EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS – MECO
Poderia iniciar este texto de uma maneira aparentemente óbvia. Mas não. Vou começar por divagar em torno da palavra “Planeamento” (e peço desde já alguma paciência a quem dedicar algum do seu tempo à leitura deste texto). A definição constante no dicionário de língua portuguesa diz tratar-se do “estabelecimento de um plano em relação a qualquer objectivo.” Objectivo esse que pode ser financeiro, cultural, estatístico, logístico, familiar, turístico,… associado sempre, à gestão desse mesmo planeamento.
Nos últimos tempos, fruto da pandemia, habituámo-nos a ouvir um sem número de palavras e termos que parecem ser fundamentais para o combate do vírus. Um desses termos, uma dessas palavras, foi planeamento: planeamento do Verão; planeamento do Natal; planeamento do desconfinamento; planeamento das festas; planeamento da vacinação;… E a mesma palavra foi também utilizada para, por exemplo, classificar os festejos ingleses como falta de planeamento. Ou seja, o planeamento passou a fazer parte do léxico diário. E associado a ele, a palavra gestão. Gestão essa que, diariamente, semanalmente, quinzenalmente, mensalmente, revê o planeamento definido, adequando-o às novas realidades e factores externos. Grosso modo, direi que se tratará de rever o planeamento definido face às vicissitudes da realidade e da gestão da mesma.
A verdade é que o planeamento faz parte desde sempre das nossas vidas. Planeamos tendo em vista a concretização de um determinado objectivo. Seja familiar, pessoal, profissional, académico ou até, de lazer. E nesse planeamento que definimos, gerimos as nossas acções, os nossos ímpetos, que possam conduzir ao alcance do objectivo estabelecido. E muitos de nós, a meio do caminho, revêem o planeamento traçado. Porque os factores externos, como este vírus invisível, não permitem viagens, festas, convívios,… E fruto dos efeitos económicos e sociais (provocados pelo vírus), muitos foram aqueles que se viram forçados a rever o planeamento que haviam traçado, porque factores externos (como o desemprego inesperado) inviabilizam o crescimento familiar, o investimento pessoal, profissional, académico…
Esta capacidade de planear, com maior ou menor sucesso, é intrínseco a qualquer animal. Será porventura a génese animal mais evidente em qualquer ser humano. E esse planear não resulta de um qualquer conhecimento técnico ou científico, nem tão pouco é fruto de uma qualquer formação. Não. Resume-se apenas ao facto do ser humano, dotado de pensamento, de raciocínio, de inteligência, planear quase tudo, ou tudo, o que envolve a sua existência. E nessa capacidade que tem, consegue antecipar as necessidades, programar actividades e concretizar objectivos. Muitos, de uma forma autodidacta. Apenas porque são seres interessados, pensantes e preocupados com o mundo que os rodeia. E muitos outros são portadores daquela capacidade intrínseca (e que não se aprende) de ler, de interpretar, de fazer perguntas, de formular opiniões. E em pleno século XXI, parece que para alguns, essa capacidade intrínseca, que outros têm, para ler, interpretar, fazer perguntas e formular opiniões é inoportuna. E um hipotético conhecimento técnico ou científico sobre determinada ou determinadas matérias, é até considerado um problema. Adiante.
Poderia de facto ter iniciado este texto de uma maneira aparentemente óbvia. Mas não. Vou continuar apenas a divagar sobre o que é público, acrescentando que não tenho nada contra, absolutamente nada contra empreendimentos turísticos. Sejam eles na Aldeia do Meco, no concelho de Sesimbra, na região de Lisboa, no país, no mundo, no universo!
Atente-se na explicação prestada numa das reuniões da Assembleia Municipal, sobre o Plano Director Municipal de Sesimbra (PDM) e que, transcrevo textualmente: “…aquilo que são as regras actuais do Plano Director Municipal, independentemente do período de Revisão a… em que ele está. O que está em vigor é o que está. Portanto não há, não há um período de nojo entre o início do procedimento da Revisão e a publicação do novo PDM ou PDM revisto. Portanto mantêm-se as regras do que estão, do que está em vigor…”
O que proponho é pois uma leitura das “regras do que estão, do que está em vigor…", relativamente aos empreendimentos turísticos possíveis de realizar na zona do Meco conforme define o PDM de Sesimbra (LINK).
No seu regulamento (artigo 7º.) são definidas as “Unidades Operativas de Planeamento e Gestão” (UOPG), sendo que para a “UOPG 7 – Alfarim” (que integra Fetais, Aldeia do Meco, Torrões, Alfarim, Caixas, Fornos, Roça e Aiana – artigo 56º) é referido que e cito: “se prevê um crescimento turístico, articulado com espaços urbanos/urbanizáveis, espaços agrícolas e espaços agrícolas/florestais.”
Na secção 7 (composta por seis artigos) são definidas as diferentes classes de espaço da “UOPG 7 – Alfarim”, estipulando para cada espaço as respectivas “tipificações de ordenamento”, remetendo para o definido no Capítulo IV que remete para o Capítulo V e para várias secções.
Foquemo-nos no definido para os “espaços turísticos” (artigo 57º), num total de cinco (Casal dos Cardosos, Fetais, Casalinho, Fornos e Aiana) que deverão cumprir o estipulado para empreendimentos turísticos do tipo “T1” (definido pelo artigo 105º) e do qual apenas cito:
- “Índice de construção máximo, não incluindo o equipamento de uso colectivo: 0,15.”
Foquemo-nos agora no definido para “espaços agrícolas/florestais, agrícola e florestal”, nomeadamente sobre a possibilidade de construção de “empreendimentos turísticos” (artigo 114º) estabelecendo um conjunto de regras das quais destaco apenas os pontos:
- "Os empreendimentos turísticos só são permitidos em propriedades de área não inferior a 20 ha.
- Índice de construção máximo: 0,05.”
Por fim, atente-se também no definido para os “espaços urbanos/urbanizáveis” (artigo 56º), sendo que, e relativamente aos espaços residenciais previstos para a zona de Alfarim e Caixas (ponto 4, alínea c)) o programa é definido pelo artigo 93º, que remete para o artigo 103º do qual transcrevo:
- "Índice de construção máximo: 0,5.
- Número máximo de pisos: três.
- b) Estacionamento total:
- 0,75 lugares/quarto (unidades hoteleiras)”
Quer isto dizer que, conforme consta no artigo 7º. do regulamento do PDM, a “UOPG 7 – Alfarim” terá e cito: “um crescimento turístico, articulado com espaços urbanos/urbanizáveis, espaços agrícolas e espaços agrícolas/florestais”, porquanto em todas as classes de espaço é possível constituir unidades hoteleiras. É possível construir empreendimentos turísticos em toda a área abrangida pela “UOPG 7 – Alfarim”, sejam em espaços urbanos residenciais (H3), sejam em espaços turísticos, sejam em espaços agrícolas florestais. E esta é uma verdade desde 1998 e que continua em vigor porquanto “não há um período de nojo entre o início do procedimento da Revisão e a publicação do novo PDM ou PDM revisto. Portanto mantêm-se as regras do que estão, do que está em vigor…”
Mas, para que esta verdade se possa consolidar, haverá que cumprir o ponto 6 do artigo 57º do PDM e que transcrevo integralmente:
“A STP dos empreendimentos turísticos correspondente ao somatório da STP dos espaços turísticos previstos neste artigo, com os autorizados conforme o artigo 114º, terá de ser inferior ao somatório das STP dos espaços urbanos/urbanizáveis da unidade operativa de Alfarim, considerando que aos espaços U51, U52 e U53 correspondem os espaços T51 e T52 e aos restantes espaços urbanos/urbanizáveis os restantes espaços turísticos.”
O que raio significa isto? Significa que a área de construção dos empreendimentos turísticos (sejam eles realizados em “espaços turísticos” ou em “espaços agrícolas/florestais, agrícola e florestal”) terá de ser menor do que a área de construção dos “espaços urbanos/urbanizáveis” da “UOPG 7 - de Alfarim” (que integra Fetais, Aldeia do Meco, Torrões, Alfarim, Caixas, Fornos, Roça e Aiana), sendo que dentro dos “espaços urbanos/urbanizáveis” estão os “espaços turísticos”. E como é que será possível aferir este cumprimento regulamentar?
Atente-se no artigo 120º. do regulamento do PDM quando define um conjunto de espaços considerados desde 1998, como de “intervenção prioritária”, definindo que os mesmos visam “garantir o desenvolvimento ordenado do concelho e a concretização do Plano”, sendo que a Câmara deveria elaborar “um programa de ocupação detalhado e os correspondentes estudos urbanísticos”. Dos espaços definidos como de “intervenção prioritária”, transcrevo apenas a alínea g) do ponto 3:
- “Os espaços turísticos previstos para a unidade operativa de Alfarim;”
- “O espaço urbano/urbanizável de Alfarim e Caixas (plano de urbanização);
- O espaço urbano/urbanizável da Aldeia do Meco (plano de urbanização);
- O espaço urbano/urbanizável de Fetais (plano de urbanização);
- O espaço urbano/urbanizável de Fornos (plano de urbanização);”
Porque só detalhando o planeamento definido pelo PDM, será possível garantir o cumprimento do definido no ponto 6 do artigo 57º. Só detalhando o planeamento definido pelo PDM será possível estabelecer um sistema de perequação justo e equilibrado no conjunto de espaços agrícolas florestais, que permita construir nos termos definidos pelo PDM em vigor.
Acresce que, conforme já referi, o PDM terá de ser revisto em baixa. O que significa que, a curto prazo, a possibilidade de construção será inferior à actualmente em vigor, nomeadamente em relação aos empreendimentos turísticos previstos em espaços agrícolas florestais.
Urge planear, detalhar, definir sistemas de perequação. Para que não seja a rapidez ou a falta dela, a ditar a concretização de empreendimentos turísticos no Meco. Até porque, frases como esta (“temos de aprovar isto agora porque depois já não pode ser…”) conduzem inevitavelmente à concretização de construções que estarão, a curto prazo, completamente desagregadas da envolvente, constituindo-se como atentados urbanísticos em áreas de carácter natural, agrícola e florestal.
Só detalhando o planeamento definido pelo PDM, será possível definir um índice de construção, nomeadamente para os “espaços agrícolas/florestais, agrícola e florestal”, que não poderá ser superior a 0,05, sendo que a área máxima de construção terá de ser inferior ao previsto para os espaços urbanos/urbanizáveis. Confuso? Bastante. Demasiado até.
Acredito que depois de tantas promessas eleitorais relativas à elaboração dos planos de urbanização referidos, o planeamento esteja feito, os índices urbanos estejam definidos e que tudo esteja conforme previsto no PDM. Se assim for, o que impede a publicação desses planos? Para quando as obrigatórias apresentações e discussões públicas? Para quando as obrigatórias deliberações em Assembleia Municipal aprovando os novos instrumentos de ordenamento daquele território?
Resumindo: os empreendimentos turísticos estão previstos no PDM em vigor. No entanto, são necessários planos de urbanização que definam um programa de ocupação, aferindo o respectivo índice de construção possível de aplicar em cada propriedade agrícola florestal. Sem essa definição (que acredito possa existir, mas apenas como documento privado e de acesso vedado ao cidadão comum), dificilmente serão cumpridas as normas definidas pelo PDM em vigor. Ninguém saberá (digo eu) qual a área de construção consolidada e a consolidar nos espaços urbanos urbanizáveis da “UOPG 7 – Alfarim”, que permita aferir qual a área de construção destinada a empreendimentos turísticos que, obrigatoriamente, terá de ser inferior à área total de construção destinada a habitação.
Ou seja, e conforme expressa e muito bem o artigo 7º. do regulamento do PDM, o “crescimento turístico” previsto para a “UOPG 7 – Alfarim” (que integra Fetais, Aldeia do Meco, Torrões, Alfarim, Caixas, Fornos, Roça e Aiana) terá obrigatoriamente de ser “articulado com espaços urbanos/urbanizáveis, espaços agrícolas e espaços agrícolas/florestais”, para que se mantenha o carácter residencial, habitacional e verde, daquela que é a zona do Concelho conhecida pelo sossego, pela natureza, pela baixa densidade construtiva e que se constitui como uma marca concelhia conhecida apenas como “Meco”. Dito de outra maneira: para que os empreendimentos turísticos sejam em menor número do que as habitações, respeitando não só o carácter residencial disperso de um/dois pisos, mas também a natureza, de forma harmoniosa e em respeito pelos valores naturais e patrimoniais.
Importa por fim referir que, o PDM de Sesimbra aquando da definição do respectivo zonamento, definiu apenas cinco zonas na “UOPG 7 – Alfarim”, classificadas como “espaços turísticos”. Ou seja, apenas cinco zonas desta UOPG têm, desde a sua génese, uma classificação turística sendo que nestas, inequivocamente e obrigatoriamente, a construção é destinada à consolidação de empreendimentos turísticos.
A maior mancha de zonamento na “UOPG 7 – Alfarim”, corresponde aos “espaços agrícolas florestais”. Quer isto dizer que, se todos os “espaços agrícolas florestais” forem transformados em empreendimentos turísticos, o zonamento definido pelo PDM será completamente desrespeitado porquanto o mesmo não definiu, na sua génese, toda esta área como turística.
De acordo com regulamento do PDM e nesta “UOPG 7 – Alfarim”, apenas cerca de 85ha estão classificados como “espaços turísticos”. Mas, como “espaços agrícolas florestais”, estão classificados cerca de 914ha. Porque, na sua essência, o Meco é e sempre foi, agrícola florestal com pequenos núcleos urbanos residenciais, onde, nos termos previstos, podem vir a ser construídos empreendimentos turísticos desde que devidamente articulados com esse cariz natural e residencial.
Para além de que o que está definido no artigo 112º do regulamento do PDM para os “Espaços agrícolas/florestais de Azoia, Alfarim, Zambujal e Santana” é que (e cito): “é permitida a construção de apoio à actividade agro-florestal, ou de empreendimentos turísticos, devendo obedecer às prescrições definidas nos artigos seguintes.” O artigo 112º não define que é obrigatória a construção de empreendimentos turísticos. Até porque o terreno é agrícola florestal e não, turístico.
É urgente uma clarificação sobre esta matéria, nomeadamente sobre o cumprimento do importantíssimo ponto 6 do artigo 57º. e que volto a transcrever:
“A STP dos empreendimentos turísticos correspondente ao somatório da STP dos espaços turísticos previstos neste artigo, com os autorizados conforme o artigo 114.o, terá de ser inferior ao somatório das STP dos espaços urbanos/urbanizáveis da unidade operativa de Alfarim, considerando que aos espaços U51, U52 e U53 correspondem os espaços T51 e T52 e aos restantes espaços urbanos/urbanizáveis os restantes espaços turísticos.”
É urgente a conclusão da Revisão do PDM. Para que o que agora é secreto passe a ser do conhecimento do cidadão comum. Para que a estratégia de desenvolvimento definida para o Concelho de Sesimbra, seja transparente e coerente. E para que o cidadão comum, aquele que opina, tem dúvidas e questiona, perceba o impacto das aprovações tomadas por unanimidade pelo executivo eleito, quando são proferidas frases como esta: “temos de aprovar isto agora porque depois já não pode ser…”
Termino novamente com a palavra “planeamento”. E inerente a esse “planeamento”, a palavra “gestão”. Porque é apenas disso que se trata: “planeamento” e “gestão” do território concelhio. “Planeamento” e “gestão” que são da responsabilidade dos políticos eleitos e em funções. Serão eles e apenas eles, os responsáveis pelo ordenamento do território. Serão eles e apenas eles, os responsáveis políticos pelas deliberações que tomam por unanimidade, sem questionar e que, conforme referi AQUI e AQUI, aprovaram nos últimos quatro anos para a zona do Meco, mais de uma dezena de empreendimentos turísticos e mais de de 4.000 camas.
Talvez as dúvidas, as questões, as explanações, as petições, as divagações, estejam apenas presentes nas preocupações do “cidadão comum”. Mas isso, já se sabe, é próprio do povo, cuja opinião, “vale o que vale”.
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