OUTRA VEZ A MOBILIDADE SUSTENTÁVEL – SESIMBRA, UM GRANDE EXEMPLO PARA O FUTURO

Confesso que estava à espera que a obra relativa à “construção de um percurso pedonal na Azoia” fosse, depois de tudo o que já se leu, ouviu e viu, exemplar. Imaculada. Tristemente, constato que a minha esperança vã se desvaneceu assim que olhei para os trabalhos que estão a decorrer.

Vamos por partes. E peço desde já alguma paciência, dado que vou referir uma série de parâmetros legais aplicáveis e em vigor. Relembro que os valores definidos na lei são mínimos. Quer isto dizer que a largura definida para um passeio é a largura mínima sendo que, a largura máxima será no limite, o infinito (se o espaço existente o permitir 😊). E esta nota é extremamente importante, uma vez que, se a largura mínima for inferior ao espaço disponível, o passeio terá uma largura superior porquanto a largura existente o permite. Acresce que, pelo conjunto de legislação existente que incide sobre a mesma matéria, os valores mais altos sobrepõem-se aos mais baixos, sendo que, se o espaço livre existente não o permitir, deve ser respeitado no limite, o valor mais baixo. Avancemos então nesta viagem legislativa sobre dimensões de passeios.

  • Decreto-lei que regula as condições de acessibilidade a satisfazer nos projectos e na construção de espaços públicos: 
    • se um passeio for marginal a uma via principal (como é o caso), terá obrigatoriamente um canal contínuo de circulação, sem qualquer tipo de obstáculo, com uma largura mínima de 1,50m (ou seja, é o canal contínuo de circulação, sem qualquer tipo de obstáculo que terá 1,50m e não, a largura total do passeio). 
  • Portaria que define (entre outros), as dimensões mínimas dos arruamentos: 
    • o passeio terá no mínimo 1,60m de largura (ou seja, o passeio com uma largura mínima de 1,60m, garante um canal contínuo de circulação, sem qualquer tipo de obstáculo com 1,50m, libertando 10cm para a colocação de candeeiros, pilaretes, sinais de trânsito,...).
  • E o que diz o PDM? (outra vez o PDM)
    • No seu regulamento, capítulo II, estabelece as “condicionantes ao uso do solo”, descriminando na secção 2, as condicionantes relativamente às “rodovias” num quadro denominado “perfis transversais tipo, dimensões mínimas.” Nesse quadro, a via que serve a Azoia e se dirige até ao Cabo Espichel, está classificada como “N2”. Quer isto dizer que, de acordo com o PDM, o passeio da via “N2” terá no mínimo 2,50m de largura (ou seja, o passeio com uma largura mínima de 2,50m, garante um canal contínuo de circulação, sem qualquer tipo de obstáculo com 1,50m, libertando 1m para a colocação de candeeiros, pilaretes, sinais de trânsito, árvores, mobiliário urbano...).
Resumindo e de acordo com o que referi no segundo parágrafo: prevalece a dimensão definida pelo PDM porquanto a mesma é superior às restantes. Ou seja, o passeio da via que atravessa a Azoia e se dirige até ao Cabo Espichel, terá no mínimo 2,50m de largura, sendo que, obrigatoriamente terá um canal contínuo de circulação, sem qualquer tipo de obstáculo, com uma largura mínima de 1,50m. Simples. 

Atentem na notícia da página da Câmara (Maio.2020) relativa à “construção de um percurso pedonal na Azoia” quando refere e transcrevo: “A faixa pedonal tem uma largura de 1,5 metros.” Ora a faixa pedonal será o canal contínuo de circulação sem qualquer tipo de obstáculo e não, o passeio. Porque uma coisa é a dimensão da faixa pedonal, outra coisa é a dimensão do passeio. Explicando de outra maneira: a faixa pedonal está dentro do passeio, sendo que o passeio, para além de ter a faixa pedonal, ainda terá sinalização, candeeiros, pilaretes,… e tudo o que se mostre necessário ou que esteja previsto executar.

Convém neste ponto lembrar que pelo menos há 23 anos (tempo de vigência do PDM), o licenciamento de obras particulares da Câmara, exige (e muito bem) o cumprimento das normas estabelecidas, nomeadamente o cumprimento dos perfis transversais tipo definidos pelo PDM. E por isso é comum, para quem circula pelo Concelho, observar os muros de vedação que são construídos, distantes do arruamento, dado que estarão a cumprir os perfis transversais tipo definidos pelo PDM. E na ausência de projectos de execução de todas as estradas existentes no concelho, o licenciamento de obras particulares estabeleceu uma espécie de regra: do eixo da via existente, os muros de vedação distarão “x” metros para que, aquando da execução da via (conforme previsto no PDM) a mesma tenha o espaço necessário para a sua implantação. 

No caso da estrada da Azoia que se dirige até ao Cabo Espichel, o que se pode observar ao longo da via são os muros de vedação existentes anteriores a 1998 e, os muros de vedação existentes posteriores a 1998. Isto é, os muros de vedação existentes antes do PDM e depois do PDM. Num futuro hipotético, estes desalinhamentos existentes serão anulados aquando da implementação do perfil tipo definido para aquela que é identificada como via “N2”, de acordo com o PDM de Sesimbra.

E o que é que está a acontecer na obra? Está a ser construída uma faixa pedonal com 1,50m de largura e que, corresponderá ao próprio passeio. O que significa que, tudo o que for obstáculos estará no suposto canal contínuo de circulação. Acresce que, nos casos em que o espaço livre existente (entre o limite do alcatrão e os muros de vedação existentes) é superior a 1,50m, a Câmara está a construir os muros para a frente porque a “faixa pedonal tem uma largura de 1,5 metros.” Ou seja, os proprietários que cumprindo as normas definidas pelo PDM e impostas (e bem) pelo licenciamento de obras particulares da Câmara, construíram os seus muros à distância regulamentar, vêem agora a reconstrução de outros muros, para a frente da via, porque o passeio tem 1,50m de largura. Nem sei que diga. 

Talvez as imagens abaixo sejam reveladoras desta intervenção urbana no espaço público, difícil de adjectivar. Pasme-se com os muros existentes, que cumprem o definido no PDM, e com as reconstruções efectuadas pela Câmara (pagas por todos nós) mais à frente, para cumprir apenas 1,50m de largura necessária para o passeio. Pergunto:

  • estes novos muros construídos pela Câmara, passarão a ser os novos muros dos lotes construídos (que cumpriram o PDM)?
  • serão estes novos muros uma espécie de floreira (dado a diferença de cotas entre a via e os lotes), sendo que os muros existentes  serão mantidos nos mesmos sítios?
  • será que também aqui, a solução preconizada é a mesma que foi consolidada junto da paragem de autocarros no cruzamento da estrada que vem da Moagem em direcção às Escolas: mono de cimento, de onde saem postes de electricidade (conforme referi AQUI)?
Não quero acreditar que esta solução “revolucionária” seja para conseguir suster os muros de vedação existentes, porquanto a diferença de cotas provocaria a queda dos mesmos. 

Volto a referir que, não acredito que o que se vê executado tenha resultado de um projecto de execução sobre levantamento topográfico e que o mesmo tenha sido elaborado por um arquitecto. Nenhum arquitecto teria esta ideia peregrina de, em pleno século XXI, anular a possibilidade de constituir um passeio largo e generoso onde existe espaço disponível. Especialmente numa estrada movimentada, de velocidade e perigosa. Ninguém desrespeitaria o regulamento do PDM com esta leveza e insensatez. E volto a referir também que, esta obra (como outras) jamais – repito – JAMAIS (e bem), seriam licenciadas pelo serviço de obras particulares da Câmara Municipal de Sesimbra. 

Pergunto: alguém saberá se foi publicada alguma legislação específica para o concelho de Sesimbra que estabeleça qualquer coisa como: as obras efectuadas pela Câmara Municipal de Sesimbra, não precisam de cumprir a lei em vigor? Ora se o passeio pode ter uma largura superior a 1,50m o que raio impede essa consolidação? Não merecem os sesimbrenses passeios largos e generosos e em segurança nas zonas que, naturalmente, têm área disponível para essa implementação? 

E quanto custará a construção destes novos muros? Será que, com esse dinheiro, e ao invés desta solução “revolucionária”, não seria mais adequado reforçar o muro existente e consolidar todo o espaço existente entre os muros e a estrada, com um passeio livre, largo e desimpedido? Mais: e não seria possível estender para poente o passeio até ao limite das cinco/seis casas que, apesar de estarem no lado certo da via (os ‘escolhidos’ foram os moradores do lado norte), ficam de fora desta obra de “construção de percurso pedonal na Azoia”?

Pergunto-me se ontem, o Sr. Ministro terá reparado nesta “verdadeira revolução em termos de mobilidade suave” e que “provavelmente vai ser um grande exemplo para futuro daquilo que deve ser feito nestas áreas da sustentabilidade e da mobilidade suave.”

Conforme referi em 47 ANOS DE DEMOCRACIA – SESIMBRA E AS REUNIÕES PÚBLICAS, desde 2017, apenas um vereador do PS (sem pelouro) mudou, sendo que na CDU o que mudou foi o Presidente. Grosso modo, tem-se a mesma equipa de eleitos (executivo camarário) mas com outro Presidente e, o mesmo corpo técnico da autarquia mas com novos assessores, adjuntos e secretários. Pergunto: o que raio aconteceu? O que raio está a acontecer? O que raio mudou? Mudou tudo. Absolutamente tudo.

Algo terá de acontecer. Rapidamente e urgentemente. São dinheiros públicos caramba! 

E, digo eu, passará por qualquer coisa tão simples como dizer assim: 

…pá, temos aqui esta obra para fazer… e perdoem-me a frontalidade… qual é a opinião do licenciamento sobre isto? Não pode haver aqui duas dimensões: uma que tem a ver com o que a Câmara exige aos sesimbrenses, às obras particulares; outra dimensão que tem a ver com aquilo que a Câmara faz sem qualquer grau de exigência… se a memória não me falha, as obras realizadas pela Câmara sempre primaram pelas melhores soluções… cabe na cabeça de alguém que, se podemos ter a opinião de quem sabe da matéria, avancemos para a obra sem os consultar? Desculpem lá mas isto não cabe na cabeça de ninguém!

Perdoem-me a ousadia. Talvez excessiva. 










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