Partilho aqui o meu artigo de opinião no Jornal "Raio de Luz" de Janeiro de 2024.

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Com a cobertura de todas as televisões nacionais, aquele que foi considerado pelo seu líder, “maior congresso de 2024”, invadiu os lares dos portugueses durante três dias. O principal objectivo terá sido conseguido: o CHEGA e o seu congresso dominaram a actualidade nacional, com dezenas de comentadores a enfatizarem o que foi dito e o que não foi dito por Ventura e os seus militantes.

Parece que o CHEGA tem vindo a subir nas intenções de voto, com desempenhos teatrais do seu líder que, dizendo o que muitos querem ouvir, mistura o que não deve ser misturado, numa ausência total de visão, de estratégia, de futuro. O objectivo de Ventura é simples: chegar à cadeira do poder.

Com posições antidemocráticas e anticonstitucionais, Ventura cita Sá Carneiro ao mesmo tempo que faz promessas de extrema-esquerda. É importante repetir: com posições antidemocráticas e anticonstitucionais, Ventura cita Sá Carneiro ao mesmo tempo que faz promessas de extrema-esquerda.

Não existe nada em Ventura. Apenas o populismo, que ele acredita, talvez fruto de um sonho alucinante, o irá transformar em Primeiro-Ministro de Portugal.

Dirige-se a tudo e a todos: forças de segurança, professores, reformados e pensionistas. E dispara contra os migrantes, os subsídios, a corrupção. Sobre uma qualquer visão relativamente à saúde, habitação, educação, justiça, nem uma palavra. E mais: sobre o impacto directo que tantas promessas causariam no orçamento de estado, nomeadamente na carga fiscal (impostos), e em que medida a gestão do país ficaria comprometida e arruinada, Ventura não demonstra ter qualquer tipo de preocupação. E sobre a Europa e as relações de Portugal com o resto do mundo, sobre o impacto das duas guerras e da inflação, nada. Um discurso vazio, pobre, que se sustenta nos desabafos do povo português, com um único objectivo: dizer o que muitos querem ouvir, angariando votos que lhe permitam alcançar o poder.

Os portugueses não estão cansados da democracia, nem dos direitos constitucionais, nem da liberdade conquistada. Ninguém deseja regressar a um passado de 50 anos. Os portugueses estão cansados é de ver consecutivamente o lavar de roupa de partidos que, ao invés de se ocuparem com o que interessa, perdem tempo a fazer oposição que visa, não o interesse de Portugal e dos portugueses, mas o interesse do partido e das eleições que se avizinham. E com isso, permitem o crescimento de discursos desarticulados com a realidade do mundo, que vão crescendo um pouco por todo o lado (nomeadamente na Europa) e que em Portugal surge através de André Ventura. E serve apenas um único objectivo: inflamar a opinião pública, passando uma imagem de coragem, de afronta, que multiplica nas redes sociais na busca de seguidores e apoiantes.

Ventura fala às massas que têm reivindicado direitos nestes últimos dois anos, nas ruas um pouco por todo o país, mostrando as deficiências do sistema, das instituições e de muitas profissões. Ventura segue o apelo de Jerónimo de Sousa em 2022, quando António Costa venceu com maioria absoluta: “dinamização da luta de massas”. E ouvindo o que dizem, cola-se a manifestações e frases de ordem, seguindo a promessa que fez em 2022, quando conseguiu transformar o CHEGA no 3º partido mais votado: “António Costa, agora vou atrás de ti!

E no meio deste espectáculo teatral, o que fazem os outros partidos?

O líder do PCP diz que “votar no PS é um voto perdido”. Porque PS e PSD são iguais. Não sei se o líder comunista tem a ilusão de que quem não votar PS irá em massa, votar no PCP. E se por um acaso não considerou que, com essa frase, estará a contribuir para o crescimento de Ventura. Parece-me que o PCP deveria optar pela mesma estratégia de 2022 (comum a toda a esquerda): evitar um governo de direita, evidenciando aquilo que une a esquerda e não aquilo que a separa.

A líder do BE quer que “a direita continue em minoria” e até não rejeita uma futura geringonça com o PS. Como é óbvio, não diz que votar no PS é um voto perdido. Porque o que lhe interessa é que a esquerda ganhe e que um governo de direita esteja completamente hipotecado.

O líder da IL diz estar disponível para “participar em soluções que transformem o país”, desde que o CHEGA fique de fora de qualquer solução. Significa que, seja uma vitória da esquerda ou da direita, a IL está pronta para participar desde que Ventura não faça parte da solução governativa.

O líder do PSD admitia “desafiar todos os outros partidos” a encontrar uma solução de governo, excluindo o CHEGA”, antes de se ter coligado com o CDS e o PPM numa nova AD. E misturar esta AD de 2024 com a AD de 1979, seria como misturar azeite com água. Até porque o PPM é o mesmo partido (e com o mesmo líder) que se coligou com Ventura, em 2019, para as eleições europeias (sobre a sigla BASTA!). Já Luís Montenegro foi líder parlamentar do governo de Passos Coelho que implementou medidas “muito para além da Troika”, num “brutal aumento de impostos”. E hoje, no dia em que escrevo, Luís Montenegro promete descer o IRS e o IRC com sentido de responsabilidade” e, quando questionado sobre a recessão previsível e o impacto que a mesma terá nessa promessa de descida de impostos, respondeu “não ignoramos isso”. Até porque, “não vou cortar nada; vou gerir melhor”, sendo que o “objectivo é ter contas públicas equilibradas.”

O líder do PS diz que agora é que vai ser. E António Costa afirma que “só o PS pode fazer melhor do que o PS”. Então mas é agora que o PS vai fazer melhor do que o PS? Ou será que o primeiro PS é de “Pedro (Nuno) Santos” que irá fazer melhor do que o segundo PS de “partido socialista” (de António Costa)? Sabendo-se que Pedro Nuno Santos foi ministro de António Costa e que, numa sucessão de casos, nomeadamente na TAP, acabou por se demitir.

Entretanto o espectáculo teatral e a subida de Ventura continua (as sondagens apontam para a eleição de 35 a 50 deputados, face aos 12 actuais) enquanto os outros partidos andam entretidos uns com os outros. Num cenário utópico, seria irónico ver o CHEGA liderar as comemorações dos 50 anos sobre o 25 de Abril. Seria irónico ver como as diferenças entre PCP, BE, IL, PSD e PS dissipariam instantaneamente. Afinal, todos (excepto o CHEGA) defendem a democracia, a constituição e a liberdade conquistada.

O discurso populista de Ventura deverá ser desmascarado, ponto por ponto, por todos os partidos democráticos do país que é Portugal. Todos os canais de comunicação social, devem desmascarar e explicar o absurdo das promessas elencadas por Ventura. Mas também todos nós, em todo o lado, teremos a obrigação de saber o que significa o CHEGA perante a democracia e a liberdade.

Ventura, numa explicação mais popular, será como o avô que faz as vontades todas ao neto. A diferença é que entre este avô e este neto, não existe um pai e uma mãe. Não basta defender as reivindicações e transformá-las em promessas eleitorais. Governar um país é muito mais do que isso. É, nas palavras de hoje de Luís Montenegro, gerir com “sentido de responsabilidade” com o objectivo de “ter contas públicas equilibradas.”

Ou seja, na altura que divide a escolha entre comprar um gelado para o neto (que grita a plenos pulmões o desejo pelo mesmo) ou, comprar o livro de português para a escola desse mesmo neto, convém que haja alguém com “sentido de responsabilidade” que atendendo ao presente imediato, não hipoteque o futuro desastrosamente.

Parece que a maior fatia de eleitorado do CHEGA, está entre os 18 e os 54 anos. Dá que pensar. Uma faixa etária que corresponde na esmagadora maioria a todos os que nasceram e cresceram em democracia e em liberdade, com os direitos consagrados na constituição da república portuguesa. Estarão estes portugueses cansados da democracia, dos direitos constitucionais e da liberdade que assumem como sendo um dado adquirido?

André Ventura tem posições antidemocráticas e anticonstitucionais e é o líder de um partido de extrema-direita que não respeita nem a diferença nem a diversidade nem a liberdade de cada um perante o outro. Só isto deveria ser suficiente para demover qualquer eleitorado no próximo dia 10 de Março de 2024.

O eleitorado, todos nós, o que esperamos é que os partidos democráticos, que respeitam a constituição e defendem e prezam a liberdade conquistada, se deixem de politiquices. Se deixem de discussões personalizadas e de comparações. O que o eleitorado tem de decidir é a quem irá entregar a gestão do futuro: à esquerda ou à direita. E essa decisão não é tomada com base naquele que grita mais alto.

Seria bom que todos os partidos se concentrassem nas soluções para a saúde, para a educação, para a habitação, para a justiça,… Mas também nas questões relacionadas com as energias renováveis, a gestão de resíduos, as alterações climáticas, a inteligência artificial… E não caíssem nas promessas fáceis e populistas. Um programa de estado, que possibilite até, acordos de futuro, seja quem for o governo eleito. Portugal precisa de um rumo, que não pode ser alterado a cada acto eleitoral. Já basta por exemplo, os 50 anos para decidir a localização do aeroporto ou, os 20 anos para construir o TGV.

Seria bom que todos os partidos apresentassem de facto programas eleitorais concretos para problemas concretos. E se a direita se reúne numa nova AD, talvez não fosse má ideia a esquerda apresentar propostas, não contra a própria esquerda mas sim, que contraponham as propostas de direita em matérias que são fundamentais para o país. Para que o resultado eleitoral do próximo dia 10 de Março não seja de facto uma surpresa surpreendente (perdoem-me a redundância).






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