A «LEI DOS SOLOS» - 3ª. PARTE

Até aqui, as Assembleias Municipais, quando deliberavam sobre ordenamento do território, nomeadamente sobre alterações/revisões de planos municipais, as propostas a deliberar estavam acompanhadas de vários pareceres de diferentes entidades, coordenadas pelas respectivas CCDR que emitiam um parecer final. Esse, era o documento mais importante que resumia os diferentes pareceres emitidos, apontando para aquela que se mostrava como a melhor opção a viabilizar.

No caso das alterações simplificadas (nomeadamente reclassificar «solo rústico» como «solo urbano») a propriedade do solo objecto dessa reclassificação era, obrigatoriamente pública, sendo destinada a uso habitacional. Tratava-se essencialmente de uma decisão meramente política, sustentada numa Estratégia Local de Habitação ou na Carta Municipal de Habitação, sobre propriedades rústicas na posse dos Municípios. E por isso (e apenas neste caso) era dispensado o parecer da CCDR competente.  

O que esta alteração vem dizer é que, sejam propriedades rústicas dos Municípios ou propriedades privadas, o procedimento é o mesmo. E é aqui que surgem as palavras da ANAM: sem um suporte daquela que é a entidade competente em matéria de ordenamento do território (CCDR), torna-se urgente e imprescindível, "capacitar os órgãos municipais" para tomar essas deliberações que serão sempre questionáveis, polémicas e susceptíveis de virem a ser rotuladas com acusações que em nada contribuirão para a credibilidade de todo o processo e para a imagem das próprias Assembleias Municipais.

Acresce que esta nova alteração à «Lei dos Solos» não define se a competência de iniciar o procedimento de reclassificar «solo rústico» privado em «solo urbano» depende de uma deliberação camarária ou, de um qualquer tipo de requerimento apresentado por proprietários privados. E essa é quanto a mim, uma enorme lacuna: se o interesse é público e visa a construção de habitação acessível, para colmatar as carências habitacionais existentes, devem ser os Municípios a definir quais são os «solos rústicos» que poderão vir a ser reclassificados como «solos urbanos» (e não andar a reboque de requerimentos dispersos que até podem estar enquadrados com as Estratégias Locais de Habitação ou com as Cartas Municipais de Habitação).

Mais: este “regime excepcional”, por ser excepcional, deveria estar limitado temporalmente. Trata-se de uma alteração legislativa que, nas palavras da Ministra do Ambiente e Energia visa reclassificar o “solo rural agrícola que seja necessário para construção de edificação essencialmente pública, para executar o PRR” porque “os solos que existem são muito caros” e “esta ser uma solução para habitação pública, para completar um grande desígnio nacional, que é esta construção do PRR”. E esta declaração carece quanto a mim, da introdução de dois pontos fundamentais a este “regime excepcional”:

  • Se o objectivo é a “construção do PRR”, terá de ser estipulado um limite temporal para este “regime excepcional”;
  • Se “os solos que existem são muito caros”, nada garante (antes pelo contrário) que fiquem baratos: em nenhum momento este “regime excepcional” condiciona a transmissão de «solos rústicos» que vierem a ser reclassificados como «solos urbanos» sendo que essa reclassificação os tornará, no mercado livre, solos igualmente “muito caros”.

A verdade é que o Parlamento vai debater este “regime excepcional”. Que não foi discutido, nem apresentado. Foi publicado como “surpresa!” (onde é que eu já vi isto?)

E no caso de Sesimbra, relativamente à aplicação deste “regime excepcional”? Três pontos fundamentais:

  • A Estratégia Local de Habitação:
    • Apesar de estar aprovada e de ser um documento público, não foi tornada pública (vá-se lá perceber isto); 
    • Quem quiser saber o que é a Estratégia Local de Habitação de Sesimbra, terá de recorrer às promessas eleitorais da CDU constantes no seu programa eleitoral de 2021.
  • A Carta Municipal de Habitação:
    • A sua elaboração foi adjudicada em Novembro de 2022 (à Sociedade Portuguesa de Inovação – Consultadoria Empresarial e Fomento da Inovação, S.A.) com um custo a rondar os 25 mil euros;
    • Estaria concluída em 3 meses;
    • Passaram 2 anos e 2 meses e nada.
  • A Revisão do PDM:
    • Nem sei que diga.
    • Talvez referir apenas que o Presidente da Autarquia já assumiu recentemente que o atraso da conclusão da Revisão do PDM também se deve à Câmara.

E começo pela Revisão do PDM:

De acordo com o “ponto de situação” divulgado na página oficial da CCDR-LVT (datado de 30 de Novembro de 2024) a proposta de Revisão do PDM de Sesimbra está na fase de “concertação”. Ou seja, falta um loonnnngoo caminho até estar aprovada, publicada e em vigor.

Ora o PDM de Sesimbra (publicado em 1998) é o instrumento municipal de ordenamento do território que está em vigor no concelho de Sesimbra. E tem uma grande área classificada como “área urbanizável”. Direi que todas as aldeias, lugares, localidades, sítios,… têm esta classificação. 

E o que diz esta nova alteração à «Lei dos Solos»? Que ficam suspensas, proibidas quaisquer tipo de operações urbanísticas nestas “áreas urbanizáveis”. Ou seja, uma grannnnde parte do território concelhio, está neste momento impedido de construir até que:

  • A Câmara emita a DECLARAÇÃO com a identificação e delimitação das áreas urbanizáveis que se enquadram nas excepções (que referi na 1ª. Parte) e a remeta à CCDR para publicação e publicitação.
  • A CCDR identifique quais são as regras do PDM que ficam suspensas;
  • Essa suspensão dependerá das razões que a Câmara vier a invocar e que consigam sustentar que o incumprimento do prazo definido pela «Lei dos Solos» se deve a factos alheios à própria Câmara (apesar do Presidente da Autarquia ter assumido que o atraso no cumprimento da «Lei dos Solos» PDM também se deve à Câmara).

Significa que esta nova alteração à «Lei dos Solos» tem, desde o dia 31 de Dezembro de 2024, um impacto directo, imediato e proibitivo no concelho de Sesimbra. Direi que se trata de uma “suspensão” que se irá reflectir não apenas nas expectativas e intenções dos proprietários mas também, nas receitas camarárias, porquanto estão proibidos licenciamentos ou autorizações. 

Quanto à reclassificação de «solo rústico» em «solo urbano». Começo por utilizar uma outra afirmação do Presidente da Autarquia (relativamente à subida dos custos de deposição de resíduos urbanos em aterro): uma decisão destas deve ser tomada pelo novo executivo que sair do acto eleitoral e não, por um executivo que está prestes a sair de funções.

Até porque, não existe Carta Municipal de Habitação. Nem se conhece que raio de “documento estratégico de excelência” é a proposta de Revisão do PDM. Até porque, se não houve pressa em concluir a Revisão do PDM nos prazos previstos na «Lei dos Solos», também não haverá pressa nenhuma para reclassificar «solo rústico» como «solo urbano».

Porque o que está neste momento em causa é a suspensão da possibilidade construtiva em “áreas urbanizáveis” e não, a atribuição de possibilidade construtiva a «solos rústicos». 

O próximo executivo herdará uma mão cheia de nada e umas quantas batatas quentes para resolver. 

Ao executivo em funções competir-lhe-á, urgentemente, apresentar as justificações que forem possíveis à CCDR, tendo em vista a anulação da suspensão definida nesta nova alteração à «Lei dos Solos» e, emitir a imprescindível DECLARAÇÃO com a identificação e delimitação das áreas urbanizáveis que se enquadram nas excepções previstas. Este, é o assunto verdadeiramente importante.

Quanto ao «solo rústico» a reclassificar como «solo urbano», é igualmente urgente tornar público um documento que é obrigatoriamente público: a Estratégia Local de Habitação. 

E seguidamente, apresentar um qualquer ponto de situação sobre a Carta Municipal de Habitação (que estaria concluída no inicio de 2023). 

E na senda daquele apelo longínquo do líder da bancada do PS na Assembleia Municipal (num artigo de opinião do jornal «O Sesimbrense» - estávamos em Março de 2022): para que “com a maior brevidade possível, se inicie um processo de divulgação e auscultação popular” porque, dizia, “não é aceitável que as opções estratégicas que irão incorporar o novo PDM sejam estabelecidas de forma tecnocrática, dentro de quatro paredes” referindo também que “não pode ter acolhimento o argumento de que a visão estratégica para o concelho estava plasmada no programa eleitoral de cada partido”, seja finalmente concluída a proposta de Revisão do PDM e sujeita a consulta pública tendo em vista a sua aprovação, rectificação e publicação. 

E só depois, digo eu, será possível pensar nesse “regime excepcional” que reclassifica «solo rústico» como «solo urbano», colocando os deputados municipais na mira de todas as atenções e insinuações mais ou menos duvidosas.

Recuperando uma velha máxima: "Tudo a seu tempo. E no tempo certo!" Já bastam os “espaços agrícolas-florestais” com empreendimentos turísticos em ilhas-de-betão. 

Os “espaços agrícolas-florestais” estabelecidos no PDM (em Revisão há 17 anos!) não precisam de «solos rústicos» reclassificados como «solos urbanos», entrelaçados com apartamentos e moradias turísticas. O que os “espaços agrícolas-florestais” precisam é de uma Revisão, de uma visão e de uma estratégia sustentada nos conceitos de desenvolvimento urbano estabelecidos pelo século XXI. 

Continua cheia de razão a afirmação de que “não é aceitável que as opções estratégicas que irão incorporar o novo PDM sejam estabelecidas de forma tecnocrática, dentro de quatro paredes.” 

E devem ser os principais visados nesta matéria (os deputados municipais que têm a competência exclusiva para reclassificar «solo rústico» como «solo urbano») a exigir a existência dos documentos fundamentais que permitam ajudar na decisão a tomar:
  • A Carta Municipal da Habitação
  • A Revisão do PDM
Para que as dúvidas, se existirem, não se resumam a acusações quase que personalizadas, descorando aquela que é (deve ser) uma estratégia bem definida nos diferentes instrumentos de ordenamento do território.





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