LIXO - SESIMBRA

Começo com uma frase proferida na última Assembleia Municipal: “a opinião do cidadão comum vale o que vale.”

E valendo o que vale, a verdade é que o cidadão comum é chamado legalmente, a opinar sobre os mais diversos assuntos, temas e matérias. Aliás, muitos são os documentos legais que não podem ser aprovados sem que sejam ouvidos os cidadãos comuns que, com a sua opinião, podem acrescentar, sugerir, alertar, concordar, discordar,… com o que será uma lei europeia, nacional ou concelhia. “A opinião do cidadão comum vale o que vale.” E vale muito. Sem essa opinião do cidadão comum, não existia democracia. Nem tão pouco um estado livre de direito democrático. Nem poder locar democrático. 

E na sequência dessas obrigações legais para que o cidadão comum opine, foram criadas várias plataformas digitais que disponibilizam todas as propostas de lei que carecem, obrigatoriamente, das chamadas consultas públicas. Porque “a opinião do cidadão comum vale o que vale” e valendo o que vale, é uma mais-valia decorrente da Constituição da República Portuguesa. Porque “o povo é quem mais ordena” e não, os políticos cheios de egocentrismo, e que se vêem como seres supremos e sapientes, olhando para o cidadão comum como seres opiniosos ignorantes e desprovidos de qualquer tipo de raciocínio lógico. Excepto, conforme já referi (REQUALIFICAÇÃO DA MATA DA VILA AMÁLIA) quando se iniciam as campanhas eleitorais. E aí, lá têm de descer dos pedestais e abordar o povo, o cidadão comum, com falinhas mansas, risinhos e cumprimentos. Simpatias que duram 15 dias. Afinal estão em causa mais quatro anos de poder que julgam ter. 

A opinião do cidadão comum vale o que vale”. Que o cidadão comum se lembre disso quando for votar. E que os candidatos a políticos eleitos também se lembrem desta frase proferida na Assembleia Municipal quando ficarem dependentes dessa “opinião do cidadão comum.”

Perdoem-me esta introdução mas a mesma é fundamental para o que se segue. Até porque consolida esta frase numa verdade absoluta. Na página da Câmara Municipal de Sesimbra, surge uma espécie de separador com o título “consultas públicas” que, intercalado com outros separadores, vai aparecendo e desaparecendo, numa rotatividade mais ou menos perdida e sem dar nas vistas. Porque “a opinião do cidadão comum vale o que vale” e sendo obrigatória a consulta pública, porque não disfarçá-la, escondê-la, torná-la invisível? Cumprindo apenas a imposição legal mas, não perdendo tempo com opiniões de cidadãos comuns que valem o que valem? 

No resto do país, as “consultas públicas” são para ser bem visíveis e dar nas vistas. Diria que uma “consulta pública” é, por natureza, um documento exibicionista. E sendo exibicionista ambiciona que todos o possam ver. Até os mais distraídos. Porque, para além de exibicionista, direi que uma “consulta pública” será também um documento chato. Chato no sentido de chatear sempre com a sua presença exuberante.

Infelizmente, as “consultas públicas” na página da Câmara Municipal de Sesimbra, são tímidas, reservadas e detestam dar nas vistas. Nem pensar torná-las numa notícia com uma grande fotografia e letras garrafais! As “consultas públicas” sentiriam a maior vergonha das suas vidas perante essa exposição, esse protagonismo. Assim, ficam lá escondidas, por detrás de um separador, passando despercebidas. Como se nem sequer existissem. 

A verdade é que, acidentalmente e sem perceber como, entrei nesse separador de “consultas públicas” tendo surgido as palavras “a decorrer” e “encerradas”. Cliquei nas palavras “a decorrer”, surgindo o seguinte texto (que transcrevo): 

Consulta pública da Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos – Município de Sesimbra, pelo prazo de 20 dias, a contar do dia seguinte ao da sua publicação no site do município aqui ou na Divisão de Ambiente Urbano desta Câmara Municipal, dias úteis das 9 às 12.30 horas e das 14 às 17.30 horas.” 

E como as “consultas públicas” são, em Sesimbra, documentos tímidos e reservados, o texto não tem data, pelo que ficamos sem saber quando se iniciaram os 20 dias e, em que dia os mesmos terminariam. Isso já seria querer saber muito. Consultei, apenas por curiosidade, aquela que é a publicação camarária sustentada nas palavras “INFORMAÇÃO · PARTICIPAÇÃO · CIDADANIA”: a “NÓS SESIMBRA” de Maio de 2021. Nada. Nem uma palavra sobre a “Consulta pública da Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos – Município de Sesimbra” que iria decorrer em Junho (o que deveria, digo eu, ter sido noticia, dado que se trata de uma revista que incita a população a estar informada, a participar, a exercer a sua cidadania). 

Como é óbvio, e sem perceber nada de nada de Sistemas de Recolha de Biorresíduos, li os documentos que estavam em “consulta pública”: "ESTUDO - RELATÓRIO PRELIMINAR" e “ANEXO I - GESTÃO DOS EFLUENTES". E até tirei algumas notas para enviar a minha participação a esta “consulta pública”. Dois dias depois, voltei ao mesmo separador para ver o endereço electrónico para onde deveriam ser remetidos os contributos. E desta vez, a “consulta pública” “a decorrer” era relativa ao “Eco-Hotel Etosoto” (que a página da Câmara de Sesimbra publicitou timidamente a menos de uma semana do fim do prazo da mesma e sem alaridos, no tal separador que vai aparecendo e desaparecendo, numa rotatividade mais ou menos perdida e sem dar nas vistas). A “Consulta pública da Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos – Município de Sesimbra” tinha desaparecido. 

Voltei atrás e cliquei na palavra “encerradas”. Surgiu uma listagem de anos, sendo que cliquei no ano “2021”. E aqui, nesta pasta “2021” estava agora a “Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos – Município de Sesimbra” que, conforme tudo indica, terá decorrido durante o mês de Junho de 2021.

Até ao dia de hoje, nenhuma notícia surgiu sobre esta “consulta pública”. Nada. Nem um pormenor qualquer. Nem uma simples linha de texto. Curiosamente, o assunto relativo à recolha de lixo, foi abordado na reunião de Câmara de Junho e na última Assembleia Municipal. E, aparentemente, nem o executivo nem os deputados municipais, sabem da existência deste documento. Porque as questões que colocam e os esclarecimentos que recebem, nunca referem ou dão a entender a existência daquele que é um documento fulcral para aquele que será o futuro da recolha de lixo no Concelho de Sesimbra. 

Considero que a “Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos” é um documento demasiadamente importante, vinculativo e com consequências directas nos cofres camarários, nas despesas familiares, nas despesas das empresas, no modo de separar o lixo, na logística associada a essa separação, nas estruturas obrigatórias a desenvolver, nos prazos definidos legalmente para a implementação de medidas,… pelo que faço um apelo a todas as forças politicas, a todos os políticos eleitos e recandidatos, a todos os políticos eleitos e não recandidatos, a todos os políticos não eleitos e candidatos, a todos os cidadãos sesimbrenses, a todos os serviços de restauração e bebidas, a todas as unidades de alojamento, a todo o comércio, a todos sem excepção, que leiam o que consta na “Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos”.

Que este documento seja do conhecimento geral da população. Que seja divulgado por todos os meios de comunicação. Que seja discutido em reunião de Câmara pelo executivo eleito. Que seja analisado e discutido pela Assembleia Municipal, aceitando os contributos de todas as forças politicas representadas. Trata-se de um futuro obrigatório e com consequências a partir de 2023.

E que, conforme resulta da lei, seja efectuada “consulta pública”, devidamente divulgada, de uma forma exibicionista e exuberante. Que entre nas vistas de toda a gente e não fique escondida atrás de um separador absurdo no qual ninguém repara. Que se elaborem folhetos e cartazes. Que se dedique uma publicação inteira a esta mudança que se avizinha e que irá mudar a forma como lidamos com o lixo que produzimos. E que, conforme refere o próprio documento, sejam dinamizadas e cito: “iniciativas de envolvimento da sociedade civil” assim como “sessão de apresentação pública da versão preliminar do estudo (…), dentro das condições possíveis em época de Covid 19”.

E que não passe a ideia absurda de que o investimento camarário que tem vindo a ser efectuado na recolha do lixo, resulta de uma qualquer ideia político/partidária susceptível de ser promovida como “prestação de contas.” O que tem vindo a ser feito sobre esta matéria, que fique claro, resulta apenas de uma obrigação legal imposta a todos os municípios portugueses. Não foi uma ideia desta ou daquela força politica, deste ou daquele político. É uma norma que resulta da União Europeia e é aplicável a todos os estados membros. E não há volta a dar. As autarquias têm de investir, comprar, educar, sensibilizar, divulgar e implementar um novo sistema de recolha de lixo que deverá estar em pleno funcionamento até 2030. E esta verdade é transversal a qualquer um dos estados europeus, a qualquer uma das autarquias do país e, a qualquer força politica eleita.

Resumidamente, trata-se do cumprimento daquelas que foram as regras definidas pelo Decreto-Lei 102-D/2020 de 10 de Dezembro, que estabeleceu o Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR). A saber:

  • A partir de 2024, obrigatoriamente, toda a restauração tem de separar selectivamente o lixo que produz;
  • A partir de 2025, obrigatoriamente, a tarifa dos biorresíduos é separada da tarifa da água;
  • A partir de 2027, só são contabilizados como reciclados, biorresíduos urbanos que entrem em tratamento se tiverem sido objecto de recolha selectiva ou de separação na fonte;
  • A partir de 2030, é proibido enviar para aterro qualquer resíduo susceptível de reciclagem ou valorização.
E para que estes quatro pontos sejam cumpridos, a Câmara Municipal terá de investir, em 9 anos, um montante que pode ascender aos 11 milhões de euros. E se o fizer, resultará numa factura de lixo de cerca de 0,76€ por mês, por habitante. Se não o fizer, reduz o investimento mas sobe exponencialmente a factura do lixo do consumidor final.

Apenas dizer que Biorresíduos são e cito: “os resíduos biodegradáveis de jardins e parques, os resíduos alimentares e de cozinha das habitações, dos escritórios, dos restaurantes, dos grossistas, das cantinas, das unidades de catering e retalho e os resíduos similares das unidades de transformação de alimentos.”

Diz o documento que, no Concelho de Sesimbra, dos resíduos urbanos produzidos, 50,21% correspondem a biorresíduos. Destes, 41,09% correspondem a resíduos alimentares e, 9,12% a resíduos de jardim. No entanto apenas 1% destes resíduos são desviados de aterro. O que significa que, a manter-se esta dinâmica, em que cada um de nós separa o lixo que produz mas a Câmara Municipal não selecciona e valoriza esse mesmo lixo (desviando-o de aterro) em vez de se verem reduzidas as taxas aplicáveis a essa gestão de resíduos (a famosa TGR que vale actualmente 22€ por tonelada de lixo), a mesma será agravada porquanto a recolha não é selectiva nem encaminhada para reciclagem. E onde se reflectirá esse agravamento? Na factura do “cidadão comum” cuja opinião “vale o que vale”.

Ou seja, o que se pretende é que o lixo deixe de ser apenas lixo e se transforme em valor. Valor esse que será contabilizado positivamente, naquela que é a denominada economia circular. À Câmara competirá assegurar uma recolha selectiva, com locais de reciclagem e compostagem (que podem ser individuais ou comunitários), com recolha porta-a-porta, com recolha na via pública, com toda a logística associada por exemplo, à recolha de resíduos de jardim (ramagens, folhas, relva,…) que, sendo uma realidade do Concelho (aliás, o documento faz uma excelente descrição da realidade concelhia, nomeadamente nos perímetros urbanos consolidados, nas áreas rurais dispersas e nas zonas de moradias com jardins) carece efectivamente de uma solução (que o documento aponta) que não passe apenas pela “ocultação” (com a colocação daquelas floreiras e das placas “não polua evolua”) de um problema que continuará a existir mas, provavelmente, num outro local. 

A opinião do cidadão comum vale o que vale.” E enquanto cidadãos comuns, devemos fazer-nos ouvir com opiniões. Até porque o futuro, traduzir-se-á na factura do lixo que produzimos. 

Sobre aquela que viria a ser a minha participação nesta “consulta pública” (tímida e escondida), deixo apenas três notas porque, quero acreditar, a verdadeira “consulta pública”, exuberante, exibicionista, destacada com uma grande fotografia e com letras garrafais, ainda vai acontecer. Esta "consulta pública" (tímida e escondida) que decorreu no mês de Junho, não terá passado de um lapso, de um engano qualquer.

Três notas:

  1. Considero que o documento deveria integrar os valores daquelas que já são aprovações/deliberações camarárias sobre empreendimentos turísticos, nomeadamente sobre o número de camas (que na zona da Aldeia do Meco – conforme referi AQUI - ascendem a 4.000 camas) e respectivos serviços de restauração previstos;
  2. Sobre a recolha selectiva, nomeadamente de resíduos alimentares, considero fundamental acções que visem reduzir o desperdício alimentar; quanto menos lixo for produzido, menor será a factura a pagar;
  3. Considero que o sucesso desta obrigação legal só será possível se a sociedade civil sesimbrense estiver envolvida, participando na mesma activamente; pelo que serão fundamentais acções de sensibilização junto da população, nas escolas e nos serviços de restauração. 
Porque, “a opinião do cidadão comum vale o que vale.” E sobre esta matéria, a opinião do cidadão comum, é demasiadamente importante para ficar entregue apenas àqueles que elegemos como nossos representantes. É um futuro de todos e para todos que está em causa. Com responsabilidade. Com respeito pelo planeta. Cumprindo a meta de 2030, comum a todos os estados membros da União Europeia.


FONTE DA IMAGEM: leca-palmeira.com


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