47 ANOS DE DEMOCRACIA – SESIMBRA E AS REUNIÕES PÚBLICAS

Em 47 anos de democracia, Sesimbra foi gerida durante 39 anos pelo PCP e/ou pela CDU (PCP+PEV) e 8 anos pelo PS. As forças de direita, que me lembre, estiveram sempre representadas excepto num mandato. E as coligações entre estes e aqueles sempre existiram, nomeadamente quando era necessário garantir a aprovação disto ou daquilo se por acaso o executivo não detivesse a maioria. 

O primeiro Presidente da Câmara de Sesimbra, eleito livre e democraticamente em 1974, foi Presidente durante 23 anos, com avanços significativos no território sesimbrense face ao atraso em que vivia Portugal e no caso, Sesimbra (mal seria se assim não tivesse sido).

Seguiu-se uma gestão PS (1997), com um Presidente que iniciava o mandato com a entrada em vigor (publicação em Diário da República) daquele que é o mais importante instrumento de gestão territorial: o PDM. E tudo mudou. As regras urbanísticas ficaram claras e límpidas para todos. Não eram necessários pedidos nem audiências nem autorizações nem “benesses”. Pela primeira vez e depois de 23 anos de democracia, bastava cumprir a lei. O PDM de Sesimbra permitiu ao concelho crescer. Sendo que todos os cidadãos eram iguais. Porque a lei que permitia construir era pública, acessível, clara e aplicada de igual maneira a todos os cidadãos. Não havia “benesses”, nem contrapartidas, nem trocas disto por aquilo. A lei era (e continua a ser) o PDM.

Seguiram-se 12 anos de gestão CDU, com o Presidente Augusto Pólvora eleito em 2005. E Sesimbra ganhou ambição e poder de concretização, pela capacidade (que unanimemente lhe é reconhecida) de visão e estratégia para aquela que era a sua terra natal. E sempre com o PDM presente, como instrumento de gestão fundamental e absolutamente legal e inviolável. E apesar de, a determinado momento da sua gestão, o PDM entrar em Revisão (e que dura até hoje), o rigor e competência perduraram, mesmo sabendo que a Revisão do PDM alteraria muitas das regras em vigor. Mas, enquanto a Revisão não fosse lei, as normas em vigor eram as do PDM publicado. E sempre numa postura de proximidade, de participação pública, de ouvir e discutir ideias, opiniões diferentes, de cidadania e envolvimento dos cidadãos em matérias que considerava fundamentais (como é exemplo o estudo de reordenamento da Av. da Liberdade apresentado logo em 2006). Numa gestão aberta, com orçamentos participativos e assembleias descentralizadas. Suscitando e cito “a discussão pública dos Sesimbrenses.”  

Em 2017, é eleito o quarto Presidente da Câmara de Sesimbra, numa nova gestão CDU, ancorada no trabalho realizado pelo Presidente Augusto Pólvora, que até ao fim, projectou o futuro deixando um conjunto de processos, procedimentos, candidaturas e concursos preparados para encherem de sucesso o novo mandato em que já não iria participar. Parecia tudo perfeito e encaminhado. (Curiosamente, o executivo é exactamente o mesmo: 2 vereadores PS, 1 vereador PSD, e 4 vereadores CDU (entenda-se PCP porque nenhum dos eleitos pela CDU, no executivo, pertence ao PEV). E nestes, apenas um vereador do PS (sem pelouro) mudou, sendo que na CDU (desculpem, no PCP) o que mudou foi o Presidente. Grosso modo, tem-se a mesma equipa de eleitos mas com outro Presidente e, o mesmo corpo técnico da autarquia mas com novos assessores, adjuntos e secretários). E o que mudou? Tudo. Absolutamente tudo. 

E podia agora enumerar uma série de situações, decisões, promessas por cumprir,… e mais recentemente, comparações incomparáveis entre edifícios marginais à conhecida Rua do Saco e o novo Bloco da Mata, “novidades” que surgem como “surpresas!”, a promoção de iniciativas privadas que não respeitam o PDM,… mas não, não vou entrar por aí. Como já disse várias vezes, não tenho qualquer tipo de ambição politica ou partidária. E assim, enquanto cidadã de um país livre e democrático, irei apenas integrar o povo que irá votar e decidir quem irá sair vencedor ou vencido. Porque o “povo é quem mais ordena.” Pelo menos nesta matéria.

Há 47 anos que vivemos em democracia. Há 47 anos que o poder local existe. Há 47 anos que as pessoas, o povo, “é quem mais ordena”. Há 47 anos que as decisões políticas são públicas, consubstanciadas na lei e, publicitadas. Há 47 anos que as reuniões deliberativas são públicas, e onde o cidadão comum pode intervir. O poder local vive de, e para as pessoas. Nas palavras do actual Presidente constantes na edição do jornal “Sem Mais” do passado fim-de-semana, no âmbito das comemorações do 25 de Abril e relativamente ao poder local democrático, dizia e transcrevo: “festejar Abril é também festejar esta grande conquista, que nos permitiu ter uma qualidade de vida e participação cívica muito distante daquela que existia antes da Revolução dos Cravos.”

Vem isto a propósito das reuniões da Assembleia Municipal (e também das reuniões de Câmara). Naturalmente públicas e decorrentes das conquistas de Abril e da lei do país. Mas eis que veio o vírus e com ele, as reuniões públicas em formato digital transmitidas nos canais disponíveis. Para que o cidadão comum pudesse continuar a participar (mesmo em confinamento, fruto da pandemia e dos estados de emergência) naquele direito conquistado, naquela ambicionada democracia participativa consagrada na Constituição da República Portuguesa. E o governo aprovou um decreto, obrigando a que as autarquias gravassem as reuniões e as disponibilizassem ao cidadão comum através das plataformas digitais. Nomeadamente, a todas as autarquias do país que, sem razão nenhuma, ainda não transmitiam nas plataformas digitais as reuniões que realizavam. 

Sesimbra, nesta matéria, deu um passo gigantesco. Nunca as reuniões tiveram tantos cidadãos a assistir. Tantas participações, reacções, opiniões. Ganhou e ganha, a democracia, a cidadania e o poder local. Arrisco mesmo dizer que este terá sido um dos grandes feitos deste executivo: desenvolver um canal digital onde partilha (entre outros) os vídeos das assembleias deliberativas, nomeadamente das sessões da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal. E até foi noticiado (na publicação “Nós” de Outubro.2020) que esta iniciativa, para além de decorrer da lei (por força do vírus) seria mais uma medida para incentivar a participação dos sesimbrenses, informando-os e envolvendo-os nos grandes temas do Concelho de Sesimbra.

(E também aqui poderia enumerar um conjunto de feitos deste executivo que, na minha opinião, merecem ser enaltecidos, como o lançamento da nova imagem do concelho apenas com a palavra “Sesimbra”, ou a continuidade das obras de execução/renovação da rede de saneamento e de abastecimento de água, ou a recuperação daquele que é o local de culto mais antigo da Vila de Sesimbra: a Capela de São Sebastião,… mas não, não vou entrar por aí. E reafirmo mais uma vez: não tenho qualquer tipo de ambição politica ou partidária. Irei apenas, enquanto cidadã de um país livre e democrático, integrar o povo que irá votar e decidir quem irá sair vencedor ou vencido).

No entanto, atente-se no edital da próxima reunião pública da Assembleia Municipal, que se irá realizar hoje, dia 30 de Abril e que transcrevo parcialmente: “Dada a situação atual que atravessamos, os cidadãos que pretendam assistir e/ou intervir, deverão fazer uma inscrição prévia, nos serviços de apoio à Assembleia Municipal, pelos telefones (…) Serão cumpridas as regras de distanciamento e proteção individual sendo obrigatório o uso de máscara.” Nenhuma referência é feita em relação à disponibilização da sessão nos canais digitais para que os cidadãos possam assistir se, porventura, não puderem estar presencialmente (por motivos quiçá, de agendas pessoais).

É que conciliar agendas de cerca de duas dezenas de deputados para que a sessão da Assembleia Municipal se possa realizar, não é tarefa fácil. Imaginem que seria necessário conciliar agendas com os cidadãos sesimbrenses/do mundo? Seria de loucos! A verdade é que a democracia não é fácil, especialmente quando depende dessa disponibilidade de agenda de todos os eleitos e que, não vão faltar aos seus deveres diários para participar numa reunião da Assembleia. E por isso, marcam para as sextas-feiras à noite, sem limites de horário. E o povo se quiser assistir, ou fazer alguma pergunta, só presencialmente. Porque o povo, esse, não tem agenda nem vida para gerir! Valha-nos Deus.

Com toda a certeza que existirá uma qualquer explicação. Foi um lapso no edital, um esquecimento perfeitamente normal. A menos que seja uma medida implementada em ano de eleições… para que os cidadãos não estejam tão activos e interessados em participar na democracia, especialmente depois da última sessão de Câmara… 

Talvez lembrar a sessão da Assembleia Municipal de dia 26 de Fevereiro (e cuja imagem ilustra este post) que, ao contrário do que foi divulgado no respectivo edital ("Atendendo ao carácter digital da sessão" a mesma será divulgada "no endereço https://www.youtube.com/user/CMSesimbra"), não esteve nem está disponível ao comum dos cidadãos nos canais digitais. A mesma só será visualizada se o cidadão possuir um código de acesso para uma área reservada. E onde é que o cidadão consegue obter o código de acesso? É adquirido no BUS? Haja paciência. 

Parece que se tratou, não de uma sessão pública da Assembleia Municipal mas, de uma reunião ultra-secreta, onde se decidiram assuntos secretos de forma secreta e secretamente. E para aceder a filmagens da reunião ultra-secreta, de assuntos secretos decididos secreta e secretamente, será necessário um código de acesso para uma área reservada. Tipo senha secreta para entrar num mundo secreto. Digam lá se não é democrático e revelador dos valores emanados de Abril? Desde quando é que os cidadãos têm de estar activos e interessados pelo que é dito e por quem, relativamente a assuntos tão ricos como os apoios sociais, a vacinação, o Bloco da Mata, a Escola Navegador Rodrigues Soromenho, as obras do Cabo, o amianto nas escolas,… especialmente em ano de eleições? Leiam a Acta! 

Nem sei se ria ou se chore. As actas da reunião. Transcrevo:

Neste período, foi lida pela Presidente da Assembleia Municipal uma questão enviada pelo Grupo de Cidadãos “Pela saúde de todos / Sesimbra diz não ao aterro ilegal”, tendo sido respondida pelo Presidente da Câmara Municipal.” 

Alguém terá algum tipo de dúvida perante esta frase da acta? O cidadão fica a saber que um grupo de cidadãos colocou uma questão e o Presidente da Câmara respondeu. O que é que o grupo de cidadãos perguntou e que resposta obteve, isso já é querer saber muito. Seus calhandros! 😊

Seguindo para outro ponto: “Apreciação da Atividade Municipal: Sobre este assunto foram feitas avaliações sobre a atividade municipal e solicitados esclarecimentos à Câmara Municipal.” E chega de explicações e transcrições. Quem fez as avaliações, quem solicitou esclarecimentos, e que resposta obteve, não interessa ao comum cidadão sesimbrense. Era só o que faltava! 😊 Simples e democrático. Na construção de uma democracia participativa consagrada na Constituição da República e nos valores de Abril nomeadamente no poder local de, e para as pessoas. 

(Nota: definição da palavra Acta, constante no dicionário da língua portuguesa: “Acta, s.f. (do lat. acta). Resumo escrito e fiel do que se passou na sessão de qualquer corpo deliberativo ou consultivo.” )

Das duas, uma: ou o cidadão comum vai assistir presencialmente à reunião, mediante inscrição e desde que, não estejam preenchidos os lugares disponíveis, fruto das regras de distanciamento; ou, o cidadão comum aguarda pela Acta da reunião que, num resumo resumido resumidamente, reproduz resumidamente e de uma forma resumida, um resumo daquilo que aconteceu. E isto é ponto assente porque resulta da lei. E não, nem pensar em fazer algo mais do que o que está previsto na lei, nomeadamente a transmissão digital da sessão como se faz por todo o país e um pouco por todo o mundo. Sobre essa matéria, de ultrapassar a lei, só nos casos de algum promotor imobiliário que apresente um projecto “bonito”… (perdoem-me voltar ao tema).

Há 47 anos que vivemos em democracia. Democracia que chegou com Abril, pondo fim à ditadura, aos poderes absolutos, aos secretismos, às áreas reservadas de acesso a informação que é, obrigatoriamente, pública. Espero sinceramente que a sessão da Assembleia Municipal seja gravada e disponibilizada nas plataformas digitais. Assim como a de dia 26 de Fevereiro. Seria um erro crasso deste executivo em funções, recuar neste salto gigantesco que Sesimbra deu na aplicação das tecnologias existentes, contribuindo inequivocamente para o crescimento da democracia, num concelho que se espera mais coeso e participativo.


(fotografia da página de "SES!MBRA - YouTube")


Comentários

Mensagens populares