UNIDADES FOTOVOLTAICAS EM SESIMBRA
Começo por felicitar o executivo e os vereadores eleitos da Câmara Municipal de Sesimbra. Nunca o período antes da ordem do dia foi tão rico e esclarecedor. E este fenómeno informativo aos sesimbrenses ocorreu na reunião de Câmara de dia 9 de Março (na passada quarta-feira). Todos (excepto um vereador) informaram os sesimbrenses sobre o trabalho realizado, das iniciativas que irão ser dinamizadas, dos projectos em carteira, dos programas financeiros, das candidaturas submetidas,… Para se ter uma ideia, a reunião durou 2 horas e 27 minutos. 1 hora e 52 minutos foi destinado ao período antes da ordem do dia. Fantástico.
Confesso que fiquei (perante o conjunto de obras anunciadas, projectos elaborados e candidaturas apresentadas) um pouco perdida. Até porque me parece que sou eu que vivo num mundo diferente e numa realidade diferente. Em Dezembro de 2021, defini no meu Manifesto a palavra “Prudência” como adjetivo para o ano de 2022. E dos vários motivos que evoquei, referi-me por exemplo, à oscilação da economia mundial e as consequências directas nos diferentes mercados, nomeadamente no relacionado com a construção.
Estava longe de imaginar que a Rússia iria invadir militarmente a Ucrânia e desencadear uma guerra que nos atinge a todos. E é por tudo isto que reafirmo: sou eu que vivo num mundo diferente e numa realidade diferente. Senão vejamos:
Perante os efeitos de uma guerra (somados aos efeitos devastadores económicos e sociais provocados pela pandemia), que já fez disparar, como nunca, os preços dos combustíveis; que parou a produção de aço e a comercialização de níquel; que fez subir o custo dos cereais; que irá fazer disparar o custo de bens alimentares; que poderá fazer disparar (também) os custos de energia; sabendo-se que os valores do PRR, com financiamento a 100%, poderão (como já foi avançado pela UE) vir a ser canalizados para financiar o apoio necessário e urgente a esta crise humanitária, ficando suspensos os financiamentos inicialmente previstos; será que é só no meu mundo, na minha realidade que esta informação surge?
Ora se a crise na construção já era galopante, fruto dos confinamentos provocados pela pandemia (que reduziu a produção, comercialização e distribuição de matérias primas e bens materiais), fazendo os preços disparar e, como consequência directa, os concursos abertos ficarem desertos porque o valor atribuído para a execução de obras está abaixo do valor do mercado, pergunto:
- Com a subida dos combustíveis, associado ao que acima descrevi, associado à paragem de produção de aço e de comercialização de níquel, que obras e a que valores, serão possíveis de realizar?
- Mais: se de facto, perante esta guerra, o PRR canalizar fundos para apoiar esta crise gigantesca humanitária, desviando ou anulando verbas inicialmente previstas para outros financiamentos, que obras serão possíveis de facto, financiar?
O que me descansa, é o facto de esta realidade ser só minha. E não daqueles que têm a responsabilidade de gerir os destinos do Concelho, nomeadamente as obras e os investimentos públicos que realizam com os dinheiros dos impostos sesimbrenses. O meu mundo, neste momento, está pintado de tons cinzentos. Mas o mundo do executivo, está pintado de vermelho e rosa, com laivos de uma independência que já foi azul e amarela (estranha coincidência). Adiante.
Entrando na ordem do dia, foi tudo aprovado de rajada, sem perguntas ou explicações, unanimemente e a fazer lembrar velhos tempos. Da ordem de trabalhos constavam 30 pontos deliberativos (sendo que um deles não foi apreciado) e o executivo só precisou de 21 minutos e 9 segundos para os aprovar! Numa expressão popular: “limpinho e sem caroço”. No entanto, porque as dúvidas me invadem diariamente e a toda a hora, não posso deixar de abordar as primeiras oito deliberações tomadas (em simultâneo) em apenas 52 segundos (direi que se tratou de um recorde digno do Guinness-book).
A deliberação tomada (em 52 segundos) aprovou 8 pedidos de Informação Prévia para a “instalação/construção” de 8 unidades de pequena produção de energia eléctrica. Uma unidade de pequena produção de energia eléctrica (conhecida pela sigla UPP) é uma instalação de produção de electricidade a partir de energias renováveis. No caso, a energia renovável é solar, sendo que se trata da instalação de um conjunto de painéis fotovoltaicos. Quer isto dizer que foi viabilizada a instalação de 8 UPP, que irão instalar vários conjuntos de painéis fotovoltaicos, para produzir electricidade.
Aparentemente, numa mesma propriedade, serão instaladas as 8 UPP. De acordo com o descrito na ordem de trabalhos, trata-se de uma propriedade com mais de 43ha, localizada numa zona conhecida por “Pinhal da Aiana”. O “Pinhal da Aiana” corresponde ao espaço de terreno entre o Parque de Campismo do Cabedal, o Cemitério e, as instalações da BIANCA. Sendo que, a estes 43ha (onde serão instaladas as 8 UPP) deverá ser atribuído outro topónimo que não “Pinhal”. Para se ter uma ideia, um campo de futebol tem 1ha. Imaginem 43 campos de futebol preenchidos com painéis fotovoltaicos. Numa pesquisa rápida, (dado que não percebo nada de nada de UPP nem de painéis fotovoltaicos), em 43ha poderão vir a ser instalados cerca de 34 mil painéis fotovoltaicos (valores completamente hipotéticos dado que esta informação é completamente omissa na deliberação tomada).
Da deliberação tomada consta o fundamento para a aprovação, referindo que o PDM em vigor foi publicado em 1998 e que, por isso, ainda não previa este tipo de ocupação para a instalação de UPP. No entanto, nada o impede, nos termos do PDM em vigor, dado que a propriedade não está abrangida por qualquer tipo de restrição ou servidão. Aliás, nos termos do regulamento do PDM em vigor, naquela propriedade seria possível construir “apoio à actividade agro-florestal ou, empreendimentos turísticos” (artigo 44º e 112º do regulamento).
E assim, por unanimidade, foram aprovadas as 8 UPP, dado que foi entendido que não era desrespeitado o estipulado no PDM em vigor. Até porque se trata de uma solução energética fundamental, estratégica e, amiga do ambiente. Que fique claro que não tenho nada, absolutamente nada contra a instalação no Concelho de Sesimbra de infraestruturas de produção de electricidade a partir de energias renováveis (solares, eólicas, térmicas,..) Aliás, em vários textos apontei algumas ideias para a possível instalação das mesmas (por exemplo, AQUI e AQUI).
Mas tenho para já, uma certeza:
- Pelos argumentos questionáveis que sustentaram a deliberação, podem, em qualquer propriedade do Concelho de Sesimbra (desde que não integre áreas de reserva ou servidão) vir a ser instaladas Unidades de Pequena Produção de energia eléctrica.
E escrevo argumentos questionáveis porque são de facto, questionáveis. Até porque, (conforme foi transmitido no Período Antes da Ordem do Dia e na última sessão da Assembleia Municipal), a elaboração da Revisão do PDM (que completou no passado dia 28 de Fevereiro, 15 anos!) está concluída!!!! E será apresentada no próximo dia 24 de Março a todas as entidades que compõem a Comissão Consultiva, seguida de uma visita pelas diferentes zonas do Concelho de Sesimbra.
De acordo com a informação avançada, é “expectável” (esta palavra da moda política, repetida sucessivamente por todos, já cansa!; sugiro alguns sinónimos como “provável”, “possível”, “verosímil”, “plausível”, “presumível”, “conjecturável” “crível”,…) que a consulta pública sobre a Revisão do PDM possa ocorrer em Junho/Julho. Até porque a Revisão do PDM terá de estar aprovada até 31 de Dezembro deste ano (sob pena de ficarem suspensos financiamentos e todo e qualquer tipo de licenciamento). A pergunta é simples:
- O que prevê a proposta de Revisão do PDM de Sesimbra para esta propriedade?
É claro que o cidadão comum, o povo, não tem nada que saber o que quer que seja sobre o que está ou não previsto na proposta de Revisão do PDM de Sesimbra. Terá tempo de, em fase de consulta pública, ver e opinar (sabendo-se que a consulta publica será apenas uma ficção, conforme referi AQUI).
O que nos descansa será o facto dos nossos representantes terem discutido, (à porta fechada, provavelmente na reunião preparatória de Câmara), este assunto até à medula! E claro, foi tudo explicado tim-tim por tim-tim! E como é óbvio, não iam repetir a mesma discussão naquela que é a reunião de Câmara pública, aberta à presença dos representados (física e/ou virtualmente) e que serve para expor publicamente as posições de todos os eleitos e sustentar as deliberações que tomam. Isso seria maçar a audiência. Especialmente depois de quase 2 horas de Período Antes da Ordem do Dia.
Para além de que, conforme ficámos a saber na reunião de Câmara (extraordinário e pública, como não podia deixar de ser), de 17 de Dezembro de 2021 e cito:
“(…) a nossa posição relativamente ao Plano Director Municipal foi transformá-lo (…) num instrumento estratégico. E portanto está lá tudo neste nível: o que é que nós queremos fazer em termos de alterações climáticas; quais são as medidas que vamos ter; quais são os projectos estruturantes; (…). Portanto tudo está no PDM. Aquilo que quisemos fazer foi: uma coisa que se chama Plano Director Municipal, transformá-lo num Plano Director de 3ª geração. É um instrumento estratégico de excelência. (…)”
Quer isto dizer que, depois de 15 anos de elaboração, a Revisão do PDM de Sesimbra “é um instrumento estratégico de excelência.” Sendo que “tudo está no PDM” (entenda-se, na Revisão do PDM). E assim sendo, está tudo previsto, definido e regulado. Estrategicamente. Incluindo as medidas que irão permitir a instalação de Unidades de Pequena Produção de energia eléctrica na área territorial do Concelho de Sesimbra.
Apenas referir que, das várias temáticas estratégicas que devem ser reguladas pela Revisão do PDM, está a adaptação às alterações climáticas. E dentro desta, estão (para além de outras, e entre as quais, os impactos “prováveis”, “possíveis”, “verosímeis”, “plausíveis”, “presumíveis, “conjecturáveis”, “críveis”,… dos fenómenos atmosféricos) as energias renováveis.
É a Revisão do PDM que regulamentará as condições de localização de estruturas eólicas, fotovoltaicas ou outras, na área territorial do Concelho de Sesimbra.
É a Revisão do PDM que irá identificar quais são as áreas do território sesimbrense com maior vocação para a instalação deste tipo de estruturas de produção de energia.
É a Revisão do PDM que estabelecerá medidas que, por exemplo, impliquem a florestação de uma área equivalente àquela que irá ser desflorestada. E sendo (no caso) uma propriedade agrícola/florestal, é a Revisão do PDM que definirá as regras de implementação dos painéis fotovoltaicos definindo nomeadamente, a altura dos suportes metálicos que permitam assegurar, por exemplo, as funções agrícolas do terreno.
Nada disto foi abordado na reunião de Câmara. O que seria impossível em apenas 52 segundos. A Revisão do PDM de Sesimbra “é um instrumento estratégico de excelência.” Perdoem-me por isso, este longo texto. “Tudo está no PDM” (entenda-se, na Revisão do PDM). Não há motivo para divagações. E em Junho/Julho, os mais calhandros ficarão conhecedores deste segredo que dura há 15 anos.
Apenas quatro notas:
1ª Nota
- Foram aprovadas 8 unidades de pequena produção de energia eléctrica, para a mesma propriedade de um mesmo promotor. Não quererá isto dizer que afinal é, um promotor, uma propriedade e uma Central fotovoltaica (que poderá vir a ter cerca de 34 mil painéis fotovoltaicos) e não, 8 unidades de pequena produção de energia eléctrica?
2ª Nota
- Sabendo-se do impacto na opinião pública que têm este tipo de infraestruturas, nomeadamente quanto à desflorestação, ao abate de dezenas de árvores que as mesmas provocam, não devia a mesma ser divulgada e até, sujeita a consulta pública?
3ª Nota
- Sabendo-se do interesse que tem vindo a ser demonstrado por uma grande maioria dos deputados eleitos na Assembleia Municipal, nomeadamente quanto a possíveis instalações de infraestruturas de energia renovável no Concelho, não deveria esta pretensão ter sido apresentada (por exemplo na última Assembleia Municipal), informando e recolhendo as opiniões e posições das várias forças politicas e partidárias representadas e que, com toda a certeza, consolidariam uma posição una e coerente, nos termos do que estará previsto na proposta de Revisão do PDM (e que terá sido - conforme prometido e divulgado - apresentada a todos os deputados e vereadores, antes de ser submetida à Comissão Consultiva no próximo dia 24 de Março)?
4ª Nota
- A deliberação camarária não enquadrou a pretensão na proposta de Revisão do PDM, optando por referir apenas o PDM em vigor e completamente desarticulado com a realidade do século XXI. Quererá isto dizer que (na senda daquela justificação épica de que “temos de aprovar isto agora senão depois já não pode ser”) a aprovação unânime (omitindo o que quer que seja que a Revisão do PDM prevê) consolida apenas direitos adquiridos que não serão suspensos se entretanto, a Revisão do PDM for aprovada e estabelecer para aquela propriedade novas regras de ocupação (por exemplo, anulando qualquer tipo de capacidade construtiva e integrando o “Pinhal da Aiana” na estrutura ecológica concelhia)?
Respiremos. Pensemos apenas num novo topónimo para aquele que afinal será um “espaço de serviços e indústria” e não, de “Pinhal”.
E ainda outra nota final:
- Da deliberação tomada consta uma condicionante: no futuro licenciamento, o promotor deverá avaliar se consegue fazer (ou não) as ligações das 8 UPP à rede pública de electricidade, subterraneamente, nas vias de acesso existentes. Quer isto dizer que, se o promotor justificar que não consegue executar essa ligação subterrânea, o “Pinhal da Aiana” será invadido também, por um conjunto de postes e cabos aéreos até encontrar o ponto de ligação com a rede pública de electricidade.
Na minha opinião (porque é apenas disso que se trata), esta matéria deveria ter sido amplamente discutida e explicada. Para que não surja na comunidade sesimbrense como uma “surpresa!”
E até por ser a primeira vez que é viabilizada a “instalação/construção” de estruturas que visam a produção de electricidade a partir de energias renováveis no Concelho de Sesimbra.
Na tal “democracia participativa”, das “pessoas para as pessoas”. Naquela promessa de “envolver cada vez mais os cidadãos no processo de tomada de decisões”.
Mas lá está, isso eram só promessas das campanhas eleitorais. Nada mais.
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