APOIO DE PRAIA DA DONA MARIA TERESA - ABSOLUTAMENTE LAMENTÁVEL

Perdoem-me desde já. Mas depois de uma intervenção (por parte de uma Munícipe) na reunião de Câmara que decorreu ontem, dia 19 de Abril, sobre a instalação de um apoio de praia sazonal na Praia do Ouro, não posso deixar de dizer que tudo o que foi dito de seguida pelo executivo municipal, é absolutamente lamentável. (LINK - minuto 2:29:30).

Permitam-me um pequeno enquadramento:

  • Decorreu entre os dias 26 de Julho de 2021 e 3 de Setembro de 2021, a consulta pública relativa ao PROGRAMA DA ORLA COSTEIRA ESPICHEL-ODECEIXE (POC-EO) - (e no qual participei – LINK);
  • Importa referir que:
    • os trabalhos relativos à elaboração do POC-EO iniciaram-se em 2011;
    • a competência para proceder à elaboração do POC-EO, foi da Agência Portuguesa do Ambiente;
    • a elaboração da proposta do POC-EO pertence às NEMUS e CONSULMAR;
    • foi constituída uma Comissão Consultiva (composta por dezenas de entidades) responsável pelo acompanhamento da elaboração deste POC-EO (e com a competência de emitir parecer favorável, desfavorável ou condicionado) e da qual fez parte a Câmara Municipal de Sesimbra;
  • Entre 2011 e 2022, a Câmara Municipal de Sesimbra não promoveu uma única acção que permitisse, a todos aqueles que assim o desejassem, informação sobre aquilo que seria o POC-EO e as consequências que o mesmo iria ter no Concelho de Sesimbra;
  • Durante a consulta pública, que decorreu durante 70 dias, a Câmara Municipal de Sesimbra não promoveu uma única acção de divulgação e esclarecimento que possibilitasse a todos os interessados uma participação coerente e comum, nomeadamente daqueles que terão de demolir e relocalizar os seus equipamentos localizados nos areais das praias de Sesimbra;
  • Até ao dia de hoje, a Câmara Municipal de Sesimbra não fez o que quer que fosse, no sentido de informar a população sobre aquelas que são medidas definidas pelo POC-EO e que não dizem respeito apenas aos equipamentos de praia. Dois exemplos:
    • Estão proibidas, numa faixa paralela à Marginal de Sesimbra: obras novas e obras de ampliação de construções existentes;
    • Estão proibidas, numa zona entre a Califórnia e a Marconi: loteamentos, obras de urbanização, obras novas, obras de ampliação, reconstrução e alteração.

Voltemos ao ocorrido na última reunião de Câmara. Uma Munícipe explora sazonalmente um apoio de praia (há anos!) colocando-o no início da época balnear e retirando-o no términos da mesma. Este ano, ficou a saber que o POC-EO não prevê esse apoio de praia pelo que não o poderá colocar. Do conjunto de explicações que realizou, entregou alguns mapas do POC-EO ao executivo municipal, referindo que deveria existir um qualquer erro (que por acaso, até existe mas não cabe neste post).

O que aconteceu depois, é absolutamente lamentável. Porque a Câmara Municipal sabe, ou pelo menos devia saber, que o POC-EO é composto por 12 documentos distintos e duas fichas relativas às praias, num total de 14 documentos com mais de 1000 páginas. Mil páginas! Resumir o POC-EO a um mapa e à legenda desse mapa é, no mínimo, assustador. 

Falemos dos mapas: 

Na ficha (LINK) relativa à Prainha e Praia do Ouro, surgem três mapas da praia de Sesimbra. Com um conjunto de letras e números, são identificadas as estruturas fixas existentes (durante o ano inteiro) e que serão a manter, requalificar e a relocalizar. Surgem depois, dois “polígonos preferenciais de implantação” (com um tracejado preto, laterais ao acesso do pontão de praia), onde três dos equipamentos existentes (Porto Fino, Escadinhas e Serafim) deverão vir a ser relocalizados (nos termos e de acordo com o definido pelo POC-EO). Ou seja, o POC-EO definiu para as praias, o conjunto de estruturas fixas que podem existir na Prainha e na Praia do Ouro. Não definiu o conjunto de estruturas sazonais que podem ocorrer ou não, em determinados períodos do ano (sejam de apoio directo à época balnear, sejam como apoio a um qualquer evento realizado fora do período balnear).

Curiosamente, dentro de um dos “polígonos preferenciais de implantação” (com um tracejado preto, no lado direito do acesso do pontão de praia) é visível o apoio sazonal que a Munícipe instala a cada época balnear (funcionando cerca de 3 meses por ano). 

Mas, ao invés de se olhar apenas para os mapas, é necessário ler os regulamentos publicados em Diário da República, nomeadamente o Aviso 23368/2022 de 12 de Dezembro, que aprovou o “Regulamento de Gestão das Praias do Troço Espichel-Odeceixe” (LINK). Transcrevo parcialmente (sendo que o sublinhado e o bold, é meu):

(...)

Artigo 27.º

Ocupações temporárias do domínio público marítimo

1 — É admissível o licenciamento de ocupações temporárias do Domínio Público Marítimo, não previstos em Plano de Intervenção, em praias marítimas classificadas como tipos I e II, por períodos inferiores a um ano, desde que as mesmas não contrariem as disposições do presente regulamento e se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, devendo, quando as condições geomorfológicas o permitam, ser contemplada a garantia de acesso a pessoas com mobilidade condicionada, de acordo com o estipulado na legislação relativa ao regime da acessibilidade, nomeadamente no que diz respeito à inclinação das rampas:

a) Se destinem a proporcionar o uso e fruição públicos da orla costeira em condições de segurança ou se encontrem relacionadas com eventos de caráter turístico, desportivo, cultural ou religioso;

b) Não sejam incompatíveis com outros usos licenciados no areal ou na antepraia;

c) Não interfiram com a dinâmica costeira, os valores naturais e ecológicos da orla costeira e as estruturas de proteção existentes;

d) Se encontrem asseguradas as necessárias condições de segurança e salubridade.

2 — As ocupações de natureza comercial cujo período de ocupação seja superior a 30 dias, podem ter uma área máxima de implantação correspondente a apoio de praia mínimo, mediante avaliação das entidades licenciadoras, em função das condições descritas no número anterior, devendo contribuir para os serviços de assistência e vigilância a banhistas e limpeza de praia.

(...)

Ora, no caso explanado pela Munícipe, o apoio de praia é sazonal (funciona cerca de 90 dias por ano) e não está previsto no Plano de Intervenção da Prainha e da Praia do Ouro. Acontece que, a Prainha e da Praia do Ouro são praias marítimas classificadas como tipo I (conforme define o ANEXO I do mesmo Aviso 23368/2022 de 12 de Dezembro) e integram as margens das águas costeiras como domínio público marítimo (as quais, por sua vez, integram o domínio público hídrico) e cuja competência para licenciar é, resultante da transferência de competências, da Autarquia, da Câmara Municipal.

Acresce que, no caso especifico da Munícipe, um dos “polígonos preferenciais de implantação” (com um tracejado preto, no lado direito do acesso do pontão de praia) engloba a localização do apoio sazonal que a Munícipe instala a cada época balnear. 

Sobre a verificação cumulativa das quatro condições definidas, parece-me que não restarão dúvidas na cumulatividade das mesmas, no caso em apreço. Digo eu, que não percebo nada de nada de verificações cumulativas, nem de Domínio Público Marítimo, nem de apoios de praia, nem de POC-EO, nem de transferência de competências, nem de nada de nada.  

Absolutamente lamentável. Talvez não fosse má ideia a Câmara Municipal promover uma qualquer acção de formação sobre o POC-EO a ela própria. E explicar como é que está a proceder a uma alteração de regulamento que visa (entre outros) taxar a instalação de apoios balneares por períodos inferiores a um ano e que podem não estar previstos no POC-EO (como é o caso).

Voltemos aos mapas: 

Com um traço amarelo, é identificada a “Linha Limite da Margem”.

Diz o “Relatório do Programa da Orla Costeira Espichel-Odeceixe” (LINK - página 79) que transcrevo parcialmente:

A Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na sua redação atual, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, define as margens das águas costeiras como domínio público marítimo (as quais, por sua vez, integram o domínio público hídrico), cuja titularidade se presume pertencer ao Estado. De acordo com este diploma legal, é entendido como margem “uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas” e que, no caso do POC, está sujeita à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias e tem a largura de 50 m.

Ora como todos sabemos, a gestão do domínio público hídrico foi uma das competências transferidas para as Autarquias. Aliás, o “PROJETO DE ALTERAÇÃO AO REGULAMENTO E TABELA DE TAXAS MUNICIPAIS – 6.ª Alteração” do Município de Sesimbra, cuja consulta pública está a decorrer (e na qual todos podemos participar mas apenas presencialmente ou através de carta dirigida ao Presidente; onde é que já se viu disponibilizar um endereço electrónico?), uma das alterações introduzidas é relativa a “TAXAS DEVIDAS PELO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIAS TRANSFERIDAS AO ABRIGO DA LEI N.º 50/2028, DE 16 DE AGOSTO -  SECÇÃO I DOMINIO PÚBLICO HIDRICO”.

E o primeiro artigo (53º) com o titulo “Ocupação dos terrenos do domínio público hídrico” define no seu número 1 “Apoios de praia e equipamentos” e, na alínea a), pasme-se, define: 

a) Temporários, por m2/ano

E o ponto 6 do mesmo artigo refere que (transcrevo):

Quando a ocupação for realizada por um período inferior a um ano, o valor m2 previsto nos números anteriores será devido na proporção do período máximo de ocupação previsto no título de utilização, com o limite mínimo de um mês.” 

Talvez fosse importante explicar como é que a Câmara está a proceder a uma alteração de regulamento que visa (entre outros) taxar a instalação de apoios de praia e equipamentos por períodos inferiores a um ano e que podem não estar previstos no POC-EO (como é o caso).

E uma sugestão: para que as praias do Concelho não se transformem num amontoado de apoios balneares sazonais, talvez não fosse má ideia fazer um Regulamento Municipal para as Praias do Concelho de Sesimbra (conforme já fizeram, aprovaram e publicaram a esmagadora maioria dos Concelhos que têm praias e que as pretendem manter públicas e com regras bem definidas). Para que a a admissibilidade de licenciar ocupações temporárias do Domínio Público Marítimo não ande ao sabor da maré!

E já agora: a responsabilidade da APSS sobre o POC-EO é a mesma que terá a Câmara Municipal de Sesimbra e todas as entidades que integraram a Comissão Consultiva. Nem mais, nem menos. E a Câmara Municipal de Sesimbra, emitindo parecer desfavorável ao POC-EO (não enquanto membro da Comissão Consultiva mas enquanto entidade consultada) não disse uma palavra sobre este assunto em concreto. 

E nem teria de dizer. 

Porque, conforme define o “Regulamento de Gestão das Praias do Troço Espichel-Odeceixe”, “é admissível o licenciamento de ocupações temporárias do Domínio Público Marítimo, não previstos em Plano de Intervenção, em praias marítimas classificadas como tipos I e II, por períodos inferiores a um ano”. 

E reforço: faça-se um regulamento para que as admissibilidades de ocupações temporárias, não andem ao sabor da maré!

Absolutamente lamentável.


FONTE DA IMAGEM: sintracascaissesimbra.com 

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