E.COLI, A BACTÉRIA.

Vamos por partes.

A Câmara, num primeiro comunicado, informa que a praia do Ouro foi interdita a banhos, após uma análise de rotina (promovida pela APA) ter detectado valores elevados da E.coli. Identifica desde logo que só uma ação de descarga direta no mar estaria na origem de um resultado que identificou a presença da E.coli. Adianta também que a SIMARSUL fez duas descargas nas últimas semanas, devido a questões técnicas, tendo informado a Autarquia "de forma ligeira" através de e-mail. E assumindo desde logo que não tem nada de nada a ver com o assunto, afirma que está (com as restantes entidades ligadas ao processo - identificando apenas a Administração Regional de Saúde) "a proceder a todas as ações que permitam confirmar a origem desta ocorrência, e a desenvolver todos os esforços, para apurar responsabilidades, para que casos como este não se repitam."

Significa portanto que:

  • A Câmara não tem qualquer responsabilidade sobre o ocorrido;
  • Mas, apesar de não ter responsabilidade nenhuma, a Câmara está (com as restantes entidades ligadas ao processo - identificando apenas a Administração Regional de Saúde) a proceder a todas as acções para descobrir a origem da ocorrência e apurar responsabilidades;
  • A responsabilidade será da SIMARSUL, porquanto fez duas descargas nas últimas semanas.

E quais são as responsabilidades da SIMARSUL? Gerir e explorar o sistema de saneamento da águas residuais, garantindo a qualidade, continuidade e eficiência do serviço. Esta gestão inclui a recolha, o tratamento e a rejeição de efluentes domésticos e urbanos.

Ora o PS, emite um comunicado, afirmando uma verdade inquestionável: "Estes são os impactos da falta visão e de planeamento no concelho de Sesimbra". 

E o pior é que não serão só estes os impactos. Os outros virão a seu tempo, em catadupa (no Meco, na Vila de Sesimbra, na Quinta do Conde, nas tarifas da água e do lixo,...). 

E afirma também uma outra verdade absoluta: "A carga excessiva sobre as infraestruturas já está a ter estes resultados."

Logo o Presidente da Autarquia se apressa a fazer um pequeno vídeo (com imagens pelo meio) para pôr tudo em pratos limpos! Afirma desde logo que o PS poderia ter questionado (sobre o sucedido) os Vereadores que detêm os pelouros do Saneamento e do Turismo.

Mas o que raio são para aqui chamados os Vereadores que detêm os pelouros do Saneamento e do Turismo? Ora se a Câmara não tem responsabilidade sobre o ocorrido (conforme resulta do primeiro comunicado), o que raio tem o Vereador do Saneamento a ver com isto? Não faz parte da Câmara o Vereador do Saneamento? Mas o mais estranho é misturar a Vereadora do Turismo com o ocorrido: o que raio tem o Turismo a ver com a E-Coli?

Continuemos. 

Diz o Presidente da Autarquia que "o problema na ETAR de Sesimbra advém obviamente do não tratamento e do despejo de resíduos ilegais e regulares provenientes do Porto de Sesimbra e da Docapesca". (Fantástico. Parece que os responsáveis foram identificados: a APSS e a Docapesca). E pergunta: "o que estiveram os responsáveis, neste caso da Docapesca e da Administração Portuária, a fazer?" Várias coisas, digo eu. Nomeadamente as que estão no âmbito das suas competências. A saber:

  • A APSS - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, visa explorar economicamente, conservar e desenvolver os Portos de Setúbal e de Sesimbra, tendo concessionado à Docapesca, a exploração do Porto de Pesca de Sesimbra.
  • A Docapesca é responsável (de acordo com a concessão que detém) pelo edifício da lota, cais de descarga do pescado, cais de abastecimento, cais flutuantes e passadiços de acesso, cais de permanência de embarcações acostadas, rampas varadouro, edifícios de armazéns de aprestos e de comerciantes, fábrica de gelo, zonas de estacionamento em fundeadouro, zona de estendal de redes, acessos, arruamentos, jardins e estacionamento de veículos.

O que raio tem a APSS e a Docapesca a ver com a E.coli? Melhor perguntando: o que é que "os responsáveis, neste caso da Docapesca e da Administração Portuária" deveriam ter feito, para além daquelas que são as suas competência e que não englobam gerir a recolha, o tratamento e a rejeição de efluentes domésticos e urbanos (pois essa é uma competência da SIMARSUL)?

Continuemos com as declarações do Presidente da Autarquia: "A SIMARSUL diz que o problema advém obviamente do Porto e da Docapesca com esta descarga que chega aos filtros da nossa ETAR."

Confesso a minha ignorância sobre o funcionamento de uma ETAR. Não sei nada de nada, mas absolutamente nada, sobre ETAR's. Mas fui ler (aqui). Especificamente sobre a ETAR localizada no Porto de Sesimbra: 

"O efluente bruto" (o esgoto) "que chega à ETAR provém das centrais elevatórias da vila e do porto" (do Porto de Abrigo que é explorado pela APSS e pela Docapesca) "(admitido por bombagem) e dos sistemas interceptores que rodeiam a vila (por gravidade)".  Quando o "efluente bruto" (o esgoto) chega à ETAR passa por vários circuitos. O primeiro (o "circuito da água") tem quatro fases: quando o "efluente bruto" (o esgoto) chega à ETAR passa por uma gradagem para reter "os sólidos mais grosseiros que são imediatamente compactados e removidos para aterro sanitário." De seguida, são retiradas areias e gorduras do "efluente bruto" (o esgoto) sendo as mesmas igualmente removidas para aterro. Depois, "ocorre a sedimentação dos sólidos suspensos", transformando o "efluente bruto" (o esgoto) apenas numa substância liquida (as lamas que se geram neste processo são enviadas para um outro circuito "das lamas"), sendo seguidamente "submetido a uma biofiltração". A última fase consiste "na passagem das águas por um canal de desinfecção por radiação ultravioleta" que, quando terminado, resulta numa água que "estará em condições para ser lançada no oceano, apresentando os padrões de qualidade exigidos por lei." 

Voltemos à declaração do Presidente da Autarquia: "A SIMARSUL diz que o problema advém obviamente do Porto e da Docapesca com esta descarga que chega aos filtros da nossa ETAR."

Então mas a ETAR não tem um primeiro circuito que, numa primeira fase, retém "os sólidos mais grosseiros que são imediatamente compactados e removidos para aterro sanitário"? É óbvio, digo eu, que o esgoto que provém do "Porto e da Docapesca" levará para os "filtros da nossa ETAR" uma quantidade enorme de escamas e resíduos piscícolas. E a SIMARSUL estará 'fartinha' de tratar, no primeiro circuito, esses "sólidos mais grosseiros que são imediatamente compactados e removidos para aterro sanitário".

Continuemos. Diz o Presidente da Autarquia que "nós temos os técnicos todos neste momento a trabalhar". Então afinal a Câmara tem responsabilidades no ocorrido? Se não tem, porque é que "nós temos os técnicos todos neste momento a trabalhar"? Não deveriam estar, não os técnicos da Autarquia, mas todos técnicos da SIMARSUL (e dos responsabilizados APSS e Docapesca) "neste momento a trabalhar", já que a Autarquia não tem nada a ver com o ocorrido?

E eis que surge um segundo comunicado da Câmara dizendo que irá solicitar reunião urgente com a SIMARSUL, a APSS e a Docapesca (para esclarecer todo este imbróglio), afirmando que "só uma descarga direta no mar poderia ter originado um resultado assim".

Não percebi. Então mas não tinham sido duas descargas feitas pela SIMARSUL, nas últimas semanas, devido a questões técnicas? Então mas não era graças ao que "os responsáveis, neste caso da Docapesca e da Administração Portuária", não fizeram e que provocou toda esta situação? Para já não falar dos Vereadores do Saneamento e do Turismo. Valha-nos Deus.

Entretanto, a SIMARSUL também emitiu um comunicado. Transcrevo parcialmente:

"A SIMARSUL identificou recentemente a ocorrência de afluências indevidas à rede de drenagem municipal, contendo elevadas quantidades de restos de peixe e escamas. Esta situação, alheia à responsabilidade da SIMARSUL, originou duas anomalias pontuais de funcionamento na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), as quais foram prontamente resolvidas.

(...)

Importa ainda esclarecer que a SIMARSUL trata as águas residuais que lhe são encaminhadas através das redes municipais, após o que faz a devolução da água tratada ao meio marinho através de emissário submarino afastado da costa, cumprindo integralmente os requisitos legais e ambientais aplicáveis. Nas duas situações verificadas, a localização e a distância da descarga à costa e o intervalo temporal entre as ocorrências na ETAR e os resultados das análises tornam pouco verosímil qualquer relação direta entre o funcionamento da infraestrutura da SIMARSUL e os resultados não conformes que estiveram na origem da interdição da praia. Não obstante esta constatação, e no âmbito do seu compromisso com a proteção ambiental e a saúde pública, a SIMARSUL irá solicitar uma reunião ao Município de Sesimbra com vista à adoção de medidas que previnam futuras descargas não conformes na rede de drenagem."

Ainda bem que a SIMARSUL veio esclarecer o assunto. E perante a localização, a distância à costa e o intervalo temporal entre as descargas e as análises realizadas, "tornam pouco verosímil qualquer relação direta entre" as descargas e a presença da E.coli na praia do Ouro.

Ou seja, a E.coli veio até à praia do Ouro mas não foram os responsáveis pela APSS e pela Docapesca que a trouxeram. E nem tão pouco terão sido as descargas efectuadas pela SIMARSUL. 

De onde é que veio afinal a E-Coli? Ninguém saberá. Mas que passou um dia em cheio, passou!


Que se adoptem "medidas que previnam futuras descargas não conformes na rede de drenagem". E isso passará também, por acções de sensibilização. E se alguém conseguir apurar de onde, como e quando chegou a E.coli à praia do Ouro, óptimo. 

Até lá, e permitam-me transcrever uma frase boçal do Presidente da Autarquia, proferida na sessão da Assembleia Municipal de dia 27 de Junho de 2025 (ao minuto 1:42:08):

"Não vale a pena nós estarmos aqui, desculpem-me a expressão agora tenho de dizer isto, de uma forma muito grosseira, parece que estamos aqui a medir as pilinhas, quem é que tem a responsabilidade de uma coisa quem é que tem a responsabilidade de outra."


LINKS para:

2º post: E.COLI, A BACTÉRIA - RESULTADO DA REUNIÃO "COM CARÁCTER DE URGÊNCIA"

3º. post: E.COLI, A BACTÉRIA – ESCLARECIMENTO NA REUNIÃO DE CÂMARA

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