Diz o saber popular que quando qualquer coisa absurda surge no meio de um qualquer assunto mais delicado, todos fingem não ver, ignorando-o. Mas é difícil fingir, não ver, ignorar, porque o assunto delicado tem o tamanho de um elefante! É a expressão popular conhecida por “está um elefante na sala!”
Vem isto a propósito da última reunião de Câmara do passado dia 21 de Abril. E antes de me alongar, confesso que foi uma reunião cheia de matérias tão… como direi… ricas, e às quais irei dedicar alguns post. Não sei quantos serão os posts, tal é a riqueza de deliberações, justificações, perguntas, respostas e aprovações ocorridas. Peço desde já por isso, alguma paciência porque os assuntos são demasiadamente sérios e importantes para passarem incólumes. Comecemos pelo ponto 1 do período da ordem do dia (relativo a requerimentos e processos) que visava deliberar sobre e cito: “Viabilidade de construção de edifício de uso misto, equipamento, habitação e turismo – Rua Amélia Frade – Vila de Sesimbra.”
A discussão, análise, perguntas e respostas sobre este ponto durou uma hora e nove minutos. Falou-se, para além do assunto a deliberar, das rendas apoiadas, das rendas acessíveis, da construção a custos controlados, da estratégia local de habitação, da desertificação,… E por fim, ocorreu a deliberação de acordo com o programa e parâmetros definidos e que, como é normal e banal, ocorreu por unanimidade. E aqui vou enfatizar a palavra UNANIMIDADE.
E dos vários pontos que integram a deliberação, vou apenas destacar dois:
- o índice de construção aprovado corresponde a 1.3 ;
- a área destinada a estacionamento tem capacidade para 181 lugares.
Comecemos por partes. Conforme tenho vindo a referir, o PDM está em revisão sendo que obrigatoriamente terá de ser revisto em baixa. Rever em baixa significa reduzir capacidade construtiva. Ou seja, reduzir índices de construção, áreas de construção, áreas de implantação, número de pisos, número de fogos, cérceas, volumetrias,… e também, no caso do uso do solo, anular a possibilidade construtiva em propriedades que nos últimos 24 anos não realizaram qualquer tipo de operação urbanística sendo que, nestes casos, o solo (de acordo com a Lei de Solos) passará a solo rural. Quer isto dizer que, se a capacidade construtiva é reduzida, as áreas destinadas ao espaço público, equipamentos, zonas verdes, estacionamentos, vias e alargamento de vias para implementação de redes de mobilidade pedonais, cicláveis, arborizadas,… serão revistas em alta, até porque os valores definidos pela lei do país para estas matérias, são os mínimos exigíveis.
Conforme referi naquele QUE SERÁ O MAIOR ATENTADO URBANÍSTICO DA VILA DE SESIMBRA - O MONO DA VILA AMÁLIA, o PDM, sendo o único instrumento de ordenamento do território em vigor na Vila de Sesimbra define como classificação do solo: “espaço urbano/urbanizável” sendo que os parâmetros aplicáveis estão consignados no seu artigo 81º., definindo “espaço residencial H5”. E antes de avançar apenas uma consideração:
- a revisão do PDM tendo de, obrigatoriamente, ocorrer em baixa, significa que os parâmetros urbanos aplicáveis e consignados no artigo 81º., terão de ser revistos e reduzidos.
Ou seja, o índice de construção definido no PDM (menor ou igual a 0.8) terá de ser reduzido, terá de ser inferior a 0.8 com a Revisão. Da mesma forma que o estacionamento mínimo definido no PDM, deverá de ser maior com a Revisão.
Abordarei em primeiro lugar o estacionamento. E transcrevo textualmente o que foi dito na reunião de Câmara:
“Já agora uma pergunta: temos noção de quantos lugares serão de estacionamento público ou… (vozes várias)… 100 lugares?, 100 lugares. Ok.”
“… é uma intervenção urbanística que tem um impacto muito grande na Vila de Sesimbra, em termos de melhorar as condições de acesso, de… de estacionamento que é tão importante aqui também no núcleo da Vila.”
“E uma questão rápida: na Rua da Cruz, pelo que se percebe aqui das imagens, deixa de ter estacionamento?… (é referido que "mantém o estacionamento")… (vozes várias)… exacto, exactamente… porque aqui não aparece o estacionamento no desenho ou na maquete como se queira chamar (…) e a Amélia Frade vai ter estacionamento paralelo na mesma? (é referido que "vai ter estacionamento")… aqui também não aparece, aparece um desenho mas não aparece…”
“Vai ter estacionamento, e em cave estamos a falar…”
“… este edifício associado à construção de lugares públicos de estacionamento e os 100 lugares públicos de estacionamento numa zona onde neste momento… os que estão na rua vão-se manter, não é?, portanto não vamos referir os que estão na rua. Vamos criar mais 100 lugares em cave… estamos a falar para além de todos os outros que são lugares de estacionamento privado associados às fracções que vão ser construídas e nomeadamente do apart-hotel… mais 100 lugares de estacionamento público...”
De acordo com o que já referi no CAOS DO ESTACIONAMENTO NA VILA DE SESIMBRA, qualquer operação urbanística tem, obrigatoriamente, uma área de cedência para constituir lugares de estacionamento (público e privado). A ideia é a de que cada operação urbanística resolva o seu problema de estacionamento, assegurando a eficiência do mesmo para os veículos dos habitantes e comerciantes que venham a ocupar os fogos, comércios ou serviços que se propõem executar. Se cumprir os parâmetros definidos para os lugares de estacionamento, estará apenas a cumprir a lei, não acrescentando nem diminuindo a capacidade de estacionamento existente.
Seguindo o definido pelo regulamento do PDM ter-se-iam de constituir, no mínimo, 181 lugares de estacionamento (que corresponde ao deliberado). Mas, atendendo a que se encontra a decorrer a Revisão do PDM e que terá de cumprir obrigatoriamente (se não definir valores superiores), a Portaria n.º 216-B/2008, de 3 de Março (que estabelece entre outros, o número mínimo de lugares de estacionamento a realizar por cada operação urbanística, apenas e só para garantir a resolução do seu próprio estacionamento), porquanto a mesma apresenta parâmetros superiores relativamente ao estacionamento, estaremos a falar de cerca de 300 lugares de estacionamento. Assim, a deliberação por unanimidade, aprovou apenas 181 lugares, como uma mais-valia para o local, ao invés dos cerca de 300 lugares nos termos definidos por lei, afirmando que 100 lugares serão públicos (apesar dessa afirmação não constar sequer na proposta).
Relativamente ao índice de construção aprovado, não houve qualquer tipo de referência. De explicação. De pergunta e resposta. Apenas interessou falar do estacionamento (com base em pressupostos desconformes com a lei do país e que se sobrepõem ao PDM em revisão). Assim, vou apenas referir, e no seguimento do que acima explanei: índice de construção do PDM: igual ou menor a 0.8; índice de construção aprovado por UNANIMIDADE: igual a 1.3.
Foi portanto aprovado por UNANIMIDADE, um índice absurdo que quase duplica o índice em vigor e que terá obrigatoriamente de ser menor com a Revisão do PDM, completamente ignorado no meio de uma deliberação com um enorme “elefante na sala!” Nem sei que diga.
Talvez dizer que ainda irá a tempo uma revogação da deliberação. Por vários factores:
- os desenhos constantes no processo não estão correctos, de acordo com o afirmado sobre o estacionamento nas ruas da Cruz e Amélia Frade: “não aparece o estacionamento no desenho”;
- com base na afirmação transmitida na reunião e que transcrevo textualmente: “o próprio promotor está, apesar do PIP (Pedido de Informação Prévia) ser assim, é o que nós vamos aprovar, transformar o hotel-apartamentos, em hotel normal, portanto hotel mais convencional. Portanto o que está é um hotel-apartamentos e existe essa proposta.”
- a deliberação aparentemente terá aprovado uma superfície comercial no piso térreo, quando ainda estão a decorrer “diligências” para, e transcrevo novamente textualmente a reunião de Câmara: “se passar, se alterar o uso para, não para comércio mas para serviços…”
- os estacionamentos previstos (181) ficam aquém do legalmente exigido sendo que, não consta da deliberação que 100 lugares serão públicos;
- não é cumprido o índice de construção definido pelo PDM, sendo que não existe outro índice aprovado e em vigor.
A mim, e é apenas a minha opinião, parece-me que a deliberação camarária por UNANIMIDADE serviu apenas para vincular o índice de construção e nada mais. Vinculação essa que durará um ano, mesmo se a Revisão do PDM for entretanto publicada com um valor inferior. E pasme-se, pode ser prorrogada anualmente por decisão do Presidente (conforme estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação). Um enorme elefante esteve sempre ali, naquela sala do Auditório Conde Ferreira, enquanto a discussão ia acontecendo e ninguém terá reparado. INACREDITÁVEL.
Resumindo: o promotor conforme foi referido, já não pretende um hotel-apartamentos mas sim um hotel convencional; os desenhos apresentados são omissos, nomeadamente em relação aos lugares de estacionamento nas ruas; estão a decorrer negociações para que seja alterado o uso de comércio para serviços; o estacionamento é inferior ao legalmente exigido; não é cumprido o índice de construção, verificando-se um acréscimo de área de construção.
Perdoem-me o extenso texto mas, será só a mim que tudo isto parece absolutamente inacreditável? Afinal quais são os pontos constantes na proposta de deliberação que estarão válidos? Qual terá sido esta hipotética pressa de aprovação, a menos de seis meses das eleições autárquicas? Em desrespeito em primeiro lugar, pelo órgão que delibera e que representa os sesimbrenses? Ninguém leu o PDM? Ninguém leu a Portaria? Ninguém leu o regime jurídico da urbanização e edificação? E a tabela de taxas?, alguém terá lido?
Não posso deixar também de referir outros dois dados constantes na deliberação e que transcrevo:
“- A construção existente na propriedade, em alvenaria de tijolo à vista, é mantida, recuperada e integrada na nova proposta, como forma de preservar a memória do local, uma vez que constitui uma referência histórica da vila.
- Requalificação/reordenamento do Largo Eusébio Leão e o aumento do espaço público adjacente.”
“A construção existente na propriedade, em alvenaria de tijolo à vista” corresponde a um dos edifícios da antiga fábrica de conservas, paredes meias com o Largo Eusébio Leão. Conforme o que foi referido na reunião de Câmara será a “manter aquela fachada, no fundo é a memória, o único símbolo que ali está ainda da antiga fábrica.”
Há cerca de uns oito/nove meses, foram divulgadas nas redes sociais imagens 3D do hotel-apartamentos como “Yes Sesimbra”, mostrando o que resta da antiga fábrica de conservas (fachada em tijolo) sendo que a cobertura irrompia dentro da piscina de transbordo do hotel-apartamentos. Isto é, a piscina de transbordo do hotel-apartamentos envolvia o telhado de duas águas da fábrica de conservas.
Imaginem portanto uma piscina de transbordo. E de repente, sai um telhado da antiga fábrica de conservas! E as varandas de grande parte dos apartamentos, têm vista directa, não para a piscina de transbordo mas para o telhado de duas águas. Lindo. Perfeitamente integrado e apetecível. Segundo as palavras utilizadas na reunião de Câmara: “é um projecto bonito” sendo que se trata de um “equipamento que pelas imagens é simpático para a Vila” enfatizando-se que “o projecto é bem bonito de facto.” Não sei se as imagens 3D serão outras, diferentes das que foram então partilhadas nas redes sociais mas, na minha opinião, num investimento desta envergadura, numa piscina de transbordo, irromper um telhado de 2 águas aparentemente metálico “é bem bonito de facto.” 😊É só a minha opinião e desconhecendo por completo o que raio foi afinal aprovado, em termos de desenhos/imagens 3D.
Pretende a Câmara adquirir esse espaço da antiga fábrica de conservas (que refere ter cerca de 3.000m2) para ali instalar serviços camarários, “nomeadamente os que estão instalados aqui na zona, nas antigas instalações do ciclo preparatório.” Imaginem, serviços camarários por baixo de um hotel-apartamentos (que afinal irá ser um hotel convencional), com uma piscina de transbordo a rodear a cobertura. Já estou a imaginar os trabalhadores da Câmara em pleno verão, a serem salpicados pelos pingos da piscina de transbordo, enquanto se ouvem os splashs dos seus utilizadores. Que maldade para quem está a trabalhar! 😊 Pergunto: então e o mono da Vila Amália disfarçado de novo edifício municipal não tem capacidade para albergar os trabalhadores do antigo ciclo? Desculpem-me a confusão, o mono da Vila Amália é apenas uma promessa eleitoral sem prazo definido pelo que, até lá, a Câmara tem de ir gastando mais uns milhares a comprar, alugar, arrendar, os espaços necessários para dignificar os postos de trabalho e dos trabalhadores. E enquanto gasta e não gasta, promete o novo edifício municipal. Valha-nos Deus. Haja paciência.
Sobre a “Requalificação/reordenamento do Largo Eusébio Leão e o aumento do espaço público adjacente” e segundo as afirmações da reunião de Câmara, “o Largo Eusébio Leão triplica a sua área.” Ora se o Largo Eusébio Leão triplicar a sua área, das duas uma, ou parte da antiga fábrica de conservas é demolida (até pelo menos ao cruzamento com a Rua de São João) ou, as construções existentes a sul do largo serão totalmente demolidas até à Rua Coronel Barreto!
O que fica evidente desta deliberação é que o elefante esteve sempre na sala e foi baralhando as ideias e as justificações apresentadas. Não há dados concretos nem se sabe o que afinal foi aprovado. Não é divulgado número de fogos nem de apartamentos em regime hoteleiro. É tudo no ar, como se fosse uma grande paródia, aprovando o que jamais poderia ser aprovado. Mais grave ainda, atribuindo uma possibilidade construtiva (porque é apenas disso que se trata) vinculativa durante um ano e renovável. Ou seja, quem vier a seguir leva com o “elefante na sala.” E que, inacreditavelmente, foi aprovado por unanimidade. UNANIMIDADE!!
Sou completamente contra esta operação urbanística desrespeitando completamente o regulamento do PDM. Sou completamente contra o aumento do índice de construção, sem que tenha sido apresentada uma única justificação. Sem que tenha sido colocada uma única questão. Pergunto: qual é o índice previsto para esta zona, na revisão do PDM? E qual é a posição/parecer da CCDR, uma vez que a revisão do PDM não estando aprovada, não tem qualquer tipo de base legal para alterar parâmetros em vigor?
Sou completamente contra a deslocação de serviços camarários para o que resta da antiga fábrica de conservas. Não pode em pleno século XXI, com as promessas que são feitas e até, pasme-se, publicadas como verdades, continuar com uma estratégia camarária, que insiste na aquisição ou no aluguer ou no arrendar de espaços para sanar carências e situações que em nada dignificam em primeiro lugar os trabalhadores e depois, a própria entidade que representam.
Transcrevo aqui algumas frases de uma reportagem sobre reabilitação de edifícios industriais e que marcaram uma época, sem identificar quais são e onde se localizam mas apenas para ilustrar o que já se faz um pouco por todo o lado:
“São edifícios degradados, pensados para um determinado momento histórico, que têm de ser adaptados às novas funções. Mas mais importante que o edifício é a memória.”
“É preciso preservar esta memória e até sensibilizar alguns promotores imobiliários para estes edifícios que, depois de reestruturados, podem servir necessidades actuais.”
“A valorização do património industrial pode acrescentar valor imobiliário”.
“A fábrica pertence à memória colectiva (…) vai ser devolvida à Vila (…) vamos preservar (…) para construir uma unidade hoteleira que faz falta ao concelho e aumentar a dinâmica económica.”
Na minha opinião, o que resta da fábrica de conservas deveria ser recuperado e revitalizado, dignificando a memória colectiva da Vila de Sesimbra e dos sesimbrenses, introduzindo na sua reabilitação elementos marcantes dessa actividade, dessa existência. No fundo, transformar a fábrica de conservas na grande entrada do hotel (seja ele o que for), numa homenagem ao local, à história de Sesimbra, com registos, artefactos, memórias, imagens,… e nesse espaço de entrada, introduzir zonas de estar, de bar, de restaurante aberto para o Largo Eusébio Leão, prevendo lojas de artigos seleccionados, de qualidade e portugueses, enfatizando a raiz primeira de Sesimbra: a pesca e uma das suas grandes indústrias: as conserveiras.
Mas esta é apenas a minha opinião, completamente criticável e questionável. O que não é questionável e criticável será tudo o que levou a esta absurda aprovação camarária. É urgente uma explicação, um esclarecimento. É urgente anular, reverter a deliberação tomada. É urgente terminar e publicar a Revisão do PDM.
É urgente uma estratégia, uma visão para o concelho de Sesimbra. E como foi afirmado na reunião de Câmara: “temos que ter uma visão… e não só ser da boca para fora em relação à fixação da população na Vila de Sesimbra… e isso faz-se com propostas concretas, com processos concretos e com soluções concretas que não passam só pelo reforçar da capacidade hoteleira (…) façamos todos um esforço para perceber em que tipo de espaços é que podemos intervir em termos de requalificação na Vila de Sesimbra, que possamos transformar em apartamentos para que as pessoas se possam fixar cá, e isto não ser só palavras da boca para fora: a nossa preocupação com a desertificação da Vila.”
E a resposta: “sobre essa questão também temos novidades!” (risos, risos…)
“Novidades” e “surpresas!” desprovidas de qualquer estratégia, sem coerência ou objectivo a alcançar. Valha-nos Deus. Que cansaço.
FONTE DA IMAGEM: odeopinar.blogspot.com
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