«MAIS HABITAÇÃO» - A MINHA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
Partilho publicamente aqueles que foram os meus considerandos sobre o programa “MAIS HABITAÇÃO” cuja consulta pública terminou ontem, dia 24 de Março.
Confesso que de todas as posições assumidas pelos mais diferentes quadrantes políticos, (que culminou com a frase do Presidente da República “era preferível não ter levantado expectativas, pois existindo um problema real e sendo a aparente solução inexequível era melhor não termos falado nisso”), profissionais e associações, a que mais me suscitou curiosidade foi a posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Quem melhor do que a ANMP para conhecer as carências efectivas de habitação (em cada região dos municípios portugueses) e em que medida é que o pacote “MAIS HABITAÇÃO” contribuirá para sanar essas mesmas carências.
Lamentavelmente, a ANMP ainda não disponibilizou publicamente a sua posição. Na informação que prestou, referiu apenas quatro daquelas que serão as suas maiores inquietações, face ao conjunto de propostas do programa “MAIS HABITAÇÃO”:
- A preocupação relativamente á aprovação de projectos apenas com os termos de responsabilidade dos técnicos;
- A preocupação relativamente à alteração do uso dos solos de outros fins para habitação;
- A discordância sobre as isenções de impostos que são receitas próprias dos Municípios (IMI e IMT);
- E o entendimento de que a bonificação do IVA (6%) nas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) deve manter-se não apenas para os imóveis construídos, mas para os imóveis em sentido lato (ou seja, não apenas para os edifícios existentes mas para todas as construções – novas, equipamentos, espaços públicos e habitação).
As duas primeiras inquietações da ANMP sobre o programa “MAIS HABITAÇÃO” foram também por mim abordadas nos considerandos que produzi no âmbito da consulta pública.
A terceira inquietação da ANMP mereceria, por parte da própria ANMP, mais desenvolvimentos. Até porque se a redução do IMI e IMT resultar no aumento efectivo de habitação, sanando carências existentes, parece-me que, sendo a ANMP a entidade que possuirá um melhor conhecimento do país em matéria de habitação (nomeadamente a falta de habitação) terá apresentado uma qualquer solução alternativa consubstanciada na realidade que conhecerá. Não quero acreditar que a ANMP esteja mais preocupada com as receitas do que com o cumprimento de um direito constitucional e que visa sanar uma carência nacional: a habitação. Caberá também à ANMP propor outras formas de garantir receita própria para os Municípios, que não apenas através do IMI e IMT.
Sobre a quarta inquietação, parece-me também que mereceria, por parte da própria ANMP, mais desenvolvimentos. Até porque a manutenção da bonificação do IVA (6%) nas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) não faz parte do programa “MAIS HABITAÇÃO”. Contudo, e sendo uma proposta da ANMP que, conforme acima referi, possuirá um melhor conhecimento do país em matéria de habitação (nomeadamente a falta de habitação), estará munida de dados concretos relativamente às Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) existentes no país e em que medida é que as reabilitações (de construções existentes com bonificação do IVA a 6%) contribuíram para sanar as carências habitacionais existentes.
Lembrei-me da Área de Reabilitação Urbana (ARU) delimitada na Vila de Sesimbra em 2014 e a consequente aprovação da Operação de Reabilitação Urbana (ORU) aprovada em 2017. Nestes dois documentos foram definidos três desafios importantes que culminaram na definição de três objetivos específicos. Não vou como é óbvio transcrever a estratégia da ARU (link) e a estratégia da ORU (link). Vou apenas referir dois dos objectivos estratégicos e algumas das medidas definidas.
Primeiro objectivo estratégico:
“Promover e incrementar o turismo – combatendo a sazonalidade na procura do destino da vila de Sesimbra, diversificando a oferta turística e assim libertando a economia local do modelo de turismo de “sol e praia”.
E uma das medidas definidas para atingir este primeiro objectivo estratégico:
“Aumentar o nível de reabilitação e valorização do edificado, situado nas zonas de proteção dos imóveis classificados e recuperar os edifícios que façam parte do património arquitetónico local, dotando-os de condições de habitabilidade compatíveis com as exigências da vida urbana contemporânea, devolvendo-lhes o uso residencial ou explorando a sua aptidão para uma utilização turística, na versão de Alojamento Local ou Turismo de Habitação”.
Significa portanto que a ORU definiu como primeiro objectivo estratégico o TURISMO. E para atingir esse objectivo apostou na “reabilitação e valorização” dos edifícios existentes, “devolvendo-lhes o uso residencial ou explorando a sua aptidão para uma utilização turística, na versão de Alojamento Local ou Turismo de Habitação”.
Segundo objectivo estratégico:
“Repovoar a vila, mantendo a população que atualmente existe e atraindo novos residentes, melhorando a qualidade de vida e promovendo a inclusão social, a coesão territorial e a sustentabilidade.”
E uma das medidas definidas para atingir este segundo objectivo estratégico:
“Assegurar a reabilitação de edifícios degradados ou funcionalmente inadequados, contribuindo, simultaneamente, para a melhoria da imagem da vila e para aumentar a sua procura para habitação permanente, particularmente nos bairros localizados na zona envolvente, devendo para o efeito a reabilitação a realizar permitir que os edifícios adquiram um nível de conservação mínimo, ou seja, o nível médio.”
Significa portanto que a ORU definiu como segundo objectivo estratégico a HABITAÇÃO. E para atingir esse objectivo apostou na “reabilitação de edifícios degradados ou funcionalmente inadequados” que contribuiria “para aumentar a sua procura para habitação permanente, “particularmente nos bairros localizados na zona envolvente” (entenda-se, fora do núcleo histórico e medieval da Vila de Sesimbra).
Melhor explicando: a ARU e ORU da Vila de Sesimbra definiram como prioridade o TURISMO, apostando que, no núcleo histórico e medieval (identificado na ARU como “zona nuclear”) a “reabilitação e valorização” dos edifícios existentes seria destinada ao uso habitacional, Alojamento Local ou Turismo de Habitação. Fora desta “zona nuclear”, seria desenvolvida a segunda prioridade. HABITAÇÃO.
No entanto, a ORU alertava que na “zona nuclear” seria necessário criar bolsas habitacionais, dado que a vitalidade do centro da Vila em muito contribuiria para o Turismo. E assim, definia como primordial “limitar o número de fogos permitidos por edifício, em especial as tipologias T0 e T1” contendo igualmente “a alteração do uso habitacional para outros fins” e, sem descorar o primeiro objetivo: reabilitar edifícios para uso habitacional ou turístico, “evitar que os edifícios mais aptos para as funções residenciais, pelas suas características e dimensão, sejam convertidos” nomeadamente “em empreendimentos turísticos” ou em “segunda habitação”. Alerta ainda para a necessidade de conter também “a transformação de espaços comerciais, em regra existentes nos pisos térreos, em unidades residenciais, sob pena dos serviços necessários à vivência habitacional serem manifestamente insuficientes, contribuindo para a falta de atratividade residencial da zona histórica da vila”.
Relativamente à HABITAÇÃO, e à necessidade evidente de repovoar a Vila de Sesimbra, a ORU definiu também um conjunto de medidas tendentes à dinamização do mercado de habitação e de arrendamento, estabelecendo (entre outras) que o Município deveria “criar uma política de arrendamento própria para vila, que vá para além do arrendamento social, consubstanciada no aproveitamento e afetação de património imobiliário municipal, para arrendamento habitacional a jovens famílias, incluindo a aquisição de imóveis para esse fim”. Nada mais nada menos do que uma das medidas estabelecidas pela Lei de Bases da Habitação publicada em 2019).
Mas definiu mais:
“Ainda neste âmbito, será útil desenvolver parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos, com vocação social, como é o caso da Santa Casa da Misericórdia que, na Área de Reabilitação Urbana do “Núcleo Antigo da Vila de Sesimbra”, detém vários edifícios e inúmeras frações habitacionais, afirmando-se como um parceiro relevante para colaborar no desenvolvimento de programas de estímulo ao arredamento, orientados para segmentos de população específicos, que não de apoio social.”
Direi que a ORU é de facto um documento muito à frente do seu tempo: surge dois anos antes da Lei de Bases da Habitação e, seis anos antes do programa “MAIS HABITAÇÃO”.
Dizer que a Operação de Reabilitação Urbana tem como entidade gestora o Município, vigora durante 10 anos (ou seja, até 2027) sendo prorrogável por mais 5 anos, por deliberação da Assembleia Municipal.
A entidade gestora (entra as várias tarefas que lhe incumbe), terá de “elaborar os relatórios de monitorização anual e os relatórios de avaliação da execução da operação a submeter à apreciação da assembleia municipal, a cada 5 anos”. Ou seja, talvez na próxima sessão da Assembleia Municipal que se realizará em Abril, os deputados municipais possam analisar “os relatórios de avaliação da execução da operação” com seis meses de atraso.
Sesimbra será provavelmente o único Município do país com dados concretos relativamente à habitação na Vila de Sesimbra, nomeadamente: carências habitacionais; número de fogos constituídos para habitação permanente; número de fogos destinados a habitação permanente que resultaram das parcerias desenvolvidas com “entidades privadas sem fins lucrativos, com vocação social”; número de fogos destinados a habitação permanente que resultaram da “afetação de património imobiliário municipal, para arrendamento habitacional a jovens famílias”; número de fogos destinados a habitação permanente que resultaram da “aquisição de imóveis para esse fim”; percentagem de fogos/comércios existentes; número de comércios que foram transformados em habitação; número de tipologias T0 e T1 constituídas face ao número de tipologias T2 e T3 existentes; número de “edifícios mais aptos para as funções residenciais, pelas suas características e dimensão” que foram convertidos em empreendimentos turísticos e segunda habitação;… enfim, um panorama claro e conciso que dará resposta, no caso de Sesimbra, a muitas das preocupações do programa “MAIS HABITAÇÃO”.
Confesso que, se não fosse esta ORU e a monitorização que a entidade gestora tem vindo a fazer ao longo destes seis anos, a Vila de Sesimbra arriscaria a ser a região do país com mais “fogos devolutos” disponíveis para arrendamento coercivo.
Ainda bem que está tudo assegurado e planeado. Sabendo-se que e conforme definiu também a ORU, na proposta de Revisão do PDM, a reabilitação estará assumida “como uma prioridade estratégica na Unidade Operativa de Programação e Gestão da Concha de Sesimbra de futuro designada por Unidade Territorial” e estarão igualmente “previstos parâmetros que assegurem a concretização dos objetivos definidos na delimitação da Área de Reabilitação Urbana do “Núcleo Antigo da Vila de Sesimbra”, em especial, no que se refere aos usos.”
Lembremo-nos que a Revisão do PDM “é um instrumento estratégico de excelência” e que “tá tudo no PDM!” Não há motivo para qualquer tipo de preocupação.
E relembrar que a bancada da CDU (quando a Assembleia Municipal aprovou a Operação de Recuperação Urbana em 2017) concordou com a ORU porque “havia a expectativa de que se conseguisse atingir o proposto, nomeadamente a repovoação da Vila.” Sendo que, digo eu, o primeiro objectivo estratégico não era repovoar a Vila mas sim, promover o turismo!
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A MINHA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA SOBRE O PROGRAMA «MAIS HABITAÇÃO»
No âmbito da consulta pública promovida relativamente ao conjunto de medidas «MAIS HABITAÇÃO», remeto em anexo a minha participação sendo que considero:
Resultando este conjunto de medidas «MAIS HABITAÇÃO» da Lei de Bases da Habitação (LBH), da qual surtiu o Programa Nacional de Habitação (PNH) que estabeleceu os objetivos, prioridades, programas e medidas da política nacional de habitação para o período temporal (2022-2026), importará referir que a LBH estabeleceu oito alíneas que definiram o conjunto de elementos que deveriam integrar o PNH, nomeadamente (alíneas a) e b) do artigo 17º da LBH):
- “O diagnóstico das carências habitacionais, quantitativas e qualitativas, bem como informação sobre o mercado habitacional, nomeadamente eventuais falhas ou disfunções.”
- “O levantamento dos recursos habitacionais disponíveis, públicos e privados, e o seu estado de conservação e utilização.”
No entanto, o PNH é omisso relativamente a estas duas alíneas fundamentais. No Anexo ao PNH, são identificadas (entre outros) no Quadro 1 – “Principais indicadores da habitação em Portugal (1970-2021)”, 723.214 fogos devolutos. Em nenhum momento o PNH desdobra estes fogos devolutos identificando quantos integram o parque habitacional público e privado. Em nenhum momento do PNH é identificado o estado de conservação desses mesmos fogos devolutos e respectiva utilização.
No mesmo PNH, no Quadro 11 – “Levantamento IHRU, I. P.: núcleos, edifícios, fogos e famílias a realojar (2018)”, são identificadas (entre outros) 25.762 famílias a realojar. Em nenhum momento do PNH são identificadas as famílias que, não integrando o número de famílias a realojar (como sejam os agregados identificados pelo conjunto de medidas «MAIS HABITAÇÃO» definidos no ponto 3: “jovens até aos 35 anos, famílias monoparentais e famílias com quebra de rendimentos”) não conseguem arrendar ou adquirir habitação.
No Quadro 9 – “Número de fogos construídos por organismos públicos (1970-2019)”, os fogos construídos neste período totalizam 111.757. Em nenhum momento o PNH identifica quantos destes fogos construídos estarão devolutos. Em nenhum momento do PNH é identificado o estado de conservação desses mesmos fogos construídos e respectiva utilização.
Continuando no PNH, no Quadro 10 – “Evolução do número de fogos construídos por organismos públicos e dos fogos propriedade de organismos públicos contabilizados nos Censos (1981-2011)”, existem 123.158 fogos propriedade de organismos públicos. De novo, em nenhum momento o PNH identifica quantos destes fogos propriedade de organismos públicos estarão devolutos. Em nenhum momento do PNH é identificado o estado de conservação desses mesmos fogos propriedade de organismos públicos e respectiva utilização.
No Quadro 6 – “Índice de preços na habitação e rendimento médio disponível das famílias em Portugal (2008-2021)”, o que se verifica é o crescimento dos preços da habitação (arrendamento e aquisição) fruto do mercado imobiliário e da lei da oferta e da procura, em detrimento do crescimento do rendimento das famílias. Ou seja, o rendimento familiar não acompanhou a subida dos custos de vida (consequência da crise económica, da Troika, dos cortes salariais,… e que afectou toda a classe média nacional) inviabilizando a aquisição ou o arrendamento de habitação com prestações/rendas compatíveis com o rendimento familiar.
Por fim e voltando ao Quadro 1 - “Principais indicadores da habitação em Portugal (1970-2021)”: 70% dos portugueses têm casa própria sendo que, para cada família, existem 1,44 alojamentos.
Da leitura deste conjunto de medidas «MAIS HABITAÇÃO» (que resultam da Lei de Bases da Habitação, da qual surtiu o Plano Programa Nacional de Habitação), parece resultar que faltará efectuar de facto, conforme estabeleceram as alíneas a) e b) do artigo 17º da LBH:
- “O diagnóstico das carências habitacionais, quantitativas e qualitativas, bem como informação sobre o mercado habitacional, nomeadamente eventuais falhas ou disfunções.”
- “O levantamento dos recursos habitacionais disponíveis, públicos e privados, e o seu estado de conservação e utilização.”
Seguindo a lógica expressa no documento «MAIS HABITAÇÃO» disponibilizado nesta consulta pública, apresento alguns considerandos sobre sete das acções previstas em quatro das medidas apresentadas:
- AUMENTAR A OFERTA DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO
Esta primeira medida (genérica, no sentido em que não descrimina para quem se destina o aumento da oferta de imóveis para habitação) pressupõe a existência de um défice real entre habitação existente e famílias/agregados existentes. Ou seja, existirão mais famílias/agregados do que habitações e por isso, haverá que aumentar a oferta de imóveis para habitação, seja para realojamentos, seja para agregados que não integram as necessidades de realojamento.
No entanto, e conforme consta no PNH, 70% dos portugueses têm casa própria. Nos restantes 30% estarão os portugueses que vivem em casas arrendadas (número que o PNH não identifica) e os portugueses que vivem em instituições sociais (número que o PNH também não identifica).
Diz o PNH que existem 25.762 famílias a realojar. E diz o PRR que, de acordo com as Estratégias Locais de Habitação, o investimento previsto dará “resposta a pelo menos 26.000 famílias até 2026.” Resultará portanto que, estas medidas “MAIS HABITAÇÃO” não serão para dar resposta às necessidades de realojamento, dado que essa resposta é dada através do PRR e das Estratégias Locais de habitação.
No mesmo PNH, é referido que existem 723.214 fogos devolutos (não desdobrando este valor em fogos devolutos públicos e fogos devolutos privados) mas, referindo que existem 123.158 fogos propriedade de organismos públicos (não referindo quantos destes fogos estarão em uso e quantos destes fogos estarão devolutos).
Tem o PRR um investimento destinado à constituição de um “Parque público de habitação a custos acessíveis”, prevendo a “construção e reabilitação para disponibilização de património público com aptidão habitacional e devoluto, para promoção de arrendamento a preços acessíveis”, referindo que "o montante previsto permitirá reabilitar 75% do património inscrito no Decreto-Lei n.º 82/2020, de 2 de Outubro”. São 156 os imóveis identificados no referido DL (sendo omisso relativamente à capacidade habitacional – número de fogos).
O DL referido aplica-se (para além dos 156 os imóveis que identifica) “ao património imobiliário público, considerando-se como tal os imóveis do domínio privado do Estado, da administração indireta do Estado e do setor empresarial do Estado”, sendo que compete ao IHRU realizar o inventário desse património que seja “de uso habitacional, bem como os devolutos ou disponíveis, incluindo terrenos, cujas condições e características permitam a sua afetação àquele uso, diretamente ou mediante processo de reconversão ou de construção.” Em nenhum momento do PNH surge este inventário. Nomeadamente o número de habitações que serão afectadas ao arrendamento a preços acessíveis.
No caso das famílias/agregados de “jovens até aos 35 anos”, o Programa Porta 65, refere o apoio a 16.500 famílias. O PNH é omisso relativamente a esta matéria, nomeadamente em relação aos fogos que estarão em falta, face à procura.
Relativamente às necessidades efectivas de habitação (em regime de arrendamento), para as “famílias monoparentais e famílias com quebra de rendimentos”, o PNH é completamente omisso. Aparentemente, existirá um défice de habitação relativamente à procura. Não se conhece o valor efectivo desse défice.
Considero portanto que, existindo uma crise na habitação, haveria que sustentar as medidas naquelas que são as necessidades reias (procura) e, naqueles que são os fogos devolutos do Estado (oferta) e em que medida os mesmos respondem às necessidades (excluindo os fogos resultantes do investimento do PRR).
- CONVERTER USO DE IMÓVEIS DE COMÉRCIO OU SERVIÇOS EM USO HABITACIONAL
Qualquer núcleo urbano será eficiente, agregador e completo se contemplar em si mesmo, as valências necessárias ao bem-estar da população residente. Ou seja, haverá que equilibrar não apenas os espaços públicos de lazer (como jardins e praças) mas também, a oferta de serviços e comércios proporcionais à procura resultante da densidade habitacional existente (ou a prever).
Converter o uso de imóveis de comércio ou serviços em uso habitacional, irá desequilibrar essa relação que se pretende seja, equilibrada. Com uma medida tão vaga e abrangente, serão criados núcleos habitacionais carentes de todo o tipo de serviços e comércios que são essenciais ao bem-estar populacional. Em última análise, voltarão a surgir os negócios de “vão de escada” e que, sanarão as necessidades mais prementes da população residente, proporcionando serviços de proximidade.
Essa automaticidade descrita no “OBJETIVO” desta medida, irá também provocar a disfuncionalidade de toda a mancha urbana habitacional existente porquanto nos planos de ordenamento do território são definidos diferentes usos que visam, na sua essência, garantir o conjunto necessário de infraestruturas, equipamentos, comércios e serviços perante uma carga populacional projectada. Anular esses espaços destinados a comércio ou serviços, mesmo que apenas para habitação a custos controlados, afectará negativamente toda a população existente porquanto ficará privada de poder usufruir de espaços de serviços e comércios que, inicialmente, foram previstos nos planos de ordenamento do território como respostas às necessidades dessa mesma população existente (e projectada).
A presunção de compatibilidade e complementaridade de usos descrita no “COMO FUNCIONA” poderá subentender que a reconversão para uso habitacional não será da totalidade do uso dominante destinado a comércio e serviços (e previsto nos instrumentos de gestão territorial). Ou seja, o uso habitacional será compatível e complementar, com o uso destinado a comércio e serviços. E se assim for, haverá que definir que percentagem deste uso destinado a comércio e serviços poderá vir a ser convertido em habitação (salvaguardando o equilíbrio que deverá existir entre a densidade habitacional e o número de comércio e serviços que devem existir no sentido de colmatar as necessidades da população).
No caso dos imóveis existentes – por exemplo comércios e serviços localizados em pisos térreos de edifícios habitacionais – as obras de conversão para habitação implicarão, entre outras, a execução de cozinhas. Apesar do “Principio de protecção e valorização do existente” (definido no artigo 4º. do D.L 95/2019, de 18 de Julho), a conversão para habitação implicará a alteração de fachadas, introduzindo novos elementos (vãos, saída de fumos, ventilação) e retirando outros (como sejam montras ou outros elementos marcantes), modificando a imagem do edifício e do conjunto urbano. Acresce que, poderão existir no interior desses comércios e serviços elementos arquitectónicos relevantes que, pelo seu valor, deveriam ser preservados e que, serão destruídos/anulados.
Considero que esta primeira acção desta medida, deveria ser sustentada nas necessidades efectivas dessa conversão, nomeadamente através do levantamento dos comércios e serviços existentes em cada núcleo urbano com carências habitacionais (e que estarão, para aplicação desta medida, devolutos/encerrados), ouvindo os condomínios e salvaguardando a imagem arquitectónica existente.
- DISPONIBILIZAR IMÓVEIS DO ESTADO EM REGIME DE CDH
Considero que sendo este conjunto de medidas, uma iniciativa do Estado, seria de esperar que o próprio Estado identificasse desde logo onde estão localizados no território nacional os solos ou edifícios públicos para construção, reconversão ou reabilitação de imóveis para arrendamento acessível e que serão disponibilizados a cooperativas ou promotores privados em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação.
Se o objectivo é o de aumentar a oferta de imóveis para habitação, considero que o próximo passo desta medida seria a abertura de procedimento concursal (tal como é referido no item “COMO FUNCIONA”), tendo como prioridade as zonas mais carenciadas e prioritárias, identificando o número de fogos previstos (a construir, reconverter ou reabilitar) e em que medida os mesmos colmatam as necessidades identificadas.
Considero que esta acção deveria ser a primeira a dinamizar porquanto compete ao Estado garantir o direito à habitação de todos os cidadãos tal como estabelece a Lei de Bases da Habitação (artigo 1º.). Cabe ao Estado promover “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública” e incentivar “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada” (artigo 3º. da mesma LBH).
Acresce que, no garante da função social da habitação, “o Estado recorre prioritariamente ao património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento” (artigo 4º., LBH). Importaria saber qual é o património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento, qual o estado de conservação do mesmo, onde está localizado territorialmente e quando serão abertos os respectivos procedimentos concursais.
- SIMPLIFICAR PROCESSOS DE LICENCIAMENTO
Esta segunda medida igualmente genérica, pressupõe que a complexidade dos processos de licenciamento contribui para a falta de imóveis para habitação. Os processos de licenciamento são de facto complexos mas, importaria saber em que medida é que essa complexidade contribui para a falta de imóveis para habitação destinada a realojamentos e a agregados que não integram as necessidades de realojamento.
Considero que a simplificação dos processos de licenciamento em nada contribuirá para o aumento da oferta de imóveis para habitação destinada a realojamentos e a agregados que não integram as necessidades de realojamento.
O que contribuirá para o aumento da oferta de imóveis para habitação destinada a realojamentos e a agregados que não integram as necessidades de realojamento, serão normas regulamentares concretas, nomeadamente as relacionadas com o ordenamento do território.
Haverá que simplificar, de facto, os processos de licenciamento. Mas essa simplificação não deve decorrer da necessidade de mais oferta de habitação. Essa simplificação deve decorrer da urgência de tornar exequível a aplicação de mais de 2 mil diplomas legais de urbanismo e construção.
- LICENCIAR COM TERMO DE RESPONSABILIDADE DOS PROJETISTAS
Considero que o licenciamento de projectos deve ter a responsabilidade tripartida: projectistas, entidades licenciadoras e decisores políticos. Com mais de 2 mil diplomas legais a cumprir, o acto de licenciar deverá ser em equipa e não, responsabilizando apenas uma das partes.
O acto criativo não deve ficar refém de normas regulamentares, sobe pena de se perder a liberdade criativa, a beleza arquitectónica e o carácter intemporal da arquitectura, enquanto imagem marcante da paisagem. Subsequente ao risco, ao acto criativo, caberá aos projectistas garantir o cumprimento das normas legais e regulamentares nacionais (atestando o cumprimento destas nos respectivos termos de responsabilidade).
Às entidades licenciadoras caberá aferir o cumprimento das normas legais e regulamentares locais (tão diferentes e diferenciadas), nomeadamente as constantes em regulamentos municipais e planos de ordenamento do território municipais.
Aos decisores políticos caberá a responsabilidade de aceitar ou não, conforme define a lei nacional (artigo 24º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), a concretização de determinada obra arquitectónica que marcará indubitavelmente o território onde se irá inserir.
Haverá que simplificar de facto os processos de licenciamento. Mas atribuir o acto de licenciamento apenas à responsabilidade dos projectistas, poderá vir a ter o efeito inverso preconizado por esta segunda medida.
Acresce que, sendo uma medida genérica, constante nestas medidas «MAIS HABITAÇÃO», aparentemente esta simplificação ocorrerá apenas nos processos de licenciamento referentes à concretização de habitação para realojamento ou, para agregados que não integram as necessidades de realojamento.
Considero portanto que, haverá que simplificar todos os processos de licenciamento mas essa simplificação não deve decorrer de uma medida «MAIS HABITAÇÃO». Uma coisa será garantir «MAIS HABITAÇÃO». Coisa bem diferente será efectivar de facto, a simplificação de todos os processos de licenciamento (ouvindo os principais envolvidos: projectistas, entidades licenciadoras e decisores políticos).
- AUMENTAR CASAS NO MERCADO DE ARRENDAMENTO
Voltando à Lei de Bases da Habitação, em primeiro lugar, o Estado deverá promover “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública”, garantindo a função social da habitação ao recorrer “prioritariamente ao património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento”.
Voltando ao Plano Programa Nacional de Habitação, o levantamento daquele que é o património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento será fundamental tendo em vista o cumprimento das competências do Estado, definidas como prioritárias na Lei de Bases da Habitação.
Considero portanto que esta terceira medida parece esquecer o património edificado público, avançando apenas sobre o património edificado privado. Nos termos da LBH, “os imóveis ou frações habitacionais detidos por entidades públicas ou privadas participam, de acordo com a lei, na prossecução do objetivo nacional de garantir a todos o direito a uma habitação condigna” mas, “o Estado recorre prioritariamente ao património edificado público” e só depois, deverá incentivar “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada.”
- REFORÇAR A CONFIANÇA DOS SENHORIOS - ESTADO ARRENDA PARA SUBARRENDAR
Considero que a confiança dos senhorios não estará melindrada pelo facto de disponibilizarem as suas propriedades para arrendamento.
Actualmente, qualquer senhorio pode inscrever o seu alojamento no «portal da habitação», no Programa de Arrendamento Acessível, beneficiando da isenção de IRS e IRC. E quaisquer “agregados com especial dificuldade no acesso ao mercado de arrendamento” podem igualmente inscrever-se e aceder a uma habitação.
Considero que esta primeira acção desta terceira medida, ao referir que o “Estado arrenda para subarrendar” poderá ter o efeito inverso. Qualquer senhorio deverá ter uma palavra a dizer sobre o destino da sua propriedade (isto é, a quem será alugado o seu alojamento).
No item “COMO FUNCIONA” é referido que o IHRU garantirá “o pagamento das rendas ao senhorio” (sem especificar claramente que a renda é mensal e que será paga, como é normal, até ao dia 8 de cada mês) “e a entrega, a final, da habitação nas mesmas condições em que a recebeu” (admitindo desde logo que, se houver necessidade de obras, as mesmas serão realizadas). Ou seja, o Estado ao invés de promover “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública”, garantindo a função social da habitação, opta por arrendar a privados alojamentos, para subarrendar e, no final do contrato, se necessário, realizará obras no sentido de entregar o imóvel nas mesmas condições em que o recebeu.
Acresce que, a ESTAMO “terá como principal tarefa promover a identificação no mercado dos imóveis que cumpram os requisitos”. Ou seja, o Estado não faz o levantamento do seu próprio património mas, irá promover a identificação do património privado podendo até “promover a vistoria técnica dos imóveis, quando necessária, tendo em vista atestar as respetivas condições de habitabilidade”.
Considero que este investimento, por parte do Estado, deveria acontecer naquelas que são as suas “habitações devolutas” fomentando ao mesmo tempo, a divulgação e promoção do Programa de Arrendamento Acessível.
- INCENTIVO À TRANSFERÊNCIA PARA HABITAÇÃO DAS CASAS EM ALOJAMENTO LOCAL
Esta sexta acção da terceira medida “MAIS HABITAÇÃO” começa com a palavra “incentivo”. Mas, no conjunto de “MEDIDAS” definidas, parece tratar-se não de um “incentivo” mas sim, de uma obrigação.
Considero que a questão relacionada com as casas em alojamento local é tão vasta e diferenciada no território nacional que não deve ser tratada de forma global e igual. Haverá que regular, é certo, a questão relacionada com as casas em alojamento local, adequando essa regulamentação à especificidade dos territórios onde se inserem. Mas não deverá essa regulamentação surtir de medidas “MAIS HABITAÇÃO”. Porque uma coisa é o alojamento local. Coisa bem diferente será a medida que visa “aumentar casas no mercado de arrendamento”.
O “OBJECTIVO” definido é exactamente esse: “garantir um equilíbrio entre as respostas habitacionais e a continuidade do Alojamento Local.” E para garantir esse equilíbrio será necessário, em primeiro lugar, aferir das necessidades de habitação em cada zona do território nacional; aferir o número de alojamentos locais existentes em cada zona do território nacional; aferir também, quantas são as “habitações devolutas de propriedade pública” existentes em cada zona do território nacional; e aferir em que medida é que a transferência para habitação das casas existentes em alojamento local poderá fazer “aumentar as casas no mercado de arrendamento” de cada zona do território nacional.
No item “MEDIDAS”, surge a “criação de uma contribuição extraordinária sobre o alojamento local (CEAL) a consignar ao IHRU para financiar políticas de habitação acessível” e que irá variar de acordo “com os rendimentos de exploração, a evolução de rendas e o peso do alojamento local na zona”. Considero que nestes critérios de aferição do valor da CEAL, faltará aquele que é o mais importante: o número de habitações em falta, tendo em vista o realojamento de famílias ou o arrendamento a agregados que não integram os critérios de realojamento. Considero não fazer sentido aplicar um CEAL numa zona do território nacional onde não existam carências habitacionais.
Considero que o alojamento local, apadrinhado inicialmente por todos, deve ser sujeito a uma análise cuidada, aferindo o peso que o mesmo detém sobre a economia e o turismo nacional. Suspender novas licenças, poderá fazer sentido em determinada zona do território nacional e não fazer qualquer tipo de sentido noutras zonas do território nacional. Haverá que ponderar o investimento efectuado por cada proprietário (nomeadamente na recuperação de imóveis e no melhoramento da imagem urbana). E importará também avaliar em que medida é que o alojamento local devolveu, nas diferentes zonas do país, vida aos espaços urbanos que, sem o alojamento local, estavam degradados, vazios e inabitados.
Relativamente à “possibilidade de condomínios porem termo às licenças emitidas sem a sua aprovação” considero que esta, sendo uma regra nova, deverá ser aplicada apenas a partir de 2030, coincidindo com a validade definida para a reapreciação das actuais licenças.
E tendo os condomínios poder decisão perante a utilização de uma fracção/habitação, considero que esta nova regra, deverá ser aplicada também, às “habitações devolutas” de domínio privado e que o Estado se propõe subarrendar ou, obrigar ao seu arrendamento. Até porque o novo arrendatário passará a integrar o condomínio, devendo cumprir os seus deveres e responsabilidades.
- ARRENDAMENTO OBRIGATÓRIO DE CASAS DEVOLUTAS
Diz a Lei de Bases da Habitação que, são habitações devolutas aquelas que se encontrem “injustificada e continuadamente, durante o prazo definido na lei, sem uso habitacional efetivo, por motivo imputável ao proprietário”, exceptuando desta classificação as segundas habitações, as habitações de emigrantes e de pessoas deslocadas por razões profissionais ou de saúde, as habitações onde estejam a decorrer obras devidamente autorizadas, as habitações dependentes de ações judiciais que impeçam o seu uso e, as habitações que, não sendo habitação permanente, estejam localizadas em territórios em risco de declínio demográfico (aldeias com habitações de agregados familiares com ligações afetivas ao lugar).
Diz o “OBJECTIVO” que o “Estado pode mobilizar património devoluto, por razões de interesse público”. Ou seja, o Estado, depois de identificar as carências habitacionais de determinada zona do país, depois de proceder ao levantamento do seu próprio património e depois de disponibilizar no mercado de arrendamento as suas próprias “habitações devolutas”, terá de declarar que existe interesse público para mobilizar património devoluto privado. Pressupõe-se portanto que, chegados a esta sétima acção da terceira medida, o Estado conhece as necessidades reais do país em termos de habitação, e identificou um conjunto de “habitações devolutas” (incluindo as suas) que por interesse público serão destinadas a realojamento de famílias ou ao arrendamento a agregados que não se inserem nos critérios de realojamento.
No entanto, exclui deste “interesse público” apenas as casas de férias, as casas de emigrantes ou de pessoas deslocada, as casas cujos proprietários estão num equipamento social e as casas cujos proprietários estão a prestar cuidados permanentes como cuidadores informais. Não exclui as segundas habitações, nem as habitações onde estejam a decorrer obras devidamente autorizadas, nem as habitações dependentes de ações judiciais que impeçam o seu uso, nem as habitações que, não sendo habitação permanente, estão localizadas em territórios em risco de declínio demográfico (aldeias com habitações de agregados familiares com ligações afetivas ao lugar).
Considero portanto que, nesta declaração de interesse público sobre a mobilização de património devoluto privado, deverá ser cumprida a Lei de Bases da Habitação, nomeadamente as exclusões que a mesma definiu.
No item “COMO FUNCIONA é referido que num primeiro passo, “nos casos em que se identifique que determinada casa está devoluta (e não cabendo nas exceções referidas) e sempre que exista procura para um imóvel com aquelas características” o Estado irá propor ao proprietário do imóvel a celebração de “um contrato de arrendamento do imóvel com o IHRU.”
Considero que este primeiro passo desconsidera e ignora por completo o proprietário do imóvel. Porque se existir alguém que procure um imóvel com determinada característica bastar-lhe-á escolher a casa que pretende, identificando-a. E se a mesma for declarada “casa devoluta” o Estado irá propor ao proprietário do imóvel a celebração de “um contrato de arrendamento do imóvel com o IHRU.”
Mas se o proprietário não quiser arrendar ao Estado, terá um prazo para dar uso ao imóvel (mudando-se, vendendo ou arrendando). Findo esse prazo, e se não der uso ao imóvel, o Estado arrendará o imóvel de forma obrigatória, em nome do interesse público e invocando a Lei de Bases da Habitação, artigos 4º. e 5º..
Considero que, de acordo com o que acima já explanei, o número 3 do artigo 4º da LBH é claríssimo:
“Para garantir a função social da habitação, o Estado recorre prioritariamente ao património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento.”
Importa talvez lembrar que a penalização das “habitações devolutas” foi dos temas mais polémicos aquando da discussão da Lei de Bases da Habitação. E lembrar também que, na proposta inicial da LBH, era admitida a “requisição temporária” de “habitações devolutas” privadas, por parte do Estado, mediante “indemnização”. Esta proposta desapareceu, dando origem ao número 2 do artigo 28º.:
“O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais têm o dever de promover o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública e incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada, em especial nas zonas de maior pressão urbanística.”
Curiosamente, o Estado para arrendar o imóvel de forma obrigatória, em nome do interesse público, invocando os artigos 4º. e 5º da Lei de Bases da Habitação, esquece o importante artigo 28º. da mesma LBH. O Estado tem “o dever de promover o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública”. E tem o dever de “incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada, em especial nas zonas de maior pressão urbanística.”
Considero portanto que, haverá que identificar quais as “zonas de maior pressão urbanística” do país onde será necessário “incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada”, mas só depois do Estado e das Autarquias Locais promoverem “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública” existentes nessas “zonas de maior pressão urbanística”.
Considero que, sendo uma proposta do Estado, deverá ser o Estado a liderar todo o processo, no sentido de fazer cumprir aquela que é a sua competência: garantir o direito à habitação. E nos termos do número 2 do artigo 3º da Lei de Bases da habitação:
“Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado programar e executar uma política de habitação integrada nos instrumentos de gestão territorial que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”.
São os instrumentos de gestão territorial as peças fundamentais para concretizar estas medidas “MAIS HABITAÇÃO”. No entanto, nenhuma das medidas se aplica aos instrumentos de gestão territorial, o que considero ser fundamental para efectivamente aumentar a oferta de imóveis para habitação.
- COMBATER ESPECULAÇÃO
Em qualquer sociedade livre, as leis do mercado são definidas pela oferta e pela procura dentro dos mais diferenciados segmentos. O combate à especulação imobiliária pressupõe que existem um determinado número de habitações que, fruto da especulação, estão “devolutas” porquanto os agregados/famílias não conseguem aceder às mesmas (comprando ou arrendando).
Seria interessante saber quantos são os “fogos devolutos” fruto de especulação imobiliária e onde estão localizados no território nacional. E também seria interessante saber se existe procura de habitação nessas zonas do território nacional onde existem “fogos devolutos” fruto de especulação imobiliária.
Haverá sempre mercado para todas as carteiras. E haverá sempre casas muito caras e casas menos caras. Fruto da lei da oferta e procura, dedicada aos mais diferenciados segmentos.
Considero que o combate à especulação imobiliária só será atingido se o mesmo estiver consagrado nos instrumentos de ordenamento do território, estabelecendo o equilíbrio entre a oferta existente ou a prever, para os diferentes tipos de mercado (procura).
- FIM DOS VISTOS GOLD
Em dez anos (dados SEF), os Vistos Gold totalizaram 10.668 autorizações de residência para investimento (na aquisição de bens imóveis e, na aquisição e realização de obras de reabilitação dos bens imóveis). Importaria saber-se quantos fogos correspondem às 10.668 autorizações de residência para investimento e em que medida é que esses fogos aumentariam a oferta de imóveis para habitação.
O item “OBJECTIVO” é claro: “acabar com o regime dos Vistos Gold”. Mas, uma coisa será acabar com os Vistos Gold. Coisa bem diferente será aumentar a oferta de imóveis para habitação.
Considero portanto que o fim dos Vistos Gold não deve resultar das medidas “MAIS HABITAÇÃO” porquanto se desconhece o impacto que esta medida em concreto, produzirá no efectivo aumento da oferta de imóveis para habitação. Até porque, os Vistos Gold (para a aquisição de bens imóveis e, para a aquisição e realização de obras de reabilitação dos bens imóveis) correspondem, respectivamente, a investimentos iguais ou superiores a 500 mil euros e a 350 mil euros.
CONCLUSÃO:
Considero que, na sequência da Lei de Bases da Habitação, do Programa Nacional da Habitação, do Decreto-Lei n.º 82/2020, de 2 de Outubro, do Plano de Recuperação e Resiliência e das Estratégias Locais de Habitação, as medidas “MAIS HABITAÇÃO” incidem apenas sobre o património privado, esquecendo o conjunto de obrigações que o Estado tem sobre o seu próprio património, em matéria de habitação e que, sendo prioritárias, deveriam ser priorizadas. Entre elas e desde logo:
Nos termos da Lei de Bases da Habitação (alíneas a) e b) do artigo 17º da LBH) efectuar:
- “O diagnóstico das carências habitacionais, quantitativas e qualitativas, bem como informação sobre o mercado habitacional, nomeadamente eventuais falhas ou disfunções.”
- “O levantamento dos recursos habitacionais disponíveis, públicos e privados, e o seu estado de conservação e utilização.”
- Concretizar as Estratégias Locais de Habitação, através do financiamento do PRR, dando resposta a “pelo menos 26.000 famílias até 2026.”
- Formalizar a constituição de um “Parque público de habitação a custos acessíveis”, prevendo a “construção e reabilitação para disponibilização de património público com aptidão habitacional e devoluto, para promoção de arrendamento a preços acessíveis”, conforme definido pelo PRR.
- Realizar, através do IHRU, o levantamento do “património imobiliário público, considerando-se como tal os imóveis do domínio privado do Estado, da administração indireta do Estado e do setor empresarial do Estado”, que seja “de uso habitacional, bem como os devolutos ou disponíveis, incluindo terrenos, cujas condições e características permitam a sua afetação àquele uso, diretamente ou mediante processo de reconversão ou de construção” conforme dispõe o DL 82/2020, de 2 de Outubro.
- Abrir os respectivos procedimentos concursais (em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação), tendo em vista a concretização efectiva do património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento, conforme prevê a segunda acção da primeira medida “MAIS HABITAÇÃO”.
- Promover “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública” (artigo 3º. da LBH).
- Recorrer “prioritariamente ao património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento” (artigo 4º. da LBH).
- E só depois, incentivar “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada” (artigo 3º. da mesma LBH).
Existindo um défice habitacional no território português, nomeadamente destinado ao realojamento e arrendamento, as medidas “MAIS HABITAÇÃO”, são completamente omissas relativamente aos:
- INSTRUMENTOS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
São os instrumentos de ordenamento do território que definem o uso e ocupação do solo. Nomeadamente os Planos Directores Municipais. Considero que uma estratégia de habitação nacional passará por implementar regras claras sobre o uso do solo nomeadamente, classificando-o para “uso habitacional de rendas acessíveis” ou, estipulando, nas áreas urbanas de maior densidade e possibilidade construtiva, uma percentagem de fogos a constituir que serão, obrigatoriamente afectos ao “uso habitacional de rendas acessíveis”.
Serão os planos de ordenamento do território o garante do equilíbrio das funções urbanas, prevendo usos destinados a equipamentos, zonas verdes, espaços de comércio e serviços, espaços turísticos, solos rurais, solos urbanos e, dentro destes, áreas destinadas obrigatoriamente ao “uso habitacional de rendas acessíveis”.
- EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS DE GRANDE DIMENSÃO
Combater a especulação imobiliária, aumentar a oferta de imóveis para habitação, incentivando o arrendamento de propriedade privada, passará por envolver também, os empreendimentos imobiliários de grande dimensão. Empreendimentos que, maioritariamente, se destinam a classes altas, potenciando o máximo de rentabilidade aos respectivos promotores.
Haverá que legislar sobre esta matéria e em que medida estão obrigados os empreendimentos imobiliários de grande dimensão, a participar na função social da habitação, estabelecendo o uso efectivo das habitações.
E, à semelhança de uma das regras propostas na acção seis da terceira medida do “MAIS HABITAÇÃO”, criar uma contribuição extraordinária sobre empreendimentos imobiliários de grande dimensão, a consignar ao IHRU, para financiar políticas de habitação acessível e que variará de acordo com a rentabilidade do empreendimento e o peso que o mesmo terá na zona onde se insere.
- EMPREENDIMENTOS TURISTICOS DE GRANDE DIMENSÃO
Também os empreendimentos turísticos de grande dimensão devem concorrer na consolidação de uma estratégia de habitação que potencie efectivamente mais oferta de imóveis para habitação.
Considero até que, em alguns casos e em zonas do território nacional altamente sazonal, esta poderia ser uma medida de rentabilização dos próprios empreendimentos turísticos de grande dimensão, destinando alojamento/habitação a rendas acessíveis, a pessoas deslocadas por razões profissionais (como por exemplo professores).
E também neste caso, à semelhança de uma das regras propostas na acção seis da terceira medida do “MAIS HABITAÇÃO”, seria de criar uma contribuição extraordinária sobre empreendimentos turísticos de grande dimensão, a consignar ao IHRU, para financiar políticas de habitação acessível e que variaria de acordo com a rentabilidade do empreendimento e o peso que o mesmo terá na zona onde se insere (nomeadamente em relação à sobrecarga de infraestruturas, comércios e serviços existentes)
- PROMOTORES IMOBILIÁRIOS
Considero que os promotores imobiliários deverão ser o grande parceiro do “MAIS HABITAÇÃO”, participando activamente na implementação de mais habitação acessível.
Só mobilizando desde logo aqueles que mais directamente promovem a construção de habitação, sensibilizando-os para as necessidades do país em matéria de habitação, enquanto direito constitucional, haverá efectivamente um aumento na oferta de imóveis para habitação, não especulativo, e acessível, dinamizando e revitalizando espaços urbanos com população residente permanente.
Portugal sendo um país com características tão diferentes em cada uma das suas regiões, deverá ser abordado com medidas específicas para cada uma das regiões e não, por medidas globais que farão sentido em algumas zonas mas noutras, não farão qualquer tipo de sentido. É nessa diferença que reside a autenticidade portuguesa. E é nessa diferença que deverá ser implementada uma estratégia habitacional que reflita de facto a realidade do país.
Considero portanto que, muito mais do que o conjunto de medidas (vagas e globais) “MAIS HABITAÇÃO”, deveria ser elaborado um Projecto Nacional que cruzasse várias informações e identificasse as necessidades habitacionais de cada região do país. Uma parte desse Projecto Nacional já estará no Programa Nacional de Habitação (com a identificação de alguns dados) e, nas Estratégias Locais de Habitação (que identificam as famílias a realojar, onde e como).
Mas a maior parte, ainda não está realizada. Serão fundamentais as Cartas Municipais de Habitação, consagradas na Lei de Bases da Habitação (artigo 22º.) sem as quais, quaisquer medidas “MAIS HABITAÇÃO” serão apenas um tiro no escuro, por falta de dados que sustentem as mesmas. A Lei de Bases da Habitação foi publicada em Setembro de 2019. Quantos são os Municípios que já dispõem de Cartas Municipais de Habitação? Considero que deveria ser dado um prazo limite para a elaboração das mesmas, devendo os Municípios sofrer penalizações pelo incumprimento do prazo (dado que o atraso nessa elaboração impede a concretização efectiva de um direito constitucional: a habitação).
São as Cartas Municipais de Habitação que identificam entre outras:
- As carências de habitação na área do município;
- Os recursos habitacionais e das potencialidades locais, nomeadamente em solo urbanizado expectante, em urbanizações ou edifícios abandonados e em fogos devolutos, degradados ou abandonados;
- As necessidades de solo urbanizado e de reabilitação do edificado que respondem às carências habitacionais;
- As situações que exijam realojamento por degradação habitacional, a nível social ou urbanístico, do aglomerado ou do edificado;
- A identificação dos agregados familiares em situação de manifesta carência de meios para acesso à habitação;
- As intervenções a desenvolver para inverter situações de perda populacional e processos de gentrificação.
São as Cartas Municipais de Habitação os elementos fundamentais, que identificam as reais necessidades de habitação. É urgente esta elaboração por parte de todos os Municípios do território português.
E claro, será fundamental a informação decorrente do levantamento efectuado pelo IHRU relativamente “ao património imobiliário público, considerando-se como tal os imóveis do domínio privado do Estado, da administração indireta do Estado e do setor empresarial do Estado”, que seja “de uso habitacional, bem como os devolutos ou disponíveis, incluindo terrenos, cujas condições e características permitam a sua afetação àquele uso, diretamente ou mediante processo de reconversão ou de construção.”
Um Projecto Nacional que congregue em si mesmo, a realidade do país e as diferentes necessidades habitacionais, implementará uma estratégia, um pacote de medidas exequíveis e claras, adequadas à especificidade de cada território, traduzindo-se de facto, em “MAIS HABITAÇÃO”.
Por fim, e fora das medidas MAIS HABITAÇÃO”, por serem matérias que considero que em nada irão fomentar o aumento de habitação, estará de facto a necessidade de:
Simplificar os processos de licenciamento
Como acima referi, haverá que simplificar, de facto, os processos de licenciamento. Mas essa simplificação não deve decorrer da necessidade de mais oferta de habitação. Essa simplificação deve decorrer da urgência de tornar exequível a aplicação de mais de 2 mil diplomas legais de urbanismo e construção.
Alojamento local
Como acima referi, haverá que regular, é certo, a questão relacionada com as casas em alojamento local, adequando essa regulamentação à especificidade dos territórios onde se inserem. Mas não deverá essa regulamentação surtir de medidas “MAIS HABITAÇÃO”. Porque uma coisa é o alojamento local. Coisa bem diferente será a medida que visa “aumentar casas no mercado de arrendamento”.
Sandra M.B. Patrício
Sesimbra, 09 de Março de 2023
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