A CASA DA DONA LUÍSA EMÍLIA VAI SER DEMOLIDA

Conheci a Dona Luísa Emília. Uma senhora. Sempre cuidada, penteada, de batom vermelho nos lábios e uma bengala que a amparava. Queria ter estudado matemática aplicada. Mas não conseguiu realizar esse sonho; o pai morreu e ela, com pouco mais de 20 anos, assumiu os negócios, desistindo do curso e de um futuro completamente diferente. Confessou-me que não foi nada fácil, uma miúda chegar assim, de repente, para gerir e mandar em homens. E que teve vários pretendentes. Mas só um grande amor. A vida, fê-la viver para o trabalho, para os negócios, mantendo e aumentando o património do pai. Foi porventura, a maior benemérita de Sesimbra. Zelando sempre, sempre, pela preservação e respeito do seu património. 

Nunca nos seus maiores pesadelos a Dona Luísa Emília terá sonhado que a sua casa seria demolida. Assim, do dia para a noite. Sem justificações, considerações ou contemplações. A verdade é que, pela localização que a casa tem e pelo terreno livre que a envolve, seria de esperar que um dia, essa realidade pudesse vir a acontecer. Porque o novo proprietário e promotor da nova construção, não está como é óbvio preocupado com aquela que era a casa da Dona Luísa Emília. Estará preocupado, isso sim, em conseguir viabilidade de construção para realizar o máximo que lhe for autorizado. E conseguiu.

Na primeira reunião de Câmara de Setembro (realizada no passado dia 7), o executivo precisou apenas de 50 segundos para viabilizar a construção de um edifício de habitação, comércio e serviços, com cerca de 1.500 m2 de construção, 2 caves e 3 pisos (+ 1 piso recuado), e sem qualquer lugar de estacionamento público. Depois da leitura do ponto 2 dos requerimentos e processos, as perguntas da praxe (“Quem vota contra? Quem se abstém?”) e a conclusão: “aprovado por unanimidade”. Sem perguntas e sem qualquer tipo de dúvidas. Limpinho.

Mas claro, a mim, as perguntas e dúvidas tenho-as às dezenas. E confesso que, estranhamente, até começo a sentir alguma saudade do anterior executivo. Nomeadamente daqueles que eram os dois vereadores eleitos pelo PS: sem pelouros, sem tempos ou meios-tempos, sem ilusões de que as suas opiniões contavam para alguma coisa na gestão PCP e que, aguentaram estoicamente, durante quatros anos, participar nas reuniões de Câmara, colocando dúvidas e provocando o debate de ideias relativamente aos pontos da ordem de trabalhos que consideravam demasiadamente importantes para que fossem aprovados em silêncio. Um dos maiores exemplos do que refiro, terá sido porventura a viabilidade de construção da Rua Amélia Frade: foi graças às perguntas dos vereadores socialistas que o povo sesimbrense ficou a saber o que raio vai (?) acontecer no terreno da antiga conserveira. E apesar de terem, na altura, votado favoravelmente, fizeram-no com debate, obrigando a explicações e considerações (conforme referi AQUI), justificando o seu voto. 

Foi pena esta viabilidade (sobre a casa da Dona Luísa Emília) não ter sido requerida no anterior mandato. Porque até já estou a imaginar as muitas perguntas que os dois vereadores do PS teriam colocado ao executivo PCP. E claro que, mesmo votando favoravelmente, entregariam justificação de voto face aos considerandos que tivessem produzido na análise do assunto em reunião de Câmara.

A verdade é que os actuais 3 vereadores do PS, com pelouros, tempos e meios-tempos e com a ilusão de que partilham a gestão camarária, (que é afinal, apenas participada), não têm dúvidas nem questões. E se as têm, preferem discuti-las nas reuniões preparatórias de Câmara, à porta fechada e bem longe dos sesimbrenses calhandros, dados a opiniões e considerações.

A casa da Dona Luísa Emília vai ser demolida. Importa referir aquele que será o novo instrumento de gestão do território em vigor: o Programa da Orla Costeira Espichel Odeceixe (POC-EO) e que, classifica toda a marginal de Sesimbra como “Margem” onde, entre outros, é proibida a realização de obras de construção, excepto aquelas que (e cito) “visem exclusivamente retificações volumétricas e harmonização com a cércea dominante”. Quer isto dizer que a casa da Dona Luísa Emília até pode ser demolida desde que, essa demolição, vise harmonizar o tecido urbano. Mas para que essa harmonização seja possível, compete ao executivo camarário (diz o POC-EO) assegurar que, a nova edificação, não irá agravar a exposição aos riscos que já são conhecidos (relativamente aos cenários climáticos) como sejam o galgamento costeiro.

E sobre esta matéria concreta, ninguém teve qualquer tipo de dúvida ou questão. Diz o POC-EO que são proibidas (entre outras), nas novas edificações que se localizem nestas áreas de galgamento costeiro, a construção de caves. Conforme referi na minha participação sobre o POC-EO), com a subida do nível médio do mar e o galgamento e inundação das áreas urbanas adjacentes, também o avanço subterrâneo das águas do mar causará danos. Quer isto dizer que, se o terreno existente for escavado para construir uma cave, esse volume que era de terra, passará a ser de ar. Significa que, se o avanço subterrâneo do mar, encontrar solo vulnerável que, em vez de massa física pesada (terra) encontra uma caixa-de-ar (piso da cave entre lajes) a mesma poderá ceder/abater dado que o terreno onde se implementou é agora ocupado por mar. 

Ora a viabilidade aprovada por unanimidade e sem perguntas ou esclarecimentos, aprovou a constituição de dois pisos em cave. Quero acreditar que nenhum de nós estará cá para presenciar tamanha tragédia se, por um acaso (que está previsto e considerado) os edifícios da marginal de Sesimbra vierem a colapsar. Nomeadamente os mais recentes e que remexeram os terrenos, abriram buracos gigantescos e consolidaram caves. Mas, imaginemos por breves segundos que, depois de realizado, o novo edifício colapsa. De quem será a responsabilidade? Do promotor? Ou do executivo que aprovou em silêncio, a construção de duas caves numa zona de risco e perfeitamente identificada no POC-EO?

Dirão: o POC-EO ainda não é lei. É verdade. Mas podemos nós, todos nós, ignorar os dados públicos e concretos que nos alertam do perigo futuro?, apenas com o argumento de que ainda não são lei? Não é essa, na minha opinião (que é só disso que se trata) a posição que um executivo camarário deve ter perante a gestão do território municipal. Nem tão pouco argumentar com aquela frase patética e irresponsável de que “temos de aprovar isto agora porque depois já não pode ser…”

Para o futuro, ficarão as consciências de cada um. Se as tiverem claro. 

Diz o mesmo POC-EO (que ainda não é lei) que nas zonas de “Margem” sujeitas a galgamento oceânico, estarão proibidas obras de construção excepto e transcrevo parcialmente: “Direitos pré-existentes e juridicamente consolidados, à data de entrada em vigor do POC.” 

Ora o que o executivo municipal aprovou por unanimidade, em 50 segundos e em silêncio, foram apenas direitos construtivos que estarão consolidados antes da entrada em vigor do POC. Nem sei que diga.

Sesimbra mudou de facto. É pena.

O executivo camarário está totalmente absorvido. Tiro o chapéu ao PCP. Que grande feito. E de elevada inteligência estratégica política (e aqui, não estou a ironizar). Aquela que parecia ser uma pesada derrota eleitoral revela-se, ao fim de um ano, uma maioria absolutíssima na Câmara e na Assembleia Municipal. 

E arrisco um conselho: em 2025, a maioria absoluta está assegurada com, se for o caso, umas assessorias, tempos e meios-tempos aos restantes eleitos na tal gestão partilhada que é afinal apenas participada. Que esta estratégia política do PCP sirva de inspiração e lição para o futuro de quem vier a ganhar o próximo acto eleitoral autárquico. 

E permitam-me adiantar desde já o que será a próxima reunião de Câmara: um período antes da ordem do dia com mais de meia hora dedicada a cumprimentos (ao Presidente, aos Vereadores, às Vereadoras, aos técnicos da Câmara que asseguram a transmissão, ao público presente, ao público que está em casa,…. Sinceramente não percebo porque é que não cumprimentam também, as senhoras da Câmara que acompanham os trabalhos da reunião, as senhoras que asseguram a limpeza do espaço, as senhoras que enchem as garrafas com água e as colocam nas secretárias,… Pergunto: mas então ninguém se cumprimentou antes da reunião de Câmara se iniciar? Que cansaço.) Segue-se depois deste rol de cumprimentos, mais meia hora dedicada a agradecimentos (aos serviços camarários e aos trabalhadores da Autarquia por se empenharem na realização de um sem número de eventos,… Sinceramente, não percebo porque é que não agradecem também, aos técnicos da Câmara que emitiram pareceres sobre muitos dos pontos da ordem de trabalhos, aos funcionários administrativos que produziram a própria da ordem de trabalhos, aos promotores privados por terem requerido licenciamentos e pedidos de viabilidade,… às misses, ao sol por ter nascido mais um dia, ao Senhor por ainda continuar a fazer o planeta girar e a vida acontecer,… Caramba!). E logo de seguida, os minutos intermináveis dedicados ao regozijo (pelos muitos eventos que decorreram em apenas 15 dias e que em muito enalteceram o território sesimbrense,… pelas fotografias que conseguiram tirar ao lado das misses, pelos belos petiscos da Festa da Luz,... Um grande bem-haja. Que tristeza.) Depois, deste cansaço difícil de adjectivar, talvez, para não variar, uma pergunta sobre a Carris Metropolitana ou outra qualquer matéria que esteja a invadir a opinião pública sesimbrense. 

E quando finalmente entrarem na ordem de trabalhos, é tudo aprovado em silêncio, limpinho e sem caroço. Já foi tudo esclarecido à porta fechada. Não há cá perguntas ou considerações. A mim, parece-me que por vezes, o silêncio nas aprovações unânimes surpreende até o executivo PCP. Se repararem, a expressão do Presidente nalgumas das aprovações (antes de fazer as perguntas da praxe) é do tipo “então mas eles não dizem nada?!?”

E até tenho uma sugestão: porque não fazer um único ponto com todos os pontos e aprovar de uma só vez? Era meia hora que poupavam com leituras e a repetição consecutiva das duas perguntas e respectiva conclusão: “quem vota contra?; quem se abstém?; aprovado por unanimidade!” 

E faço aqui um pedido às senhoras que enchem as garrafas de água e as colocam nas secretárias: da próxima vez, coloquem duas garrafas com água na secretária do Presidente. A repetir sempre o mesmo, em intervalos de 50 segundos, deve ficar com a garganta seca!



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