O NOVO FLAGELO DE SESIMBRA

Pois é. Parece que existe um novo flagelo em Sesimbra. Mais concretamente na Vila sede de Concelho (freguesia de Santiago). Parece que afinal o crescente despovoamento da Vila, que se tem verificado nas últimas décadas, é graças a esse grande bicho-papão que anula casas que deviam ser colocadas em arrendamento acessível e são transformadas em alojamentos locais. Fantástico.

Atente-se naquelas que foram algumas das explicações prestadas na reunião de Câmara da passada sexta-feira, dia 24 de Março (transcrevo textualmente):

"(…) Sesimbra tem, à semelhança do que acontece com todas as áreas metropolitanas e todos os territórios onde a pressão demográfica é muito grande e é muito grande porque é muito apetecível, é mais apetecível (...) e atraem muitos turistas (…)

Primeira constatação: Sesimbra é um destino turístico. Aliás, aparentemente o Turismo continuará a ser assumido (no âmbito da revisão do PDM) como o grande motor de crescimento e desenvolvimento económico do Concelho. Será portanto normal que, Sesimbra, e a Vila de Sesimbra, sejam apetecíveis e por isso “atraem muitos turistas”.

E essa verdade, enquanto destino turístico, ficou plasmada naquele Plano Estratégico de Turismo que ficou escondido dentro de uma gaveta. Estava lá tudo! (como aparentemente, estará tudo na proposta de Revisão do PDM e que é, como sabemos, “um documento estratégico de excelência”).

Mas, há falta de aplicabilidade (sabe-se lá porquê) do Plano Estratégico de Turismo, a Câmara tratou de delimitar uma Área de Reabilitação Urbana (ARU) na Vila de Sesimbra em 2014 e, consequentemente aprovou a Operação de Reabilitação Urbana (ORU) em 2017. 

Permitam-me repetir o que referi na minha participação sobre o programa “MAIS HABITAÇÃO” (link):

Nestes dois documentos foram definidos dois desafios importantes que culminaram na definição de três objetivos específicos. Não vou como é óbvio transcrever a estratégia da ARU e a estratégia da ORU. Vou apenas referir dois dos objectivos estratégicos e algumas das medidas definidas.

Primeiro objectivo estratégico:

Promover e incrementar o turismo – combatendo a sazonalidade na procura do destino da vila de Sesimbra, diversificando a oferta turística e assim libertando a economia local do modelo de turismo de “sol e praia”.

Ou seja, a ARU e a ORU identificou claramente no seu primeiro objectivo, “a sazonalidade na procura do destino da vila de Sesimbra”. Significa portanto que o grande flagelo da Vila de Sesimbra é, a sazonalidade turística. E uma das medidas definidas para combater esse flagelo:

Aumentar o nível de reabilitação e valorização do edificado, situado nas zonas de proteção dos imóveis classificados e recuperar os edifícios que façam parte do património arquitetónico local, dotando-os de condições de habitabilidade compatíveis com as exigências da vida urbana contemporânea, devolvendo-lhes o uso residencial ou explorando a sua aptidão para uma utilização turística, na versão de Alojamento Local ou Turismo de Habitação”.

Significa portanto que a ORU definiu como primeiro objectivo estratégico o TURISMO. E para atingir esse objectivo apostou na “reabilitação e valorização” dos edifícios existentes, “devolvendo-lhes o uso residencial ou explorando a sua aptidão para uma utilização turística, na versão de Alojamento Local ou Turismo de Habitação”. 

Importa repetir: reabilitar e valorizar os edifícios existentes “devolvendo-lhes o uso residencial ou explorando a sua aptidão para uma utilização turística, na versão de Alojamento Local ou Turismo de Habitação”. Ou seja, desde 2017, está definido no primeiro objectivo da ARU e da ORU, a possibilidade de uma de duas soluções:

  • Reabilitar os edifícios existentes para uso residencial ou;
  • Reabilitar os edifícios existentes para uso turístico, nomeadamente Alojamento Local.

Voltemos às explicações prestadas na reunião de Câmara (dia 24 de Março) que consideram que o facto de Sesimbra atrair (e cito textualmente):

(…) muitos turistas têm este lado perverso: é que se torna muito mais apetecível e muito mais rentável alugar casas à semana naquilo que é chamado alojamento local do que fazer um arrendamento de longa duração e portanto está neste momento muito complicado o mercado de arrendamento em Sesimbra (...) o que torna muito difícil a vida mais uma vez dos nossos concidadãos e das pessoas que moram nestes territórios (…) nós não temos nenhum regulamento que impeça por exemplo a possibilidade de alguém que tem uma casa de habitação a transforme num alojamento local (...)”.

É exactamente o inverso. O que Sesimbra tem, desde 2017, é uma Operação de Reabilitação Urbana que considerou como primeiro objectivo o Turismo, definindo o flagelo “sazonalidade” e um conjunto de medidas que visam promover uma maior oferta turística, nomeadamente através da reabilitação de edifícios existentes para uso habitacional ou turístico, definindo expressamente o Alojamento Local. 

Lamento ser eu a esclarecer esta questão à CDU mas, foi a CDU que definiu esta estratégia e infelizmente, não a soube implementar (para além dos benefícios fiscais inerentes à mesma). Até porque o segundo objectivo estratégico definido pela ARU e pela ORU (repito: o segundo; não o primeiro):

Repovoar a vila, mantendo a população que atualmente existe e atraindo novos residentes, melhorando a qualidade de vida e promovendo a inclusão social, a coesão territorial e a sustentabilidade.” 

Ou seja, a ARU e a ORU identificou depois da “sazonalidade na procura do destino da vila de Sesimbra”, a necessidade de “repovoar a Vila”. Significa portanto que o segundo grande flagelo da Vila de Sesimbra é a despovoação. E uma das medidas definidas para combater esse flagelo: 

Assegurar a reabilitação de edifícios degradados ou funcionalmente inadequados, contribuindo, simultaneamente, para a melhoria da imagem da vila e para aumentar a sua procura para habitação permanente, particularmente nos bairros localizados na zona envolvente, devendo para o efeito a reabilitação a realizar permitir que os edifícios adquiram um nível de conservação mínimo, ou seja, o nível médio.” 

Significa portanto que a ORU definiu como segundo objectivo estratégico a HABITAÇÃO. E para atingir esse objectivo apostou na “reabilitação de edifícios degradados ou funcionalmente inadequados” que contribuiriam “para aumentar a sua procura para habitação permanente, “particularmente nos bairros localizados na zona envolvente” (entenda-se, fora do núcleo histórico e medieval da Vila de Sesimbra). 

Melhor explicando: a ARU e ORU da Vila de Sesimbra definiram como primeira prioridade o TURISMO e o combate à sazonalidade, apostando que, no núcleo histórico e medieval (identificado na ARU como “zona nuclear”) a “reabilitação e valorização” dos edifícios existentes seria destinada ao uso habitacional, Alojamento Local ou Turismo de Habitação. 

Fora desta “zona nuclear”, seria desenvolvida a segunda prioridade: HABITAÇÃO e o combate à despovoação da Vila de Sesimbra. Foi isto. É isto que está em vigor desde 2017 e por esta ordem de prioridade: combater a sazonalidade turística e repovoar a Vila de Sesimbra.

E relativamente à Habitação (segundo objectivo) a ORU alertava que, apesar do núcleo histórico e medieval da Vila de Sesimbra estar, como é óbvio, direccionado para o Turismo (e não para Habitação) seria necessário criar bolsas habitacionais, dado que a vitalidade do centro da Vila em muito contribuiria para o Turismo. E assim, definiu como primordial “limitar o número de fogos permitidos por edifício, em especial as tipologias T0 e T1” contendo igualmente “a alteração do uso habitacional para outros fins” e, sem descorar o primeiro objetivo: reabilitar edifícios para uso habitacional ou turístico, “evitar que os edifícios mais aptos para as funções residenciais, pelas suas características e dimensão, sejam convertidos” nomeadamente “em empreendimentos turísticos” ou em “segunda habitação”. 

Alerta também para a necessidade de conter “a transformação de espaços comerciais, em regra existentes nos pisos térreos, em unidades residenciais, sob pena dos serviços necessários à vivência habitacional serem manifestamente insuficientes, contribuindo para a falta de atratividade residencial da zona histórica da vila”.

Ou seja, o primeiro objectivo estratégico definido (Turismo) considerava também a necessidade de manter vida quotidiana no centro da Vila, com bolsas habitacionais, evitando tipologias T0 e T1, evitando que edifícios existentes, “aptos para as funções residenciais”, fossem convertidos “em empreendimentos turísticos” ou em “segunda habitação” e, evitando que os espaços comerciais existentes nos pisos térreos fossem afectos a habitação (e poderia dar tantos exemplos destes exemplos que seriam a evitar).

Melhor dizendo: dentro do perímetro urbano turístico (coincidente grosso modo, com o núcleo histórico e medieval da Vila de Sesimbra) haveria que criar bolsas habitacionais. No fundo, estabelecer um equilíbrio do destino turístico que, para além do comércio, dos alojamentos locais e da segunda habitação, garantisse também uma função residencial permanente. E para isso, estabelecia desde logo que edifícios habitacionais existentes (e podia dar uma série de exemplos recentes) não fossem transformados em tipologias T0 e T1, (promovendo a segunda habitação) nem em empreendimentos turísticos. Avancemos.

Relativamente ao segundo objectivo estratégico definido (Habitação), e à necessidade evidente de repovoar a Vila de Sesimbra, a ORU definiu também um conjunto de medidas tendentes à dinamização do mercado de habitação e de arrendamento, estabelecendo (entre outras) que o Município deveria “criar uma política de arrendamento própria para vila, que vá para além do arrendamento social, consubstanciada no aproveitamento e afetação de património imobiliário municipal, para arrendamento habitacional a jovens famílias, incluindo a aquisição de imóveis para esse fim”. 

Uma medida simples. E a pergunta que se impõe: que política de arrendamento, “própria para a vila, que vá para além do arrendamento social, consubstanciada no aproveitamento e afetação de património imobiliário municipal, para arrendamento habitacional a jovens famílias, incluindo a aquisição de imóveis para esse fim” foi definida pela Autarquia? Estará esse “património imobiliário municipal” considerado “para arrendamento habitacional a jovens famílias, incluindo a aquisição de imóveis para esse fim”? E será que irá obter financiamento do PRR? 

Mas definiu mais: 

Ainda neste âmbito, será útil desenvolver parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos, com vocação social, como é o caso da Santa Casa da Misericórdia que, na Área de Reabilitação Urbana do “Núcleo Antigo da Vila de Sesimbra”, detém vários edifícios e inúmeras frações habitacionais, afirmando-se como um parceiro relevante para colaborar no desenvolvimento de programas de estímulo ao arredamento, orientados para segmentos de população específicos, que não de apoio social.” 

Até parecia simples. E a pergunta é clara: que parcerias foram desenvolvidas por exemplo, com a “Santa Casa da Misericórdia que, na Área de Reabilitação Urbana do “Núcleo Antigo da Vila de Sesimbra”, detém vários edifícios e inúmeras frações habitacionais”? Estarão estas parcerias definidas e prontas para serem apresentadas a financiamentos do PRR?

Resumindo, a Autarquia tem, desde 2017, uma Operação de Reabilitação Urbana em vigor, com objectivos definidos e medidas a aplicar tendo em vista a promoção do turismo e o combate à sazonalidade e, o repovoamento da Vila com mais habitação. O que é que falhou?

De acordo com a citada reunião de Câmara da passada sexta-feira, parece que a Autarquia vai ficar à espera das conclusões do governo sobre o programa «Mais Habitação» e da discussão que terá lugar na Assembleia da República. Por outras palavras: a Autarquia de Sesimbra vai esperar por uma nova lei que regule aquilo que, no caso de Sesimbra, está regulado desde 2017. Fantástico.

E porquê? Porque uma das propostas do programa «Mais habitação» é suspender novas licenças de Alojamento Local (e cito textualmente) “exactamente para que não haja esta desertificação em termos de resposta de arrendamento”. Nem sei que diga.

Talvez com dados concretos seja melhor entendível esta “desertificação em termos de resposta de arrendamento”. Dizem os Censos de 2021 que a Freguesia de Santiago tem 4.083 habitantes e um total de 6.010 fogos. Destes 6.010 fogos apenas 1.922 são habitação permanente. E nestes fogos de habitação permanente estão 748 arrendamentos (sendo que existem rendas inferiores a 20€ e superiores a 1.000€; grosso modo, o custo do arrendamento situa-se entre os 300€ e os 399€).

Existem 6.010 fogos na Freguesia de Santiago. 3.536 destes fogos são, segunda habitação. E apenas três fogos dos 6.010 existentes estão identificados como “apoio social”. Em Alojamento Local estão um total de 548 fogos. E são estes fogos em Alojamento Local os grandes responsáveis pela “desertificação em termos de resposta de arrendamento”. Fantástico.

A despovoação da Vila de Sesimbra resulta apenas de uma coisa: falta de estratégia em aplicar a estratégia. Falta de estratégia. E é mais grave ainda quando essa estratégia está definida e aprovada desde 2017! A “desertificação em termos de resposta de arrendamento” prende-se única e exclusivamente pela falta de “uma política de arrendamento própria para vila, que vá para além do arrendamento social, consubstanciada no aproveitamento e afetação de património imobiliário municipal, para arrendamento habitacional a jovens famílias, incluindo a aquisição de imóveis para esse fim”. E esta verdade está consagrada na ORU desde 2017.

Na ARU e na ORU, o flagelo identificado como prioritário foi a “Sazonalidade”. O segundo flagelo identificado como prioritário foi o “Despovoamento”. E, aquele que é neste momento, para a Câmara Municipal, o maior flagelo de sempre, responsável pela “desertificação em termos de resposta de arrendamento”, é o Alojamento Local. Não é a falta de tudo para o todo. Nada disso. São apenas os fogos em alojamento local que impossibilitam o mercado de arrendamento. Não é mais nada. E a solução passa por esperar por medidas governamentais porque, a Autarquia, tendo um regulamento eficaz e em vigor desde 2017, apenas consegue aplicar os benefícios fiscais inerentes à Operação de Reabilitação Urbana.

O que falta à Vila de Sesimbra é a aplicabilidade de todas as medidas definidas na Operação de Reabilitação Urbana em 2017. E relativamente ao primeiro objectivo estratégico definido: combater a sazonalidade turística, a medida foi em parte implementada, mas carece de maior aplicabilidade. Porquê? 

  • Em primeiro lugar porque parece ser evidente para todos os membros do executivo municipal que Sesimbra tem falta de camas perante a procura. E o Alojamento Local (grande bicho-papão do arrendamento) é apenas uma das soluções possíveis para ajudar a sanar essa falta, sendo que ocupa pouco mais de 9% dos fogos existentes. Acresce que o Alojamento Local permitiu reabilitar não apenas muitas das casas existentes, mas também a imagem urbana da Vila de Sesimbra, com investimento totalmente privado. Mais: o Alojamento Local permitiu voltar a encher de vida ruas da Vila que estavam completamente devolutas e desertas.
  • Em segundo lugar porque a segunda habitação é o garante efectivo de quebrar a sazonalidade turística. É a segunda habitação que mantém vivos muitos dos estabelecimentos de comércio existentes (nomeadamente restauração) durante a época baixa (de outubro a junho) devolvendo alguma dinâmica ao centro da Vila. E é também a segunda habitação que proporciona um encaixe financeiro (idolatrado pelo executivo municipal) em sede de IMT e IMI. 
  • Em terceiro lugar porque as bolsas habitacionais que deveriam existir, existem. E nos casos em que edifícios habitacionais existentes, são objecto de recuperação total, cabe à Câmara assegurar que os mesmos mantêm o uso habitacional, nomeadamente para habitação permanente, conforme define a ORU. E esta é uma das medidas que carece de aplicabilidade.
  • Em quarto lugar, perante as dinâmicas criadas, cabe também à Câmara tornar o destino turístico atractivo (que não apenas a beleza natural): com condições de transporte e mobilidade, estacionamento, zonas verdes, actividades culturais, assistência médica, diversidade de oferta comercial de qualidade (conforme definiu tão bem e eficazmente o Plano Estratégico de Turismo que está trancado dentro de uma gaveta),… fomentando a possibilidade real da segunda habitação se tornar habitação permanente (e com isso beneficiar não apenas o destino turístico mas também, os cofres camarários pela arrecadação por exemplo, de IRS que hoje, não recebe).

O que falta à Vila de Sesimbra é a aplicabilidade de todas as medidas definidas na Operação de Reabilitação Urbana em 2017. E relativamente ao segundo objectivo estratégico definido: povoar a Vila de Sesimbra, as medidas foram esquecidas. Porquê?

  • Em primeiro lugar porque a Câmara esqueceu a tarefa que lhe estava incumbida e não criou uma política de arrendamento próprio para a Vila. Não afectou nenhum do seu património imobiliário para arrendamento habitacional nem adquiriu imóveis para esse fim. Nada. E pasme-se: não o fazendo desde 2017, nada indica que o irá fazer agora, no âmbito do PRR, e em que o financiamento é a 100%. 
  • Em segundo lugar porque a Câmara não desenvolveu qualquer tipo de parcerias com entidades privadas, nomeadamente e conforme refere a ORU, com a Santa Casa da Misericórdia que é proprietária de vários edifícios e inúmeros apartamentos, localizados na Vila, nomeadamente no “Núcleo Antigo da Vila de Sesimbra”. Nada. E pasme-se: não o fazendo desde 2017, nada indica que o irá fazer agora, e que se precisarem de ser reabilitados, estariam enquadrados no PRR, com financiamento a 100%. 

A verdade pura e dura é que a “desertificação em termos de resposta de arrendamento” deve-se única e exclusivamente à inoperacionalidade da Câmara nos últimos cinco anos e meio. A responsabilidade da “desertificação em termos de resposta de arrendamento” não é do investimento privado. É isso sim, da falta de investimento público, da falta de parcerias, conforme estabeleceu a Operação de Reabilitação Urbana.

Atente-se em algumas das palavras do coordenador da Comissão de Planeamento Urbanístico, Ambiente e Ordenamento do Território aquando da apresentação efectuada à Assembleia Municipal para a aprovação da ORU em 2017 (LINK à Acta - página 8):

Disse que se tratava de um instrumento essencial para a manutenção da identidade histórico/arquitectónica do Núcleo Urbano da Vila de Sesimbra e fundamental para a economia local e também para o Turismo com perspetivas de uma melhoria qualitativa da oferta turística. Disse que esta Operação de Reabilitação Urbana seria uma oportunidade fundamental para dinamizar o mercado de arrendamento para habitação própria por forma a fazer a população jovem do Concelho regressar à Vila.

Atente-se na explicação prestada pela Câmara nessa mesma sessão da Assembleia Municipal que aprovou a ORU (e tão diferente da opinião que tem nos dias de hoje): 

Era pretendido um equilíbrio de uma Vila que continuasse a ser vivida pelos sesimbrenses, com condições de habitabilidade e que os valores das casas não disparassem de uma forma tão especulativa que interditasse a sua aquisição às famílias sesimbrenses e consequente permanência na Vila.”

(Aparentemente, a Câmara sabia que a ORU detinha os mecanismos que possibilitariam aos sesimbrenses, comprar casa e viver na Vila. Curiosamente, o arrendamento não surgia como opção. Continuemos.)

A segunda necessidade da Vila era a presença de turistas, pois eram, juntamente com o setor da pesca, as duas principais fontes de receitas de rendimento da Vila de Sesimbra. Não sendo fácil esse equilíbrio, o pretendido com o instrumento de intervenção urbanística, seria a criação de ferramentas para que os serviços urbanísticos da Câmara Municipal pudessem apreciar alguns Projetos e definir regras, orientações e estratégias no sentido de garantir esse equilíbrio".

(Fantástico. Então não é que em 2017, a Câmara também sabia que os turistas eram uma das principais fontes de receita da Vila? E que a ORU apresentava um conjunto de medidas que visava alcançar o equilíbrio entre Turismo e Habitação, ao definir “regras, orientações e estratégias”? Continuemos.)

"A Autarquia não poderia regular o mercado imobiliário, que por sua vez era regulado pelas suas próprias dinâmicas. Através da autorização daquilo que poderia ser ou não construído, a CMS poderia controlar a dinâmica dos preços a praticar na Vila".

(Ai sim? Fantástico. O que é que falhou então?)

Referiu que os mecanismos a aprovar dentro da ORU permitiriam à CMS ter uma maior capacidade de regular o mercado imobiliário dentro dos limites legais que neste momento estavam disponíveis para os municípios. Era também intenção da Autarquia que na futura revisão do PDM houvesse outros mecanismos que pudessem afunilar mais esta intervenção.

(A Revisão do PDM! Esse “documento estratégico de excelência” que continua guardado a sete chaves e longe de estar em vigor! O que nos descansa a todos é que “tá tudo no PDM!”)

E já agora dizer que na aprovação da ORU na mesma sessão da Assembleia Municipal, o único partido que votou contra a proposta foi o BE por considerar que e cito: “não havia nenhuma medida clara que defendesse a fixação de novos habitantes na Vila de Sesimbra. (…) Não concordava com esta proposta sem que fosse acompanhada de medidas que garantissem que houvesse um aumento da população da Vila e não a sua diminuição.

(A “medida clara que defendesse a fixação de novos habitantes na Vila de Sesimbra” ficou dependente da criação de uma “política de arrendamento própria para vila” – que nunca foi criada - e, a regulação do mercado imobiliário resultaria, nas palavras de então, da própria Câmara, “da autorização daquilo que poderia ser ou não construído, a CMS poderia controlar a dinâmica dos preços a praticar na Vila” – conceito abstrato e sem aplicabilidade nos últimos cinco anos e meio).

Mas importará referir também todos aqueles que votaram favoravelmente:

CDU: “Recomendou que houvesse um acompanhamento, nomeadamente da questão do turismo e habitação própria por forma a trazer mais residentes para a Vila de Sesimbra” denotando aqui alguma preocupação, apesar do documento ter sido produzido pela gestão CDU. Mas, para ultrapassar essa hipotética preocupação, atente-se na segunda intervenção:

Em reforço ao que já havia sido dito, o Grupo Municipal da CDU concordava com esta Operação e havia a expectativa de que se conseguisse atingir o proposto, nomeadamente a repovoação da Vila. Disse que esta Operação traria um melhor turismo para a Vila e consequentemente, um maior desenvolvimento da economia local. Por estes motivos, o voto da bancada da CDU seria favorável.”

(A CDU assumia que tinha a expectativa de repovoar a Vila. Não sabia nesta data que, nada iria fazer para criar a tal “política de arrendamento própria para vila”).

PS: “Havia um problema complexo na Vila de Sesimbra, relacionado com a circulação, o estacionamento e toda a requalificação urbana pública. Tratava-se de um passo importante e a revisão em curso do PDM seria a grande medida para compreensão do futuro da Vila de Sesimbra nos próximos anos. Salientou que o Partido Socialista concordava com todo este processo”.

(Talvez não fosse má ideia que os deputados municipais do PS actualmente em funções, lessem aquilo que o PS salientou em 2017: “concordava com todo este processo”. Ou seja, concordava com a estratégia e medidas do primeiro objectivo (turismo). E concordava também com a estratégia e medidas do segundo objectivo (habitação), dependente da criação de uma “política de arrendamento própria para vila” e sobre a qual nunca questionou. E mais: já em 2017, considerava que a “revisão em curso do PDM seria a grande medida para compreensão do futuro da Vila de Sesimbra nos próximos anos”). 

PSD/CDS: “Disse que tendo em consideração a fixação de pessoas jovens na Vila, o Turismo e o desenvolvimento local do Concelho, o PSD concordava com a proposta apresentada”.

E pronto. A ORU foi aprovada, está em vigor e, tirando os benefícios fiscais, não resultou em nada daquilo que eram as certezas dos deputados municipais. Termino repetindo (mais uma vez) dois parágrafos da minha participação sobre o programa “MAIS HABITAÇÃO”:

A Operação de Reabilitação Urbana tem como entidade gestora o Município, vigora durante 10 anos (ou seja, até 2027) sendo prorrogável por mais 5 anos, por deliberação da Assembleia Municipal. 

A entidade gestora (entra as várias tarefas que lhe incumbe), terá de “elaborar os relatórios de monitorização anual e os relatórios de avaliação da execução da operação a submeter à apreciação da assembleia municipal, a cada 5 anos”. Ou seja, talvez na próxima sessão da Assembleia Municipal que se realizará em Abril, os deputados municipais possam analisar “os relatórios de avaliação da execução da operação” com seis meses de atraso.

E agora acrescento:

E nessa análise, será importante questionar afinal qual foi a “política de arrendamento própria para vila” que foi implementada nos últimos 5 anos e meio tendo em vista cumprir o segundo objetivo prioritário definido pela ARU e pela ORU: repovoar a Vila. E questionar também onde é que andam essas parcerias (nomeadamente com a Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra) que visavam aumentar o mercado de arrendamento. E questionar ainda em que medida é que a proposta de Revisão do PDM introduz, tal como a Câmara afirmou em 2017, outros mecanismos que regulem o “mercado imobiliário dentro dos limites legais”.

E também talvez questionar, para que o trabalho dos deputados municipais seja efectivamente profícuo (uma palavra da moda politica sesimbrense):

  • Foi criado algum grupo de trabalho, sob o mote “Preservar inovando”, tendo em vista a valorização do comércio tradicional local, de acordo com a recomendação aprovada por unanimidade em Março de 2019? (é que assim de repente, do comércio tradicional local que seria a preservar e valorizar, já só restam dois; as outras dezenas que existiam, foram transformadas em garagens ou habitação).
  • E na sequência da recomendação relativa ao “Alojamento Local”, aprovada por unanimidade em Novembro de 2019:
    • Onde está o estudo relativamente à pressão do alojamento local em cada freguesia do Concelho e em particular, na freguesia de Santiago? (estudo esse fundamental para aferir de facto, em que medida é que o mercado de arrendamento é prejudicado; e em que medida é que o turismo é beneficiado);
    • Onde está o regulamento municipal de alojamento local, que de acordo com a recomendação, deveria estar concluído em 8 meses? (e que definiria um qualquer rácio, devidamente demarcado geograficamente, identificando os alojamentos locais existentes e devidamente licenciados, as zonas de contenção, e as regras claras e concisas para a implementação de novos alojamentos locais).

E até avanço para respostas: a Covid não deixou fazer nada; felizmente que o programa «Mais Habitação» vai resolver todos os problemas da Vila de Sesimbra; e como sabemos, não há motivos de preocupação, “tá tudo no PDM!

A verdade pura e dura é que a “desertificação em termos de resposta de arrendamento” deve-se única e exclusivamente à inoperacionalidade da Câmara nos últimos cinco anos e meio. A responsabilidade da “desertificação em termos de resposta de arrendamento” é da falta de investimento público, de parcerias, conforme estabeleceu a Operação de Reabilitação Urbana. O que Sesimbra tem, há cinco anos e meio, é uma falta de estratégia para implementar, neste caso concreto, a estratégia definida.

Ninguém pode sacudir a água do capote. A responsabilidade é apenas e só da Câmara Municipal e, enquanto entidade fiscalizadora, da Assembleia Municipal. São os políticos eleitos nos últimos cinco anos e meio, os responsáveis pela “desertificação em termos de resposta de arrendamento”. E mais: serão os políticos actualmente eleitos os responsáveis pelas candidaturas que não serão apresentadas ao financiamento de 100% do PRR e que visariam sanar estas carências, nomeadamente através do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação e do programa relativo ao Parque Público de Habitação a Custos Acessíveis.

A Carta Municipal da Habitação já tarda. Haverá que pensar nisso antes de agarrar na primeira bóia de salvação (atirada pelo governo através das propostas do programa «Mais Habitação») descartando as responsabilidades da Câmara (estabelecidas desde 2017) face à “desertificação em termos de resposta de arrendamento”. 


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