«Um dia negro para a sustentabilidade deste Concelho» - MATA DE SESIMBRA
A frase não é minha. Mas tomei a liberdade de a utilizar como título deste post porque concordo em absoluto, com a mesma. Esta frase foi proferida por um deputado da bancada do PS (Paulo Caetano) na segunda reunião da sessão da Assembleia Municipal de Sesimbra (que se realizou no passado dia 13 de Outubro) quando, na véspera, dia 12 de Outubro, o executivo municipal tinha deliberado unanimemente, aprovar as minutas dos contratos de urbanização dos Planos da Mata de Sesimbra (Norte e Sul).
Permitam-me um pequeno enquadramento:
- Os parâmetros urbanos aplicáveis à Mata de Sesimbra foram definidos na década de 80 do século passado (ou seja, há mais de 40 anos; há mais de 40 anos!) pelo executivo PCP que liderou a Autarquia até ao final de 1997.
- Em 1996 (Novembro), a Assembleia Municipal de Sesimbra (com 10 deputados eleitos pelo PCP-PEV, 10 deputados eleitos pelo PS e, 4 deputados eleitos pelo PSD que desempatavam; estranha sina e tradição) aprovou o Plano Director Municipal consolidando a possibilidade construtiva definida, não apenas para a Mata de Sesimbra mas também, por exemplo, para os espaços agrícolas e florestais (empreendimentos turísticos).
- Em 1997 (a 30 de Dezembro e 16 dias depois das eleições autárquicas de 1997 que deram a vitória, em Sesimbra, ao PS), o Conselho de Ministros ratificava parcialmente (e a importância que tem este “parcialmente”) o Plano Director Municipal de Sesimbra. Nessa ratificação ficaram consolidados os parâmetros urbanos aplicáveis à Mata de Sesimbra (e a todos os outros espaços do Concelho).
- A 2 de Fevereiro de 1998 foi publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros número 15/98 relativa ao Plano Director Municipal de Sesimbra e desde essa data, o PDM de Sesimbra é lei.
- Com o imbróglio dos direitos construtivos do Meco; o alvará de 1999; a compra (por parte do ICN) de uma parcela de terreno no Meco que inviabilizaria a operação urbanística; com a recusa do então Ministro do Ambiente (José Sócrates) em transferir os direitos construtivos do Meco para a Mata de Sesimbra (2002); com a aceitação por parte do novo Ministro do Ambiente (Isaltino Morais - 2003), da troca dos direitos de construção do Meco para a Mata de Sesimbra (que culminou com a assinatura do “Acordo do Meco”) os planos de pormenor para a Mata de Sesimbra ganharam forma.
- Entre 2003 e até 2012, muita foi a discussão pública e politica sobre esta matéria. Vozes contra, vozes a favor, vozes sem partido, várias apresentações públicas aos sesimbrenses e altamente participadas, produção de revistas e publicações municipais sobre os dois planos,...
- A 19 de Janeiro de 2007, o executivo municipal aprovou por unanimidade, iniciar a Revisão do PDM de Sesimbra (que continua a decorrer passados que estão mais de 15 anos!)
- A 15 de Fevereiro de 2008, a Assembleia Municipal aprovou por maioria, o Plano de Pormenor da Mata Sul. Importa referir que os 9 deputados eleitos pelo PS abandonaram os trabalhos. Os restantes 15 deputados municipais eleitos discutiram e votaram o Plano de Pormenor da Mata Sul (9 eleitos pelo PCP-PEV, 4 eleitos pelo PSD-CDS e 2 eleitos pelo BE).
- Em 2009, o estado português declara a Mata de Sesimbra (sul) como Projecto de Interesse Nacional (constituição de mais de 17 mil camas).
- A 3 de Fevereiro de 2012, a Assembleia Municipal aprovou por maioria o Plano de Pormenor da Mata Norte. Dos 24 deputados municipais eleitos, 16 votaram favoravelmente (CDU, PSD e CDS); o PS absteve-se e o BE votou contra.
- A 24 de Março de 2022, realizou-se a primeira reunião da Comissão Consultiva sobre a proposta final de Revisão do PDM de Sesimbra (em elaboração desde 2007 com a visão de futuro exclusivamente do PCP; aliás, nenhum dos eleitos que não os do PCP sabe sequer o que está previsto no novo regulamento e nas novas plantas de ordenamento do território constantes na proposta de Revisão do PDM).
- Passados 14 anos, 8 meses e 3 dias sobre a aprovação do Plano de Pormenor da Mata Sul e, passados 10 anos, 8 meses e 8 dias sobre a aprovação do Plano de Pormenor da Mata Norte, o executivo municipal, composto por três elementos eleitos pelo PCP, três elementos eleitos pelo PS e um elemento eleito pelo Chega (e agora independente) deliberaram por unanimidade, a 12 de Outubro de 2022, aprovar as minutas dos contratos de urbanização dos dois Planos da Mata.
- E depois desta aprovação limpinha e sem caroço, a Assembleia Municipal reúne no dia seguinte (13 de Outubro de 2022), como se nada tivesse acontecido, sendo que apenas 2 dos 24 deputados municipais eleitos abordaram o assunto.
Permitam-me transcrever textualmente algumas das dúvidas levantadas pelos eleitos do PCP (na reunião de Câmara de dia 12 de Outubro que aprovou as minutas dos contratos de urbanização), face à posição que o PS deveria assumir politicamente sobre esta matéria:
“Isto é um processo que tem mais de 10 anos, para além de toda a apresentação pública que foi feita, foi deliberada em reunião de Câmara, quer o plano de pormenor de um, quer o plano de pormenor de outro, e com os votos favoráveis dos vereadores do PS na altura. Portanto o PS, não com os três vereadores que estão hoje aqui presentes, mas penso que vão honrar aquilo que foi o entendimento”.
Atente-se na frase de resposta do vereador Miguel Fernandes (PS):
“Nem sequer estamos a falar da visão política até porque as Matas, estes documentos, dizem respeito a planos de pormenor, portanto instrumentos de gestão territorial que estão publicados para toda a gente ver e que há, há aí teóricos e académicos e não tão académicos até com artigos de opinião publicados sobre ele.”
Ou seja: para o vereador Miguel Fernandes não está em causa a posição e "visão politica" que o PS detém sobre os planos de pormenor da Mata de Sesimbra. Até porque, como todos sabemos, o PS nunca aprovou nenhum dos planos. E onde é que se aprovam planos? Na Assembleia Municipal. E na Assembleia Municipal o PS, para além de não discutir sequer a proposta do Plano de Pormenor da Mata Sul (aprovado por maioria) absteve-se na aprovação do Plano de Pormenor da Mata Norte (igualmente aprovado por maioria). Quer isto dizer que a Câmara, o executivo municipal não aprova planos. O que a Câmara, o executivo municipal aprova, são propostas de planos que devem ser remetidas à Assembleia Municipal para análise e deliberação.
Acresce que, curiosamente, e consultando os dados públicos, o Plano de Pormenor da Mata Norte, quando foi presente a reunião de Câmara (para que fosse apenas deliberado remeter à Assembleia Municipal), foi aprovado por maioria, apenas por 3 dos elementos do executivo camarário CDU (em 2012). O único elemento do PS, absteve-se.
E aparentemente, o que resulta igualmente das palavras do vereador Miguel Fernandes é que estando os planos aprovados e publicados, será descabido um debate, ou uma troca de opiniões sobre o teor dos mesmos e que expresse de alguma maneira a "visão política" do PS sobre o assunto. Até porque sobre os planos publicados "há aí teóricos e académicos e não tão académicos até com artigos de opinião publicados", provavelmente a satisfazer todas as opiniões favoráveis, desfavoráveis, neutras e contraditórias.
A mim, resta-me apenas uma dúvida, o que será perfeitamente normal dado que sou uma cidadã comum que não percebe nada de nada de política nem de visões politicas nem de posições politicas. A saber: honrando “aquilo que foi o entendimento” do PS sobre os Planos da Mata, não deveriam os “três vereadores que estão hoje aqui presentes”, abster-se na votação?
Até porque, sobre as minutas dos contratos de urbanização aprovadas por unanimidade, não irá existir qualquer discussão e deliberação em Assembleia Municipal (e onde o PS, honrando “aquilo que foi o entendimento”, se absteria). Parece-me a mim que este honrar daquilo “que foi o entendimento” do PS ao longo dos últimos 10/14 anos, foi altamente honrado e fugiu até do que se estaria à espera (facto que foi constatado, com alguma surpresa, no final da votação, pela Vice-Presidente e pelo Presidente).
E o que sustentou esta primeira deliberação unânime sobre documentos relativos aos Planos da Mata? O timing. Transcrevo novamente as palavras do vereador Miguel Fernandes:
“Ontem, o Partido Socialista abordou o Senhor Presidente e a CDU no sentido de tentar esclarecer algumas dúvidas e eventualmente até poder adiar a discussão deste ponto, pelos timings nós compreendemos também a exigência e também percebemos, não queremos de alguma forma ser obstáculo à discussão, ao desenvolvimento deste projecto porque queremos aqui de alguma forma atrasar timings.”
E para não “atrasar timings” (dado que ainda existiam algumas dúvidas, uma vez que os documentos só chegaram às mãos dos eleitos do PS, 48 horas antes da reunião de Câmara, o que não permitiu analisar em rigor e com profundidade as minutas dos contratos de urbanização), as desculpas para o facto das perguntas poderem até ser descabidas. E foi pena as perguntas terem sido tão vagas e tão pouco objectivas. Mas tiveram o mérito pelo menos de trazer ao debate, por exemplo, as expropriações que estarão previstas no articulado dos contratos de urbanização e que serão assumidas pela Câmara Municipal (e foi pena este assunto em concreto não ter sido mais aprofundado no sentido de esclarecer qual a área a expropriar, em que timings e a que custos, sendo que os mesmos serão assumidos integralmente pelos cofres camarários).
A verdade é que os três eleitos pelo PS tiveram menos de 48 horas para analisar os contratos. O que, como é óbvio, é pouquíssimo tempo para analisar matérias polémicas, que nunca geraram unanimidade entre os eleitos, que dividem a opinião pública, que estiveram adormecidos durante 10 e 14 anos e que de repente, surgem com urgência devido aos timings. E terá sido por isso que as perguntas não foram mais pertinentes e elaboradas. Até porque, o próprio Presidente admitiu, pasme-se (e transcrevo textualmente): “eu também só os conheci (aos contratos) a parte final segunda, na sexta-feira anterior.”
Na minha opinião, porque é apenas disso que se trata, os vereadores eleitos pelo PS deveriam ter adoptado uma de duas opções:
- solicitavam a retirada dos pontos relativos às minutas dos contratos de urbanização (como o fizeram na reunião antecedente relativa à constituição de mais 180 camas no Meco, conforme referi AQUI) para que as mesmas fossem analisadas pelo PS, (nomeadamente por todos aqueles que acompanharam e assistiram ao desenrolar destes processos durante os últimos 20 anos) que consolidasse uma decisão unânime e sólida por parte do PS, perante esta nova deliberação que visava consolidar a execução dos empreendimentos turísticos e respectivas infraestruturas dos dois planos da Mata de Sesimbra; não seriam mais 15 dias que iriam pôr em causa os timings dos processos;
- se os pontos não fossem retirados, faziam declaração de voto e, no mínimo, abstinham-se na votação.
Mas claro, esta é apenas e só, a minha opinião. Avancemos.
E quais são afinal os timings que não podiam ser atrasados, depois de um atraso de 10 e 14 anos? São pelo menos dois os timings que não podiam ser atrasados. O primeiro e provavelmente, o mais importante:
- A validade da RECAPE do projecto relativo às infraestruturas gerais do empreendimento turístico da Mata de Sesimbra Sul, termina no próximo dia 23 de Novembro de 2022. Ou seja, daqui a pouco mais de um mês. E, digo eu, será muito difícil que o mesmo venha a ser prorrogado, depois de ter sido apresentada à Comissão Consultiva e à CCDR-LVT a proposta de Revisão do PDM de Sesimbra;
O segundo timing deriva do primeiro:
- Os parâmetros urbanísticos da Mata de Sesimbra terão de ficar consolidados para que, se, por um acaso, a Revisão do PDM de Sesimbra vier a ser aprovada e publicada durante o próximo ano (e neste momento estou a rir às gargalhadas), os mesmos não sejam reduzidos em 50% (informação avançada pelo Presidente da Câmara). Ou seja, o timing é relativo ao assegurar direitos construtivos que se sobrepõem às novas normas que vierem a resultar da Revisão do PDM.
E perante estes timings, os três eleitos do PS, honrando e extravasando “aquilo que foi o entendimento” do PS sobre os Planos da Mata, votou favoravelmente (depois de ver esclarecidas as suas perguntas), as minutas dos contratos de urbanização dos Planos de Pormenor das zonas sul e norte da Mata de Sesimbra, dado que “nem sequer estamos a falar da visão política” que o PS terá sobre estes projectos.
E da apresentação efectuada pelo Presidente da Câmara resulta que os contratos de urbanização são magníficos para as duas partes que irão assinar os contratos: o Concelho de Sesimbra ganha as variantes ambicionadas (excepto a variante ao Porto de Abrigo) previstas no Plano de Acessibilidades e, o promotor executa mais de 12 milhões de obras em infraestruturas gerais no espaço de 10 anos (para além dos milhões que irá gastar na construção dos próprios empreendimentos turísticos).
Até parece que não há para aí uma crise económica, uma inflação, uma ameaça de recessão, os juros a subir, os preços dos materiais de construção a disparar, a falta de mão-de-obra,…
Importará agora abordar a segunda reunião da sessão da Assembleia Municipal que se realizou no dia 13 de Outubro. O segundo dia que foi igualmente “negro para a sustentabilidade deste Concelho”.
Menos de 24 horas depois, o órgão municipal, que tem como competência analisar e discutir a actividade municipal, reunia para discutir essa mesma actividade municipal mas relativamente apenas aos meses de Junho, Julho e Agosto. E pasme-se: 22 dos 24 deputados municipais eleitos, conseguiram ignorar o óbvio: o executivo municipal tinha aprovado na véspera, por unanimidade, a minuta de dois contatos de urbanização que, sendo executados, mudarão para sempre a imagem de Sesimbra a todos os níveis, pela dimensão e grandeza das operações urbanísticas que contratualiza.
Os únicos dois deputados (pelo BE, Carlos Macedo; pelo PS, Paulo Caetano) que se manifestaram sobre a deliberação de Câmara tomada no dia anterior ficaram completamente isolados, como se o tema fosse despropositado: desde quando é que os contratos de urbanização são sequer tema para levantar algum tipo de dúvida ou questão por parte dos deputados municipais, no dia imediatamente a seguir em que foram aprovados por unanimidade pelo executivo municipal?
Os 22 deputados municipais que ignoraram o óbvio, provavelmente abordarão este assunto, quando o mesmo vier a ser analisado lá para Janeiro de 2023, na sessão da Assembleia Municipal que vier a discutir a actividade municipal relativa aos meses de Setembro, Outubro e Novembro. E nessa altura, as perguntas e análises ainda serão mais vazias do que aquelas que foram as perguntas dos eleitos do PS aos eleitos da CDU em reunião de Câmara. Porquê? Porque os contratos de urbanização, nessa data, já estarão mais do que assinados e em vigor, vinculando os promotores e a Câmara Municipal sobre o que quer que seja que os mesmos estabeleceram contratualmente entre as duas partes.
Mais: no caso da Mata Sul, as obras de infraestruturas gerais já estarão até iniciadas, porque a validade da RECAPE é até dia 23 de Novembro deste ano. Explicando melhor: em Janeiro de 2023, as obras de infraestruturas gerais da Mata Sul já estarão a decorrer, pelo menos há dois meses. Dito de outra forma: em Janeiro de 2023, a Estrada da Mata desde a Carrasqueira e numa extensão com cerca de 2km, estará esburacada e, sensivelmente a meio, estará a ser construído um nó desnivelado; e a poente será bem visível a abertura de novas vias (com a consequente desmatação) tendo em vista a concretização de dois aldeamentos turísticos e um estabelecimento hoteleiro (com mais de 3 mil camas) e, Golf. E claro, a tão desejada Estrada dos Almocreves estará também de pantanas.
É óbvio que, em Janeiro de 2023, os 22 deputados municipais que ignoraram o óbvio, estarão desejosos de fazer perguntas sobre esta obra que nos vai atingir a todos. E até estarão preocupados com os timings, face àquela que é a realidade do país e do mundo. Importa relembrar que foram os timings que suportaram a deliberação de Câmara. E o que descansará toda a gente, inclusive os deputados municipais é que, pela primeira vez, foi tomada uma deliberação sobre os Planos da Mata, por unanimidade. Pela primeira vez. Por isso, não há nada a temer quanto aos timings, nomeadamente num conjunto de obras desta envergadura que serão realizadas em plena crise económica.
Avancemos. Transcrevo textualmente parte daquela que foi a intervenção do deputado Paulo Caetano (PS):
“Depois de 15 de Fevereiro de 2008 e de 18 de Janeiro de 2012 teremos passado ontem mais um dia negro para a sustentabilidade deste Concelho, com a aprovação por unanimidade (…) continuamos a viver os padrões, os raciocínios, a forma de encararmos o planeta, o ambiente (…) na verdade pareceu-me que estava a ver um filme do século XX. Nós já estamos no vigésimo segundo ano do século XXI, os paradigmas e a forma como olhamos para o nosso planeta e para o seu estado ambiental e para a sustentabilidade ambiental deste planeta não tem absolutamente nada a ver com aquilo que foi ontem aprovado, diria eu, sem grande detalhe, e não conheço em detalhe tudo o que foi aprovado, mas verdadeiramente permite-me classificar o dia de ontem em como mais um dia negro para a sustentabilidade ambiental deste município, infelizmente, digo eu, nota pessoal volto a dizer, por unanimidade por este executivo.”
Iniciei este post com uma frase que retirei desta declaração do deputado Paulo Caetano. E afirmei que concordava em absoluto com a mesma. Por dois motivos: o primeiro, pelo facto do deputado Paulo Caetano ter tido acesso às minutas dos contratos e, depois de as ter analisado ter concluído o que concluiu. O segundo, pelo facto do deputado Paulo Caetano ter terminado a sua intervenção manifestando o seu descontentamento perante o facto dos três eleitos pelo PS (na Câmara Municipal) terem votado favoravelmente as minutas dos contratos. Relembro que o vereador Miguel Fernandes referiu (na reunião de Câmara) que “nem sequer estamos a falar da visão política”; o que pressupunha uma qualquer unanimidade, em primeiro lugar, no seio do seu próprio partido que sempre se absteve sobre esta matéria em concreto (digo eu, que não percebo nada de nada de partidos nem de visões politicas nem de unanimidades).
Transcrevo agora textualmente, parte daquela que foi a intervenção do deputado Carlos Macedo (BE):
“Pareceu-me e assistindo e ouvindo a reunião, inaceitável a pressão que foi exercida sobre os vereadores, nomeadamente do PS, com a pressão no sentido dos amarrar a decisões passadas como se o mundo em 2022 fosse igual ao mundo em 2008, 2010, e como se a liberdade de escolha dos agora eleitos esteja comprometida com decisões passadas. A não ser que isso faça parte do acordo de vereação que não conhecemos (…) a forma como já vamos no terceiro promotor; o primeiro foi uma entidade chamada Pelicano, cujo um dos cartões-de-visita foi um empreendimento turístico em Palmela e que teve bastantes problemas ao nível da construção, digamos assim para não dizer pior; depois passou para uma chamada Greenwoods da qual não se conhece nenhuma obra e agora é uma Magna Woodlands, SA, que foi uma empresa criada em 2 de Dezembro de 2020, sem nenhuma obra que lhe seja reconhecida, com um capital social de 50 mil euros mas que se, de acordo com o contrato, se irá prestar garantias bancárias no valor de até 12 milhões de euros para a construção das infraestruturas… e não consigo perceber a urgência quando tudo, isto é um daqueles casos em que tudo nasce, começou torto, continua torto e depois é tudo decidido à pressa e não me parece que faça sentido nenhum.”
Concordo em absoluto com toda a declaração do deputado Carlos Macedo. “A não ser que isso faça parte do acordo de vereação que não conhecemos”, ninguém percebeu os votos favoráveis dos três eleitos pelo PS (e para quem ainda não viu as imagens da reunião de Câmara, ouçam as trocas de palavras entre a Vice-Presidente e o Presidente no final desta votação). Depois, o deputado Carlos Macedo aborda uma questão que parece muitíssimo grave: como é que “uma empresa criada em 2 de Dezembro de 2020, sem nenhuma obra que lhe seja reconhecida, com um capital social de 50 mil euros (…) irá prestar garantias bancárias no valor de até 12 milhões de euros para a construção das infraestruturas”?
“É tudo decidido à pressa e não me parece que faça sentido nenhum”. Ao deputado Carlos Macedo terá escapado a justificação dos três eleitos pelo PS de que a pressa é por causa dos timings. Transcrevo novamente textualmente a justificação: “não queremos de alguma forma ser obstáculo à discussão, ao desenvolvimento deste projecto porque queremos aqui de alguma forma atrasar timings.” Timings esses que estão atrasados há 14 anos e que caducam a 23 de Novembro deste ano. É essa a pressa que, pelos vistos, faz sentido a todos os eleitos que compõem o executivo municipal.
Transcrevo parcial e textualmente a reacção por parte do Presidente da Câmara, perante estas duas intervenções:
“Percebo que as expectativas de alguns pudessem ser que isto se protelasse no tempo até nunca ter consequência não é (…) e portanto aquilo que se fez foi concretizar aquilo que há muito estava a ser tramitado (…) não podemos voltar a discutir aquilo que foi discutido e aprovado nesta casa há 10 anos atrás. Não podemos. Isto é uma consequência daquilo que foi discutido, reprovado e muito por alguns, discutido e muito por alguns e portanto o período de discussão daquilo que se pretendia para aqueles territórios já aconteceu há muito tempo (…)”.
Nem sei que diga.
Talvez começar por transcrever o artigo 71º do Regulamento do Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra (PPZSMS):
- “O PPZSMS deverá ser revisto no prazo de 10 anos a contar da sua entrada em vigor”.
O PPZSMS foi publicado a 7 de Abril de 2008, entrando em vigor um dia depois, a 8 de Abril de 2008. Significa portanto que o PPZSMS deveria ter sido revisto ao fim de 10 anos de vigência. Ou seja, a partir do dia 8 de Abril de 2018 (estaria neste momento a decorrer ou até, já poderia estar revisto e publicado).
E transcrever também o artigo 85º do Regulamento do Plano de Pormenor da Zona Norte da Mata de Sesimbra (PPZNMS):
- “O PPZNMS deve ser revisto no prazo de 10 anos a contar da sua entrada em vigor”.
O PPZNMS foi publicado a 30 de Abril de 2012, entrando em vigor um dia depois, a 1 de Maio de 2012. Significa portanto que o PPZNMS deveria ter sido revisto ao fim de 10 anos de vigência. Ou seja, a partir do dia 1 de Maio de 2022 (estaria neste momento a decorrer).
“Não podemos voltar a discutir aquilo que foi discutido e aprovado nesta casa há 10 anos atrás. Não podemos.”
Era exactamente isso que deveria estar a acontecer: a discussão da Revisão dos Planos de Pormenor das Zonas Sul e Norte da Mata de Sesimbra, dado que a revisão dos mesmos está consagrada e obrigada, nos respectivos regulamentos, devendo ocorrer ao fim de 10 anos de vigência dos mesmos.
O que a Câmara deveria ter deliberado em 2018 seria o início do procedimento relativo à Revisão do Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra. Porque não o fez? Quais são os motivos políticos (porque é disso que se trata; motivos políticos) que sustentaram a não Revisão do Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra?
O que a Câmara deveria ter deliberado em Maio deste ano, seria o início do procedimento relativo à Revisão do Plano de Pormenor da Zona Norte da Mata de Sesimbra. Porque não o fez? Quais são os motivos políticos (porque é disso que se trata; motivos políticos) que sustentaram a não Revisão do Plano de Pormenor da Zona Norte da Mata de Sesimbra?
E porque é que os planos de ordenamento do território devem ser revistos ao fim de 10 anos? O deputado Carlos Macedo responde: “como se o mundo em 2022 fosse igual ao mundo em 2008, 2010.” E porque o mundo não está igual, e porque se encontra a decorrer (desde o dia 19 de Janeiro de 2007) a Revisão do PDM de Sesimbra que reduz (informação do Presidente da Câmara) a capacidade construtiva da Mata de Sesimbra em 50%, os dois planos da Mata de Sesimbra deveriam estar em Revisão e não, a “concretizar aquilo que há muito estava a ser tramitado”. E porquê? O deputado Paulo Caetano responde: “Nós já estamos no vigésimo segundo ano do século XXI, os paradigmas e a forma como olhamos para o nosso planeta e para o seu estado ambiental e para a sustentabilidade ambiental deste planeta não tem absolutamente nada a ver com aquilo que foi ontem aprovado.” Simples.
“O período de discussão daquilo que se pretendia para aqueles territórios já aconteceu há muito tempo.” Ora aqui está uma grandessíssima verdade. Aquilo “que se pretendia para aqueles territórios” já não é, como é óbvio, o que se pretenderá. Até porque aquilo “que se pretendia para aqueles territórios” foi definido na década de 80 do século passado! E passados que estão mais de 40 anos, a visão comunista parece agarrada ao tempo do boom imobiliário que caracterizou Portugal de norte a sul, no pós 25 de Abril.
“O período de discussão (…) já aconteceu há muito tempo.” Outra grandessíssima verdade. E por isso, tem de ser discutido novamente e obrigatoriamente, ao fim de 10 anos de vigência dos respectivos Planos da Mata.
Repito a mesma pergunta: Quais são os motivos políticos (porque é disso que se trata; motivos políticos) que sustentam a não Revisão dos Planos de Pormenor das Zonas Sul e Norte da Mata de Sesimbra?
Atente-se numa explicação (que nos descansará a todos) que norteou a negociação entre a Câmara Municipal e o promotor do Plano da Mata Sul. Transcrevo textualmente (reunião de Câmara de dia 12 de Outubro):
“Nós estaríamos disponíveis para avançar com uma operação que viabilizasse um índice de construção; não estaríamos disponíveis neste momento, se bem que resultam da aplicação do plano, mas para ter vá lá, acarinhar, aquela que seria a construção de toda a, de toda a edificação e obras de urbanização que estavam previstas na zona sul. A decisão recaiu obviamente por uma área. Estamos a falar em cerca de 122 mil metros de STP a…… face aos 650 mil da totalidade do plano da zona sul (…) a capacidade construtiva neste momento de 138 mil metros de STP, e portanto incidiu sobre este aquilo que foi a nossa negociação deixando obviamente e é isto que está acordado, para para o novo Plano Director Municipal, que como se sabe também, não é, não é, não está no segredo dos deuses, aponta para esta unidade de toda a Mata de Sesimbra, onde inclui a norte, novas regras: uma redução de 50% da edificação face àquilo que existia no PDM, face àquilo que existe hoje no PDM em vigor e, mesmo nas operações que estão a decorrer, serão estas duas eventualmente, nestas operações que estarão a decorrer, se não forem executadas no prazo de 10 anos, a perda da capacidade construtiva revertida para aquilo que está à luz do actual PDM.”
Explicando melhor: a Câmara Municipal não esteve disponível para “acarinhar” a totalidade da possibilidade construtiva definida no Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra, publicado e em vigor. E na negociação que fez, reduziu os “650 mil da totalidade do plano da zona sul” para “138 mil metros de STP”. “Deixando obviamente e é isto que está acordado, para para o novo Plano Director Municipal” a restante área de STP e que se irá reger pelas “novas regras” que serão definidas pela Revisão do PDM e que apontam desde já para “uma redução de 50% da edificação face àquilo que existia no PDM”.
Ou seja, dos “650 mil da totalidade do plano da zona sul” serão concretizados os “138 mil metros de STP” que correspondem nem mais nem menos ao previsto e definido no Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra. Sem qualquer tipo de redução. Os restantes 512 mil metros de STP serão analisados à luz das novas regras que vierem a resultar da Revisão do PDM de Sesimbra e que reduzirão esta STP em 50% (ou seja, para 256 mil metros quadrados).
Mas, se por um acaso, nestes 10 anos de duração do contrato de urbanização surgirem outras operações (porque neste momento “serão estas duas eventualmente”) aplicam-se os valores estabelecidos no PDM em vigor e no respectivo Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra. Quer isto dizer que a redução é nenhuma.
O que se conclui (concluo eu, enquanto cidadã comum) das explicações prestadas e pela apresentação efectuada em reunião de Câmara é que aquilo que os contratos de urbanização estabeleceram foi o cumprimento dos parâmetros urbanos definidos (há mais de 40 anos), por mais 10 anos! E ao fim desses 10 anos (lá para 2032), se as operações “não forem executadas” aí sim, a Mata de Sesimbra perderá 50% da capacidade construtiva se, a Revisão do PDM já estiver aprovada, publicada e em vigor. É isto. Nem podia ser de outra forma (digo eu).
Até porque, um contrato de urbanização não tem força legal para alterar um instrumento de gestão do território. Um instrumento de gestão do território só pode ser alterado por outro instrumento de gestão do território. Melhor dizendo: um PP pode ser alterado por um PU que pode ser alterado por um PDM que pode ser alterado por um PROT que pode ser alterado por um PEOT. Ou seja, os planos só podem ser alterados por outros planos. Não podem ser alterados por acordos de cavalheiros firmados através de contratos de urbanização.
Resta-me agradecer publicamente aos deputados municipais Carlos Macedo (BE) e Paulo Caetano (PS) por se terem manifestado perante a aprovação das minutas dos contratos de urbanização e que consolidaram por mais 10 anos uma visão do século passado, patrocinada exclusivamente (e até ao dia 11 de Outubro de 2022) por uma visão do PCP estabelecida há mais de 40 anos, completamente desarticulada daqueles que são os valores e os princípios definidos e estabelecidos em pleno século XXI e que norteiam as estratégias para o desenvolvimento e sustentabilidade de todo o planeta. É cada vez mais evidente a falta de estratégia. E desta vez, e pela primeira vez, por unanimidade. Valha-nos Deus.
Sesimbra mudou de facto. E essa mudança foi definitivamente consolidada unanimemente, no passado dia 12 de Outubro de 2022, “um dia negro para a sustentabilidade deste Concelho”.
“A não ser que isso faça parte do acordo de vereação que não conhecemos.” E se assim for, nem sei que diga.
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