (o que perfazia um total de mais de 93 mil habitantes permanentes e, mais de 35 mil habitantes sazonais) o Plano de Acessibilidades do Concelho de Sesimbra (2013) aponta para um acréscimo de mais de 60 mil veículos diários no Concelho de Sesimbra, o que representa e cito “praticamente duplicar as solicitações observadas no ano base (2012)”. Ou seja, entre 2012 e 2038, o acréscimo de carros a entrar, a circular e a sair do concelho de Sesimbra, praticamente irá duplicar. E mais: o aumento do volume de tráfego significará acréscimos de 7 mil veículos por hora a circular na rede viária do Concelho de Sesimbra.
Diz o Plano de Acessibilidades (2013) que a EN 377 irá triplicar o número de veículos diários (a par com a EN 378) sendo que nos núcleos urbanos de Santana e Cotovia (caóticos) antevêem-se e cito “incompatibilidades com as funções de distribuição urbanas que estas vias tomam”. Ou seja, “a generalidade da rede estruturante concelhia encontrar-se-á no limite de saturação”.
Diz também o Plano de Acessibilidades (2013) que, relativamente à anulação da “duplicação da Nacional 378” se recomenda a prudência e que (e cito) “esta duplicação não seja inviabilizada (…) e que o corredor em causa se mantenha salvaguardado.” E nesse sentido e apesar de não se perspectivar a “duplicação da Nacional 378”, as soluções viárias dos novos nós previstos para esta via mantêm-se desnivelados. E não menos importante: apesar de não se revelar “estritamente necessário” a “duplicação da Nacional 378”, deve ser concretizada e cito “a via de lentos a sul do Nó do Marco do Grilo” ou seja, entre a rotunda do Marco do Grilo e a Carrasqueira (páginas 89 a 91).
Confesso que começo a ficar ansiosa relativamente àquele que será o orçamento municipal para 2023. E que impacto terão obras desta envergadura na estrutura camarária, nomeadamente e para já, ao nível dos recursos humanos necessários para acompanhar e fiscalizar todos os trabalhos que serão realizados e que virão a ser geridos, mantidos, reparados pela Autarquia. E quais serão as grandes opções do plano relativamente aos investimentos fundamentais e consequentes da aprovação do primeiro loteamento da Mata Sul de Sesimbra e que impõem a realização de um conjunto de obras na rede viária existente.
Atente-se por fim numa das condicionantes da deliberação tomada pelo executivo municipal relativamente ao loteamento, nomeadamente a obtenção, por parte do promotor, de (e cito):
“Parecer favorável da IP (Infraestruturas de Portugal) quanto ao Nó de Acesso ao empreendimento até à emissão da Licença”. Ou seja, a mesma condicionante que está estabelecida pelo menos há 13 anos, aquando da emissão de decisão condicionada favorável sobre a DIA. E sem esse parecer favorável, não há alvará de loteamento para ninguém, nem variantes, nem aldeamentos turísticos, nem hotel, nem golf.
Querem ver que vão ser as Infraestruturas de Portugal a fazer com que a RECAPE caía, apesar da rapidez e urgência nos timings de aprovação (por parte do executivo municipal) das minutas dos contratos de urbanização, do licenciamento do loteamento e (na próxima reunião de Câmara), das obras de urbanização e consequentemente das condições que visam a emissão do alvará antes do dia 23 de Novembro deste ano? Era lindo.
A concretização ou não, das variantes previstas no Plano de Acessibilidades (2013) e do conjunto de empreendimentos turísticos que resultam da aprovação do primeiro loteamento na Mata de Sesimbra, está nas mãos das Infraestruturas de Portugal há pelo menos, 13 anos. Fantástico.
Trata-se de facto de «uma vaca fria, difícil». Até para as Infraestruturas de Portugal.
Aguardemos por amanhã.
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