OS "QUERIDOS" VÃO CHEGAR AO SANTUÁRIO!

Todos saberão a que “queridos” me refiro. E depois de ouvir a entrevista do passado dia 14.Junho, fiquei absolutamente pasmada com o facto da Câmara Municipal de Sesimbra ser a equipa dos “queridos” que irá transformar, reabilitar, equipar, apetrechar,… a parte da ala sul das hospedarias (propriedade da Confraria da Nossa Senhora do Cabo, entenda-se Diocese de Setúbal) e que está excluída do programa de concessão que visa transformar o Santuário num hotel.

E aquele que parecia ser um hábito perdido voltou: “surpresa!” Então não é que a Câmara Municipal de Sesimbra (que a partir daqui irei identificar como “queridos do Santuário”) irá, se a concessão avançar, (transcrevo textualmente parte da entrevista): 

(…) ter a responsabilidade de o pagar… interiormente, interiormente, obras interiores a reconfigurar neste programa. Pronto, museológico e para os círios, de apoio aos círios, e a um e uma vertente museológica. Todo o edificado do Santuário e também de toda a zona de património natural à sua volta, que está protocolado connosco, protocolado connosco. (…)

E qual é o programa? Transcrevo textualmente:

(…) reabilitar a parte interior da ala sul que ficará afecta à Confraria, portanto e nessa ala sul está constituído o programa base, está articulado com o Município, vai ficar uma parte pra Museu, parte museológica, vai ficar uma parte dedicada, com hospedarias também, com uma zona grande de refeições, com um refeitório, dedicada especificamente também aos círios que lá vão, portanto podem lá ficar a dormir, podem ter lá as refeições portanto há um programa que tem, que tem, claro que estamos a falar de 50% da ala sul portanto… mas que está dedicado especificamente a esta matéria (…)

Uma “novidade” que surgiu assim, do nada. Parece que está tudo previsto num Protocolo que a Autarquia realizou com a Diocese de Setúbal e que define o trabalho a realizar pelos “queridos do Santuário”. Atentem na notícia (LINK) da página oficial da Câmara Municipal de Sesimbra, relativamente a este Protocolo celebrado com a Confraria do Cabo a 30 de Agosto de 2018 e da qual transcrevo: “(…) A requalificação do Santuário do Cabo Espichel, (…) conjugando a sua vertente religiosa com uma componente turística, que é traduzida no presente protocolo como alojamento local, restauração e bebidas e pequenas unidades comerciais ou oficinas de artesanato (…)” A mesma notícia dava conta também de que a Autarquia assumia, neste acordo (Protocolo), a responsabilidade de concluir (directamente ou indirectamente) a reabilitação prevista na escritura de doação entre a Confraria e o Estado Português, nomeadamente a realização de, e cito: “todas as obras necessárias ao restauro da Ala Sul, efectuando a recuperação e reabilitação da Hospedaria de peregrinos e dos respectivos serviços de acolhimento ao público.”

Importa lembrar que a Câmara adquiriu a ala norte das Hospedarias por 321 mil euros. Existe a promessa (ou melhor, a certeza) de que serão gastos mais 500 mil euros para executar a rede de saneamento necessária ao bom funcionamento do hotel. Valor este (digo eu) que irá crescer, dado que serão necessárias pavimentações e repavimentações (como é sabido, a rede de saneamento é executada na via automóvel, partindo alcatrão e abrindo vala).

E porque se tratam de documentos públicos, acessíveis a qualquer cidadão interessado (refiro-me ao Regulamento Municipal de Taxas e Cedências Relativas à Administração Urbanística) será fácil avançar para o valor hipotético dessa pavimentação e repavimentação. Será necessária apenas uma máquina de calcular básica, que auxilie aquela conta conhecida por “regra de três simples”, não sendo necessário nenhum tipo de conhecimento técnico ou científico. Será uma conta fácil para qualquer aluno do ensino básico (perdoem-me o enquadramento). 

Nos termos do Regulamento Municipal de Taxas e Cedências Relativas à Administração Urbanística, ao metro linear da rede de esgotos corresponde um custo de 134,59€ (que irei arredondar para 135€). Ao metro linear de pavimentação corresponde um custo (arredondado) de 200€. Ora, se à execução da rede de saneamento correspondem 500 mil euros, a pavimentação terá um custo hipotético de 740 mil euros. Ao que somará (digo eu) o custo de infraestruturas telefónicas… e aí ter-se-á um custo hipotético de 185 mil euros… e será que a iluminação pública até ao Santuário irá ser subterrânea, anulando aqueles postes e cabos que poluem os céus? Se assim for, serão hipoteticamente, mais 370 mil euros.

Neste cenário hipotético serão, para além dos 500 mil euros de saneamento, mais um milhão e 200 mil de euros que a Câmara irá gastar, para que o concessionário consiga funcionar condignamente no seu “Santuarium Hotel”. Quando é que será anunciada esta “novidade”?

Esquecendo por agora este cenário hipotético, a verdade é que os “queridos do Santuário” irão realizar uma operação de decoração de interiores (dado que ao concessionário caberá a realização de todas as obras estruturais, fachadas e coberturas da ala sul das hospedarias excluídas da concessão). 

Essa decoração de interiores a realizar pelos “queridos do Santuário” englobará também a realização de todas as infraestruturas necessárias (redes de águas e esgotos, electricidade, telecomunicações,…), abrindo roços, colocando tubagens, caixas e cabos. Depois, haverá que rebocar paredes (nos termos definidos pela DGPC), colocar chão, pintar, equipar casas de banho (lavatórios, sanitas, bases de duche, espelhos, torneiras,…) e cozinha (bancadas, armários, lava-loiça, fogão, exaustão de fumos, frigorífico, micro-ondas, torneiras,…). 

Por fim, os “queridos do Santuário” irão colocar mesas, cadeiras, sofás, tapetes, cortinados, candeeiros, camas, almofadas, mantas e mantinhas, loiças e berloques, velas e velinhas, quadros e quadrinhos, vasos com plantas e plantinhas,… e, no espaço destinado ao museu, todo o equipamento necessário para o bom funcionamento do mesmo (iluminação, vitrines, sinalética, acessos a pessoas de mobilidade condicionada,…). 

De acordo com o REVIVE, a ala sul das hospedarias terá cerca de 1.580m2 de área de implantação (incluindo as ruínas existentes). Ora 50% desta área serão 790m2. Uma vez que as hospedarias têm dois pisos, ao segundo piso corresponderá uma área superior, dado que será contabilizada a área sobre as arcadas. Hipoteticamente, (e de acordo com os valores avançados pelo REVIVE), o segundo piso da ala sul das hospedarias terá, grosso modo, cerca de 2.000m2. Novamente, 50% desta área serão 1.000m2. Ou seja, os “queridos do Santuário” irão realizar a decoração de interiores em cerca de 1.790m2. 

Pergunto: Quanto é que os “queridos do Santuário” irão gastar nesta decoração de interiores? Avanço com o valor de 750€ por m2 (uma mera especulação sem qualquer tipo de base que a fundamente). Será muito? Será pouco? Talvez seja um valor intermédio, não sei. Mas apenas para possibilitar uma conta rápida, os “queridos do Santuário” irão gastar mais de 1 milhão e 300 mil euros nesta decoração de interiores. E para quando estará previsto o anúncio desta “novidade”? Desta “surpresa!”?

Quer isto dizer que, a Câmara adquiriu a ala norte por 321 mil euros. Vai gastar mais de 500 mil euros (obras de saneamento), valor que poderá crescer para cerca de 1 milhão e 800 mil euros (se vier a realizar as pavimentações, infraestruturas eléctricas e de telecomunicações). Acresce a verba destinada aos “queridos do Santuário”: 1 milhão e 300 mil euros para decoração de interiores. Grosso modo, à partida, a Câmara estará comprometida com um valor que ascenderá a 3 milhões e meio de euros. E tudo para que o “Santuarium Hotel” possa funcionar em pleno e, a Confraria da Nossa Senhora do Cabo Espichel fique com a sua propriedade (ala sul) completamente reabilitada e equipada. Acrescem, todos os montantes já despendidos pela Autarquia nas obras que tem vindo a realizar e que, digo eu, ascenderão a cerca de 2 milhões de euros. Ou seja, o montante oriundo dos cofres camarários para a recuperação do Santuário da Nossa senhora do Cabo Espichel, a verificarem-se todas estas hipóteses hipotéticas, ascendem a 5 milhões e meio de euros.

Perante este investimento camarário, espera-se que, de acordo com o REVIVE (e com as deliberações por unanimidade, dos órgãos municipais), a concessão prevista para um período de 50 anos, resulte, no mínimo, em 11 mil e 270 euros anuais de renda. Ou sejam, em 50 anos serão pouco mais de 560 mil euros. Mas como (e transcrevo textualmente um outro excerto da entrevista) “nesta operação há dois concedentes: há o concedente Câmara Municipal, e há o concedente a Confraria da Nossa Senhora do Cabo Espichel, Diocese mas através da Confraria”, este montante será repartido pelos dois concedentes: Câmara e Diocese. 

Perdoem-me a pergunta: mas “cabe na cabeça de alguém”, ir gastar mais de 5 milhões e meio de euros para, em 50 anos, receber uma parte de apenas 560 mil euros? “Cabe na cabeça de alguém” adquirir a ala norte, oferecê-la a um concessionário e, chamar os “queridos do Santuário” para realizarem a decoração de interiores de 50% da ala sul, e que é propriedade privada? “Desculpem lá mas isto não cabe na cabeça de ninguém!

Os “queridos do Santuário” deveriam isso sim, perante o investimento já efectuado e o investimento expectável (uma palavra da moda) por parte dos cofres camarários, realizar a decoração de interiores (depois da análise estrutural, coberturas e fachadas) de toda a ala norte que é propriedade da Câmara Municipal.

Na minha opinião (porque é de facto só disso que se trata), a Câmara deveria ter, naquilo que já era seu, e nos termos definidos pelo PDM, procedido à “recuperação e aproveitamento do conjunto construído com fins turísticos.” Ora “fins turísticos” conforme referi anteriormente, não é sinónimo de “um empreendimento turístico de qualidade elevada.” 

Paulatinamente, e conforme tem vindo a acontecer, a Câmara interviria naquela que é a sua propriedade, com os seus timings, com as suas prioridades, com as suas expectativas, com os seus objectivos. Foi isso que fez na Casa da Água. Foi isso que fez no muro de vedação rosa que em tempos, foi um Aqueduto do século XVIII. Foi isso que fez nos arranjos da envolvente (estacionamentos, acessos pedonais para pessoas de mobilidade condicionada, horta dos peregrinos,…). E assumiria, tal como o Estado Português assumiu, a responsabilidade de vir a reabilitar (directamente ou indirectamente) toda a ala sul das Hospedarias que, de acordo com a escritura de doação entre a Confraria e o Estado Português, englobariam, e cito: “todas as obras necessárias ao restauro (…), efectuando a recuperação e reabilitação da Hospedaria de peregrinos e dos respectivos serviços de acolhimento ao público.” Nos timings que considerasse adequados.

Atente-se de novo na entrevista que volto a transcrever textualmente:

(…) que haja um promotor, porque se não houver um promotor eu não sei daqui a quantos anos é que nós conseguimos ter, se tivermos num curto espaço de tempo, porque outras coisas ficam para trás para fazer, mas eu não tenho dúvidas que estamos ali a falar de um investimento que rondará os 10 a 15 milhões de euros de reabilitação de todo aquele, de de toda aquela área do Santuário. (…)

E eu que não sei nada de nada, absolutamente nada, sobre programas de financiamento, tendo em vista a recuperação de património classificado como “Imóvel de Interesse Público”, deixo aqui um LINK à página da CCDR-LVT. Esta entidade entidades apresenta um programa de financiamento (a 70%) destinado “à construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de equipamentos urbanos de utilização coletiva, incluindo os equipamentos religiosos" (coordenado pela DGAL). Para ter acesso ao financiamento previsto, o mesmo deverá ser requerido (entre outras) por e cito: “Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos, oficialmente constituídas há mais de 2 anos, que prossigam fins de interesse público, desde que o equipamento a financiar se inclua no âmbito das suas finalidades estatutárias dominantes.” Assim de repente, parece-me que existem pelo menos duas Confrarias (a da Nossa Senhora do Cabo Espichel desde 1980 e, a do Círio dos Saloios da Nossa Senhora do Cabo Espichel desde 2018) que poderiam ser candidatáveis a este financiamento. (digo eu que não percebo nada de financiamentos nem de “finalidades estatuárias dominantes”). Acresce que e cito: “a entidade promotora poderá, para o mesmo projecto, recorrer a fontes de financiamento complementares, nomeadamente a outras entidades públicas e/ou privadas, devendo assegurar 10% do investimento elegível.”

Na minha opinião, à Câmara caberia a responsabilidade de agregar as duas Confrarias naquele que é o Santuário de todos. Se por um lado, a Confraria da Nossa Senhora do Cabo Espichel é a proprietária da ala sul, por outro lado, a ala norte foi construída pelos círios da margem norte do Tejo, representados pela Confraria do Círio dos Saloios da Nossa Senhora do Cabo Espichel (aliás, essa prova está lá, cravada no peito de janelas da ala norte). Através de Protocolos, estabeleceria um programa e o respectivo cronograma do mesmo. Definindo usos, ocupações, e “fins turísticos”. E à semelhança de outros casos (escolas, centro de saúde,…) desenvolveria os projectos, assegurando todo o necessário e fundamental acompanhamento técnico durante a operação de recuperação do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel como um todo: definindo programa de ocupação, utilização e usufruto de todas as áreas do Santuário, nomeadamente: da Casa da Água (garantindo a sua abertura e fruição diária); integrando a zona de portão e poço que surge actualmente, descontextualizada; definindo áreas de estacionamento fora do Santuário (por exemplo com entrada através do portão, acedendo a parques marginais);… em suma, uma operação de recuperação que (conforme avancei AQUI), reorganizasse todo o espaço envolvente, devolvendo a grandiosidade da entrada no terreiro, definindo um percurso que relacionasse racionalmente e coerentemente as várias valências construídas e naturais, recuperando todo o património arquitectónico existente, respeitando a imagem e a memória colectiva, implementando uma sinalética adequada de acesso ao Santuário e de identificação de cada uma das valências que o compõem assim como, um projecto luminotécnico-cenográfico que enaltecesse todo o conjunto,... Para que aquela força divina, que «nos reduz a uma insignificância terrena e nos amplia a consciência até à fruição do sublime», continuasse presente nas gerações futuras.

Volto à entrevista: “(…) agora, nós apostamos, apostámos, não escondo, as fichas todas nesta possibilidade de ter um promotor para…” 

E como em qualquer jogo, a sorte e a falta de sorte, andam de mãos dadas. Porque se trata de um jogo. E, o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel, não sendo um jogo, tem sido deixado à sua sorte. Sorte essa que tem perdurado no tempo e que o manteve vivo até aos nossos dias. Pela força dos ritos, dos mitos, da fé, dos círios, das festas e romarias. E isso faz com que “o Cabo Espichel, hoje, ainda é, em ruínas infelizmente, um dos locais mais procurados do nosso país” (palavras da entrevista).

Por fim, referir apenas seis perguntas e respostas da entrevista:

Pergunta 1Então vamos lá aqui desmistificar de uma vez por todas: o Santuário do Cabo Espichel não vai ser privado? Vamos ter as vertentes todas aliadas não é? Só para as pessoas perceberem de uma forma clara.” 

Resposta 1O edificado do Cabo Espichel, as hospedarias, as ruínas que lá estão, vão ser transformadas em zonas, garantidamente, com excepção de 50% da ala sul, que ficará afecto, (…), a um programa museológico, (…) O remanescente que há-de ser a ala norte, as ruínas existentes junto à ala norte e parte da ala sul (cerca de 50%, para ser números redondos) vão estar afectos a uma exploração turística." 

Apenas uma nota: a totalidade da ala norte (incluindo as ruínas da Casa da Ópera, Casa Real e Cisterna) e, 50% da ala sul (incluindo as ruínas) vão ser concessionadas (se houver uma concessão no âmbito do programa REVIVE) por 50 anos, a um promotor privado. Sim, o Cabo Espichel terá 75% da sua área de hospedarias, privada. Acrescem cerca de 12.500m2 de terreno que serão, igualmente, concessionados a um privado assim como, as ruínas existentes. Acresce também a possibilidade do privado vir a construir parques de estacionamento, privados. Sim, o Cabo Espichel vai ser privado. Sim, qualquer evento, festa ou romaria, depende de autorização de um privado (no caso, a Diocese de Setúbal). E estas afirmações resultam apenas da leitura do programa de concessão disponível no concurso do REVIVE (conforme referi a partir DAQUI).


Pergunta 2Mas vão continuar a haver os festejos da festa do Cabo Espichel?” 

Resposta 2Vão continuar a haver os festejos, tá inclusivamente prevê-se que se a Câmara quiser lá fazer um concerto possa fazer, desde que autorizado…

Apenas uma nota: “vão continuar a haver os festejos” previstos e desde já autorizados, num Anexo I, do regulamento relativo às condições de utilização do Terreiro, que é parte integrante do programa de concessão no âmbito do REVIVE. No entanto, o Anexo I, não existe. Ou por outra, é inexistente. 


Pergunta 3E as pessoas podem continuar a acampar lá durante a festa?

Resposta 3As pessoas podem continuar a acampar, (…) na zona que é da Câmara Municipal, na zona do do do cercado da horta. Portanto todos os festejos podem ser, aliás estão previstos. A utilização do do do… o seu contrário é que não está previsto que é se um qualquer promotor quiser lá fazer uma coisa qualquer, porque tem o hotel, ou tem a hospedaria, ou tem o alojamento, ou tem o restaurante, quer lá fazer alguma coisa. Se o quiser fazer tem de pedir à Confraria. Mas se eu… se houver uma festa, não tem de se pedir ao hotel, ou ao promotor. Portanto. Pá. Vamos desmistificar isto tudo. Podemos dizer assim: pá, nós queríamos aquilo tudo como Museu. Pronto tudo bem, queríamos. E quanto é que isso custaria? Mas… nós estamos a falar de hospedarias não estamos a falar de museus. Portanto, pá, aquilo vai ter o fim que sempre teve, é claro que agora aqui com uma vertente turística, como é normal.

Sete notas: 

1. “As pessoas podem continuar a acampar (…) na zona do cercado da horta.” O cercado da horta corresponde ao espaço murado adjacente à Casa da Água. Neste, foi recentemente recriada a horta dos peregrinos com a execução de canteiros e plantação de ervas aromáticas, sendo que, na zona de entrada e escadaria de acesso, foram plantadas árvores e arbustos (abatendo as árvores existentes). Relembro que no programa REVIVE, a Casa da Água (e o cercado da horta) surge esquecida e reduzida à legenda “sistema de abastecimento de água” de “uso partilhado”. Se nas festas, “as pessoas podem continuar a acampar”, será, na minha opinião, mais do que necessária uma definição de “uso partilhado” acautelando o investimento público já realizado naquele espaço.

2. “Todos os festejos podem ser, aliás estão previstos. A utilização do do do…” do Terreiro. Quais são os festejos autorizados no Terreiro? Para quando a disponibilização pública do Anexo I (que, admito, por um qualquer lapso), não foi partilhado no programa REVIVE? Não pode nem deve (na minha opinião), este Anexo I ficar refém de duas entidades (Diocese e Câmara Municipal) porquanto o mesmo interferirá com o culto ancestral, tradicional, popular e religioso dos diferentes peregrinos, círios e devotos.

3. “Se um qualquer promotor quiser lá fazer uma coisa qualquer, (…) tem de pedir à Confraria.” Ou seja, o concessionário do restaurante, do alojamento, da hospedaria, do hotel, se quiser por exemplo, festejar a passagem de ano, carece de autorização da Confraria. O mesmo se aplicará a uma qualquer festa que não esteja prevista no tal Anexo I (inexistente). 

4. “Se houver uma festa, não tem de se pedir ao hotel, ou ao promotor.” Porque a autorização é dada pela Confraria, se a festa não constar desde logo, no Anexo I (inexistente). Mas, o regulamento do Terreiro diz coisa contrária. Transcrevo apenas os pontos 1, 4 e 5 do artigo 4º: 

    • "1 - A gestão da utilização do terreiro central é assegurada por uma comissão composta por um representante designado pela Confraria, pela Câmara Municipal de Sesimbra e pelo Concessionário;
    • 4 - Os eventos que sejam periódicos podem constar de uma programação anual definida pela comissão e aceite pelas entidades representadas; 
    • 5- A comissão pode autorizar a realização de eventos que não estejam especialmente previstos neste Regulamento, desde que respeitem o disposto no n.º 2 do artigo 2.º”, (que estabelece: “A utilização do terreiro tem de respeitar o ambiente religioso e o interesse cultural do conjunto do Santuário”). 
5. Ou seja, o promotor, o concessionário, o privado detentor da exploração do hotel, integrará uma Comissão que decidirá o que pode ou não acontecer no espaço do Terreiro. E a sua palavra pode adquirir um peso importante se por um acaso a Confraria e a Câmara Municipal não estiverem de acordo. É isto que está previsto e regulamentado pelo documento intitulado: “Regulamento de utilização do terreiro do Santuário da Nossa Senhora do Cabo” constante no programa de concessão do REVIVE.

6. “Nós queríamos aquilo tudo como Museu. Pronto tudo bem, queríamos. E quanto é que isso custaria?” Dependeria de um conjunto de iniciativas que visassem um qualquer financiamento e a participação do círios (nomeadamente as duas Confrarias) e devotos a Nossa Senhora do Cabo Espichel. E até de patrocínios e/ou, de mecenato. Dependeria das iniciativas e dinâmicas criadas tendo em vista a reabilitação daquele que “hoje, ainda é, em ruínas infelizmente, um dos locais mais procurados do nosso país.” Sabendo-se que estarão previstas verbas avultadas para a recuperação de património no âmbito do PRR. 

7.“Nós estamos a falar de hospedarias não estamos a falar de museus. Portanto, pá, aquilo vai ter o fim que sempre teve.” Transcrevo um trecho daquele que é o documento fundamental do programa de concessão do REVIVE (Anexo I – Obrigações legais e exigências do programa, que é parte integrante do Anexo 2– termos de referência do projecto (estudo da Direcção Geral do Património Cultural): “As obras obedecerão a um projecto (…) de remodelação para dar resposta a uma ocupação diferente das que anteriormente aqui existiram.”


Pergunta 4:  o fim turístico, cultural, religioso…

Resposta 4Claro. Com certeza. E só não percebe, desculpa-me a expressão, quem não quer. (…)

Apenas uma nota:

Só não percebe, desculpa-me a expressão, quem não quer.” Inclusive a Direcção Geral do Património Cultural quando diz que a ocupação agora prevista é diferente das que existiram. “Só não percebe, desculpa-me a expressão, quem não quer”, quem pensa que um hotel, vários restaurantes e afins, correspondem ao “fim que sempre teve.” “Só não percebe, desculpa-me a expressão, quem não quer”, que o fim turístico se irá sobrepor radicalmente e catastroficamente, ao fim cultural e religioso. “Só não percebe, desculpa-me a expressão, quem não quer”, que a “salvaguarda arquitectónica, cenográfica e paisagística tem de ser assegurada, qualquer que seja o projecto que se venha a delinear para aqui. A sua importância patrimonial é significativa, abrangendo quer os aspectos históricos, arquitectónicos e artísticos, como ainda etnográficos e arqueológicos, tanto sob o ponto de vista do património material como do imaterial” (Anexo 3 – Memória histórica e artística (estudo do Instituto de História de Arte). 


Pergunta 5: Já se sabe se existem promotores interessados ou ainda não?

Resposta 5Eu não tenho acesso. Não faço parte do júri. Não faço parte do júri. Portanto não sei se há…


Pergunta 6Não há essa informação é? Não se consegue saber?

Resposta 6(…) … nós já tivemos, e acompanhado até por técnicos nossos, um conjunto significativo (conjunto significativo há-de ser, se calhar duas mãos)… de potenciais promotores que foram visitar. Portanto, visitas técnicas ao local, portanto, houve algum interesse (…) a informação que tenho do Turismo de Portugal é que há partida existiriam, do conhecimento deles, alguns potenciais interessados (…)


Termino reiterando que não tenho nada, absolutamente nada de nada, contra a recuperação do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel. No entanto, sou completamente contra o facto da recuperação do Santuário surgir dependente de um qualquer promotor que se assume desde logo como uma espécie de “salvador do Cabo”. Aliás, aparentemente, só um promotor privado terá capacidade de recuperar o Santuário. Não podia discordar mais desta ideia. Não existem processos finitos nem reféns de apenas uma solução. Os processos são infinitos e abertos a um sem número de soluções (como provam por exemplo, a quantidade de estudos e propostas já realizadas para a recuperação do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel).

Sou completamente contra a concessão de património municipal (ala norte) por tuta e meia, permitindo a privatização total daquela, assim como de cerca de 12.500m2 de terreno. Sou completamente contra a ideia dos “queridos do Santuário” realizarem a decoração de interiores de parte da ala sul, propriedade da Confraria. 

O Cabo Espichel será privatizado em 75% daquelas que são as hospedarias. Nos restantes 25%, uma parte será destinada a Museu. E será essa parte, e apenas essa parte destinada ao Museu, que será pública e de acesso livre. A restante, será da Confraria, com refeitório e alojamentos para os peregrinos que pertencerem aos círios. Grosso modo, o Cabo Espichel será privatizado, excepto na área destinada a Museu. Nada voltará ao que foi antes. Nem tão pouco será sequer parecido com aquilo que terá sido originalmente. O carácter sazonal, vazio, aglutinador e esmagador do Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel irá desaparecer. O carácter tradicional, popular, de festas e romarias, que enchiam de vida pontualmente, todo o espaço do Santuário, irá desaparecer. 

Esta é uma solução que, na minha opinião, se sustenta numa ideia da década de sessenta do século passado, completamente ultrapassada e descontextualizada. “O Cabo Espichel, hoje, ainda é, em ruínas infelizmente, um dos locais mais procurados do nosso país.” Exactamente por se apresentar com a sua essência inalterada. Quer isto dizer que, o Cabo Espichel não necessitará de uma qualquer campanha de marketing turístico porquanto o mesmo será “um dos locais mais procurados do nosso país.” E quem procura o Cabo Espichel, não está à espera de um hotel, de um alojamento, de vários restaurantes e afins. Está à espera, isso sim, daquela força divina, que «nos reduz a uma insignificância terrena e nos amplia a consciência até à fruição do sublime».

A menos que a ideia seja transformar de facto, o Cabo Espichel num “empreendimento turístico de qualidade elevada”, anulando de uma vez por todas as tradições populares, as romarias e a espontaneidade de um povo devoto e crente. O povo, o tão apregoado povo, esse povo que dança, que canta, que ri, que chora, que come, que bebe, que crê, que peregrina, que acampa, que festeja, que reza, que suplica, que ora, que promete, que perpetuou uma tradição ancestral, ficará reduzido à sua insignificância: apenas povo. 

Porque o “empreendimento turístico de qualidade elevada”, aliado ao carácter religioso e dependente da autorização de uma Confraria (Diocese de Setúbal), expurgará quem, quando, como e onde, poderá festejar a sua fé, a sua devoção à Nossa Senhora do Cabo Espichel. E este, será sem dúvida o caminho para assegurar a concretização do objectivo que parece ter sido traçado há mais de meio século: transformar um Santuário num hotel. Melhor dizendo, transformar um Santuário de cariz popular num “empreendimento turístico de qualidade elevada.” Inacreditável.

Quanto aos “queridos do Santuário” deixo aqui uma sugestão: quando a decoração estiver concluída, voltar a convidar todos os que estiveram presentes na ‘cerimónia’ para abrir o concurso público da concessão do Santuário para fins turísticos. Depois, a cada um seria colocada uma venda nos olhos e seriam encaminhados para os espaços decorados. Aí chegados, o anfitrião daria a ordem para que as vendas fossem retiradas, dizendo, ao mesmo tempo que abria os braços: “sejam felizes!” Lindo. Até consigo imaginar as caras de muitos e um grande “ahhhh” em uníssono. E claro, tudo gravado e fotografado para memória futura. E também para partilha nas redes sociais, claro. 

Valha-nos a Nossa Senhora do Cabo Espichel. (E apenas uma curiosidade: parece que o domingo eleitoral autárquico será no dia da festa do Cabo. Há coincidências absolutamente fantásticas!)

FONTE DA IMAGEM: TVI.IOL

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