MULHERES!

Mais um “Dia da Mulher”. Mais um dia cínico, vazio e desprovido do seu verdadeiro significado. O “Dia da Mulher” reduzido a comemoração festiva, consumista, comercial, com flores e florzinhas, jantares e jantarinhos, risos e risinhos, chocolates e chocolatinhos. E as mulheres alinham nesta palhaçada, como se de facto este fosse o seu dia e por isso, especial. 

Este, não é o “Dia da Mulher”. Este é o dia em que uma parte do mundo se lembra, durante 24 horas, das mulheres. E amanhã, esta parte do mundo que se lembra das mulheres, volta à rotina normal e não se fala mais nisso. No caso de Portugal, e conforme referi o ano passado, a mulher portuguesa é, no Plano de Recuperação e Resiliência, uma “coisa” à qual é necessário atribuir uma verba e fazer uma reforma estrutural (como se as mulheres fossem uma empresa, ou um negócio, ou uma actividade económica) e por isso, é esperar pelas verbas do PRR e resolver de vez esta “coisa”. 

A outra parte do mundo ignora completamente este dia, dado que as mulheres são apenas matéria que nem sequer merece ser lembrada; as mulheres são apenas um objecto que serve os instintos carnais do homem. Sem pensamentos, sem vontades, sem desejos, sem ambições ou o que quer que seja de emoções. E infelizmente, bastará olhar para o exemplo recente do Afeganistão e a crueza, indiferença e violência com que as mulheres são tratadas: não se podem fazer ouvir em público, não podem rir, não podem ouvir música, não podem sair de casa sem um homem que as acompanhe, não podem maquilhar-se,… Não podem ser actrizes, cantoras, apresentadoras, professoras, médicas,... Podem, apenas e só, existir enquanto elemento imprescindível para gerar vida e fazer nascer, de preferência, homens!

Metade da humanidade são mulheres. Apetece-me utilizar a missiva de Jerónimo de Sousa e apelar à “dinamização da luta de massas”, gritando a plenos pulmões: “corpos com vaginas do mundo inteiro, uni-vos!

O grito não é meu. É de Eugénia Galvão Teles que, num artigo de opinião com este título (“corpos com vaginas do mundo inteiro, uni-vos!”) dava conta de que, uma revista médica com mais de 100 anos, notificava que era chegada a altura de dizer “corpos com vagina” ao invés de “mulheres”. E num tom sério (de aparente brincadeira), questionava para quando a substituição da palavra “homens” por “corpos com pénis” E em tom irónico referia que as “mulheres” serão “aquelas cujo nome não pode ser pronunciado”. Ao que parece, a palavra “Mulher” não é inclusiva pelo que deve ser evitada. E toda uma panóplia de novos termos foi criado, por exemplo: ao invés de “mulher grávida” deveria dizer-se “ser gestante”. E aqui até a palavra “Mãe” pertenceria “àquelas cujo nome não pode ser pronunciado”. 

Estamos no século XXI. Por amor de Deus. “Corpos com vaginas do mundo inteiro, uni-vos!” As mulheres devem unir-se de facto e exigir respeito. Acabe-se com esta comemoração ridícula e desvirtualizada da sua essência e objectivo. A mulher não é uma “coisa”. A mulher não é um acontecimento. A mulher não é uma profissão. A mulher não é uma situação. 

E faço um desafio a todas as mulheres da minha geração, que cresceram sem computadores, telemóveis e internet. Lembram-se dos velhinhos dicionários que utilizávamos na escola?, se ainda tiverem algum, procurem a definição da palavra “mulher”. E depois, procurem a definição para a palavra “homem”. Irão constatar que “homem” é e cito: “um ser humano”. Mas “mulher” é, e cito: “uma pessoa do sexo feminino, depois da puberdade.” 

Talvez estas definições expliquem muita da confusão que se passa no mundo onde, por exemplo, meninas que atingem a puberdade (tornando-se aptas para procriar) casam à força, com homens adultos e velhos. Ou pior, são vendidas pelos pais porque rendem bom dinheiro a partir do momento em que se tornam parideiras e integram “aquelas cujo nome não pode ser pronunciado”.

A mulher é um ser humano. Tal como o homem. 

A mulher é mulher desde o dia em que nasce, passando pela fase de menina, rapariga, adolescente, adulta e idosa. Tal como o homem é homem desde o dia em que nasce, passando pela fase de menino, rapaz, adolescente, adulto e idoso.  

A mulher tem os mesmos direitos e deveres que o homem. Não seremos nunca iguais, até porque genética e fisicamente, homens e mulheres são diferentes. Mas será essa diferença que nos separa, a força motora para que em conjunto, o futuro da humanidade seja mais humano!

A nossa diferença fará toda a diferença. O mundo perde, se abdicar de 50% da sua população. As decisões, as posições e as políticas locais, regionais, nacionais, europeias e mundiais não podem abdicar da plenitude do conjunto de homens e mulheres que, ao invés de ambicionarem uma igualdade, devem isso sim, ambicionar pela valorização da diferença, garantindo os mesmos deveres e direitos, “sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas”, e sem privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar ou isentar por razões “de ascendência, sexo, raça, língua, origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

Isabel Moreira, num artigo de opinião perante a celeuma que está a gerar a hipótese de Edite Estrela poder vir a ser a próxima presidente da Assembleia da República, nomeadamente (e cito) no “mundo normativo, social e politico feito por homens”, afirma que as mulheres provocam desconforto no mundo que é maioritariamente masculino. E cito: “Somos desconforto porque assim que abrimos a boca, ainda que inconscientemente, o mundo patriarcal, que não perde um segundo com a fisicalidade do “ator” masculino (a norma confortável), dispara sobre o nosso tom de voz, averigua acerca da nossa aparência, vigia a nossa “agressividade” e, claro, escrutina meticulosamente cada uma das nossas ações. Seremos credíveis e teremos autoridade se nos aproximarmos da norma, isto é, se quem nos estiver a ver e a ouvir sentir que estamos onde o mundo masculino quis. É por isso que há por aí tantos elogios a mulheres que se dirigem menos à sua inteligência e mais à sua “calma”, à sua “voz pausada” ou à sua “discrição”. (…)

Em pleno século XXI, o mundo ainda é patriarcal. E nesse mundo masculino, ninguém questiona a capacidade ou a competência de um qualquer homem, baseando essa análise no aspecto físico, no tom de voz, ou na “agressividade”. Não. Se para um mesmo cargo, os candidatos forem um homem e uma mulher, aquele que apresentará “melhor perfil” na esmagadora maioria dos casos, é o homem. Diz Isabel Moreira que “quando as mulheres surgem no espaço público, ao contrário dos homens, têm o ónus da prova quanto à credibilidade e à autoridade que nos homens é como que natural. (…) É como se soubéssemos, à partida, mais coisas acerca dos homens, pelo que intuímos que são muito isto e muito aquilo, (…) que o senhor de gravata é impecável, pelo que há que questionar até ao tutano a mulher que avança.”

Corpos com vaginas do mundo inteiro, uni-vos!” 

50% da humanidade, são mulheres. No mundo do trabalho, as mulheres ganham menos 16% do que os homens (e têm mais habilitações). Apenas cerca de 6% dos líderes mundiais são mulheres. “Se os países tivessem mais mulheres líderes, teríamos um mundo mais pacífico” (Dalai Lama). É chegada a hora das mulheres assumirem o seu lugar, exigindo respeito, igualdade, dignidade. Exigindo o escrutínio relativamente à aptidão para ocupar determinado cargo, baseado na capacidade, habilitação e inteligência, não admitindo que entrem na decisão de escolha os factores físicos, o tom de voz ou a “agressividade”.  

E falando em factores físicos, as mulheres não podem permitir que, por exemplo, no recente campeonato de voleibol de praia feminino, a organização (masculina) tenha exigido que as atletas femininas (ao invés de vestirem o normal equipamento de t-shirt e calções), vestissem biquínis para que o jogo se tornasse mais atractivo. Várias seleções recusaram jogar; aquela não era uma mostra de corpos atléticos bronzeados femininos, para bel-prazer do público masculino; tratava-se apenas e só, de um campeonato desportivo sem qualquer tipo de cariz sexual.

Há dois anos escrevi  e repito:

Não gosto do “Dia da Mulher”. Porque a luta por melhores condições de vida e de trabalho não é matéria exclusiva da mulher. A luta por melhores condições de vida e de trabalho não tem sexo. Termina, quando homens e mulheres lutarem pelo mesmo. Não é uma luta de mulheres. É uma luta da humanidade.

Não gosto do “Dia da Mulher”. Porque em pleno século XXI é apenas mais um dia de hipotética alegria e festividade, esquecendo o passado, o presente e o futuro.

Corpos com vaginas do mundo inteiro, uni-vos!” 



FONTE DA IMAGEM: dn.pt



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