MAIS UMA VEZ: NÃO AUTORIZO QUE UM ÚNICO CÊNTIMO DOS MEUS IMPOSTOS, SEJA GASTO NISTO

Há cerca de um ano, dediquei alguns considerandos àquela que era a nova publicação da Câmara Municipal, de nome “Sesimbra”, com uma periodicidade trimestral. Há um ano afirmei: NÃO AUTORIZO QUE UM ÚNICO CÊNTIMO DOS MEUS IMPOSTOS, SEJA GASTO NISTO

E passado um ano, eis que surge o número três dessa publicação trimestral. O que é estranho porque sendo uma publicação trimestral, deveria ser o número cinco e não, o número três. Digo eu, dado que uma publicação trimestral deveria surgir a cada três meses mas, como é óbvio, seria difícil arranjar assuntos a cada três meses que justificassem os gastos da impressão. 

E é apenas perante uma publicação de João Augusto Aldeia, com a indignação que seria de esperar, que decidi olhar para esta terceira edição.  

Desta vez, para além do nome “Sesimbra”, surge a indicação de que se trata de uma “Revista”. Melhor explicando: a publicação afinal chama-se “Sesimbra Revista” ou “Revista Sesimbra”. E passado um ano, reafirmo mais uma vez: NÃO AUTORIZO QUE UM ÚNICO CÊNTIMO DOS MEUS IMPOSTOS, SEJA GASTO NISTO.

Permitam-me voltar à primeira edição desta “Sesimbra Revista” ou “Revista Sesimbra”. Dos cinco temas que seriam abordados na edição seguinte, apenas foram abordados três. O tema relativo à “Grande Rota da Arrábida” e à “Estação Náutica” foram esquecidos. Talvez não fosse má ideia, retirar estas promessas da revista, porque nem na revista as promessas conseguem ser cumpridas. 

À segunda edição da “Sesimbra Revista” ou “Revista Sesimbra”, não dediquei uma única frase ou palavra. Nem vou dedicar. Há coisas que nem merecem tempo. E confesso que foi apenas por curiosidade que fui ver (hoje) quais seriam os cinco temas que iriam ser abordados nesta terceira edição. E e não é que, dos cinco temas prometidos, dois foram esquecidos outra vez? Nem uma palavra sobre os “Espólios do Arquivo Municipal”. Nem uma palavra sobre os “Projectos que marcam 2023”. Fantástico. Seria bom que, pelo menos na revista, não prometessem temas que depois não são concretizados. Já nos basta o dia-a-dia e as promessas com décadas, repetidas de quatro em quatro anos, a cada acto eleitoral.

E o que dizer sobre esta terceira edição? Repetir mais uma vez: NÃO AUTORIZO QUE UM ÚNICO CÊNTIMO DOS MEUS IMPOSTOS, SEJA GASTO NISTO. Até porque, numa situação inesperada, as folhas da revista, por serem plásticas e altamente poluentes, não permitem outros usos.

Dizia o editorial da primeira edição que a nova revista apostava no rigor informativo, para que a opinião do cidadão comum começasse a valer alguma coisa. Nem sei que diga.

O que seria de esperar seria de facto rigor informativo. Nomeadamente por parte da entidade que gere o território municipal e que tem um sem número de arquivos e dados históricos sobre o Concelho de Sesimbra. Estamos no século XXI. E no século XXI, a história não se reescreve, nem se altera. Porque a informação é global. E porque felizmente, muitos ainda têm a memória de outros tempos. Daqueles tempos em que, segundo reza a história, o então Presidente da Câmara, em pleno Verão, vestia uns calções, mandava fechar a Rua Jorge Nunes e sentava-se na esplanada do Tony a beber uma cerveja e a atender os munícipes. Seriam os outros tempos, em pleno «estado-novo».

 As “casas tipo-Câmara” são uma criação do «estado-novo». E existem às dezenas desde a década de 50 do século passado (e não apenas em Sesimbra). Ou seja, 24 anos antes do 25 de Abril de 1974. Ser a Câmara Municipal de Sesimbra a afirmar que “nos primeiros anos após o 25 de abril (…) desenvolveu um projecto-tipo de habitação unifamiliar” é, para além de grave, faltar à verdade histórica. São quatro páginas absolutamente lamentáveis. Na linguagem do século XXI, direi que se trata de uma enorme “fake news”. 

Afirmar que “logo após a Revolução”, detalhando que terá sido “ainda durante o período da Comissão Administrativa”, que a Câmara desenvolveu projectos-tipo de moradias, é surreal. E associar essa ideia a um hipotético controlo sobre a construção clandestina é ainda mais surreal. Mas mais caricato ainda é afirmar que os projectos-tipo desenvolvidos foram “um exemplo do trabalho das autarquias na área da habitação”. Nem sei se ria, se chore.

E mais: dizer que em 1974, “a legislação que regulamentava a construção, tal como a conhecemos hoje, dava os primeiros passos” é absolutamente inacreditável.  Talvez apenas dizer (já que o assunto é relativo à construção de habitação) que o famoso e velhinho RGEU, data de 1951!

E que em 1934, relativamente ao ordenamento do território, foram criados os Planos Gerais de Urbanização. E Sesimbra desenvolveu pelo menos três Planos Gerais de Urbanização (1938, 1941 e 1950) e um Plano Director do Concelho (1966). 

Curiosamente, depois de 1974, Sesimbra conseguiu publicar o PDM em 1998 (durando a Revisão há mais de 16 anos!) Mais: depois de 1974, Sesimbra não conseguiu fazer um único Plano de Urbanização para a Vila de Sesimbra. Aparentemente, o 25 de Abril de 1974, travou o ordenamento do território no Concelho: não só não foram aplicados nenhum dos planos desenvolvidos pelo «estado-novo» (e altamente controversos) como a construção foi acontecendo, ao sabor da maré, com mais ou menos pisos, por toda a Vila sede de Concelho.

Vamos pois à história real:

  • Em 1933 (41 anos antes do 25 de Abril), o «estado-novo» cria o “Programa de Casas Económicas” sustentado na modéstia e no valor da família;
  • Em 1934 (40 anos antes do 25 de Abril), o «estado-novo» instituiu a obrigatoriedade das Câmaras virem a contratar “urbanista consultor” para desenvolver os respectivos planos de urbanização; 
  • Em 1934, Raul Lino é contratado pelo «estado-novo» para realizar um projecto-tipo de habitação que fosse exequível em todo o país, com variações conformes com o contexto urbano ou rural;
  • No período correspondente à II Guerra Mundial, o programa ficou mais ou menos esquecido; será apenas no início da década de 50 que Portugal irá receber ajuda financeira (70 milhões de dólares) desenvolvendo a partir daí uma série de investimentos, nomeadamente na concretização do "Programa Casas Económicas";
  • Em 1956, (e socorro-me de um artigo de João Augusto Aldeia, publicado na segunda edição da revista «Akra-Barbarion»: “A Avenida-Parque: ingenuidade e malícia no planeamento urbano da Vila de Sesimbra”) a Câmara, no seu orçamento municipal, “incluiu uma autorização para criar o lugar de “arquitecto ou engenheiro”;
  • Em 1961 é criado o Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal de Sesimbra;
  • Esse Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal de Sesimbra era composto por cinco elementos dos quais cito apenas: Arqtº. Nereus Fernandes (consultor) e Arqtº. Cantante (part-time e apenas duas vezes por semana);
  • Entretanto, foi criado o Gabinete de Construção da Ponte sobre o Tejo e o Arqtº. Cantante saiu da Câmara Municipal de Sesimbra, ingressando nesse gabinete da construção da ponte;
  • Numa parceria entre a Câmara de Sesimbra e a Câmara do Seixal, foi estabelecido um protocolo onde veio a ser contratado o Arqtº. Rogério Cayate a tempo inteiro mas que, desempenharia as suas funções repartidas e em rotatividade: uma semana de manhã em Sesimbra e, de tarde, no Seixal; na semana seguinte, o contrário;
  • O Arqtº. Nereus Fernandes já trabalhava na Câmara Municipal de Sesimbra antes de 1961;  
  • No jornal Raio de Luz de Agosto de 2022, é referido na notícia relativa aos 75 anos do Grupo Desportivo de Sesimbra (sobre a construção do gimnodesportivo): “Os primeiros passos iniciaram-se em 1948, com o município, presidido por José Braz Roquete a prometer a cedência de um terreno para a construção do gimnodesportivo. Na altura adjudicaram-se os primeiros estudos e o projecto ao Arq.º Nereus Fernandes. (…) e em 1956, na festa do Senhor das Chagas foi mostrada, publicamente, a primeira maquete”;
  • Terá sido (digo eu) o Arqtº. Nereus Fernandes o autor do primeiro projecto-tipo de habitação em contexto rural, para o concelho de Sesimbra, cumprindo aquelas que eram as regras do «estado-novo» e inspirando-se nos projectos-tipo que então eram desenvolvidos, nomeadamente para a cidade de Lisboa;
  • Acresce que, em 1952 Nereus Fernandes era também um dos arquitectos do regime, escolhido para desempenhar funções como arquitecto na Câmara de Lisboa. 

O primeiro projecto de “casa tipo-Câmara” era um rectângulo de 7m x 6m. 42 m2 com um telhado de duas águas, uma porta e duas janelas no alçado principal. Podia, ou não, ter um pequeno alpendre (tal como definiu Raul Lino). Este modelo foi replicado durante a década de 50 e 60 pela Freguesia do Castelo, para famílias que possuindo terrenos, não disponham de capacidade financeira para suportar o custo dos projectos. A casa era “económica” e desprovida de luxos, já que a família portuguesa desejava “antes a casa pequena, independente, habitada em plena propriedade pela família” (tal como definiu Salazar, em 1933, aquando da apresentação do "Programa de Casas Económicas").

Posteriormente, foram desenvolvidos dois novos projectos de “casas tipo-Câmara”, maiores, com aproveitamento de sótão e até, se o terreno o permitisse, cave. Um desses projectos permitia também que a casa crescesse ao ritmo do crescimento da própria família. 

Depois do 25 de Abril de 1974, a Câmara limitou-se a reproduzir o que já vigorava há pelo menos, duas décadas! E a concentrar as suas atenções na Quinta do Conde que, durante a década de 70, cresceu clandestinamente e a um ritmo alucinante. Não existem “casas tipo-Câmara” na Quinta do Conde. Porque o projecto de “casas tipo-Câmara” não serviu para conter a construção ilegal. Serviu isso sim para permitir que um sem número de famílias, que viviam da terra, da agricultura, sem recursos financeiros, pudessem construir uma casa que, sendo económica, permitia viver com dignidade e em segurança. 

Volto a recomendar o artigo de João Augusto Aldeia, publicado na segunda edição da revista «Akra-Barbarion». É uma ferramenta útil para todos os que desconhecem a história sesimbrense (nomeadamente a sua ocupação e desenvolvimento urbano) e que, nesse desconhecimento, produziram um conteúdo lamentável que nem sequer pode ser apelidado de “lapso”. É demasiadamente grave para isso.

Repito mais uma vez: NÃO AUTORIZO QUE UM ÚNICO CÊNTIMO DOS MEUS IMPOSTOS, SEJA GASTO NISTO.



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