UM DOS ELEFANTES VOLTOU A ESTAR NA SALA!!
Passado um ano e nove meses, eis que um dos elefantes voltou a estar na sala! Mas desta vez, o próprio do elefante ficou tão espantado com a sua presença naquela que foi a última reunião de Câmara (realizada no dia 22 de Fevereiro) que até ficou de pernas para o ar!
Mas antes, vamos a novo recorde: perante uma extensa “Ordem de Trabalhos”, composta por 46 pontos, o executivo municipal precisou apenas de 50 minutos para aprovar tudo de rajada. E apenas em 4 pontos das “Deliberações Diversas” (relativos à Delegação de competências no domínio da educação – pontos 9 e 10; Escola Ciência Viva – ponto 12; Escola a Tempo Inteiro – ponto 14) o executivo sentiu a necessidade de manifestar opiniões, despendendo nestas, 28 minutos. Os restantes 42 pontos foram aprovados por unanimidade e em silêncio, claro está, em 22 minutos! O que significa uma média de 31 segundos por ponto e por isso, um novo recorde! Fantástico.
E qual foi o elefante que voltou a estar na sala? O elefante que o executivo municipal, no anterior mandato, viabilizou a 21 de Abril de 2021 (LINK - página 4) e ao qual dediquei algumas palavras (MAIS DOIS “ELEFANTES NA SALA” NA REUNIÃO DE CÂMARA – SESIMBRA).
Permitam-me um enquadramento no Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE):
- Qualquer interessado pode solicitar à Câmara um Pedido de Informação Prévia (PIP) “sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística” (artigo 14º).
- No âmbito das diferentes competências inerentes à gestão do território, obrigatoriamente serão consultadas todas as “entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações condicionem, nos termos da lei, a informação a prestar” (artigo 15º).
- A deliberação camarária, se for favorável, integra obrigatoriamente, “os pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município” (artigo 16º, ponto 2).
- Se a deliberação camarária for desfavorável “dela deve constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal” (artigo 16º, ponto 4).
- Uma Informação Prévia favorável é válida durante um ano. Para que essa Informação Prévia continue válida, o promotor pode fazer uma de duas coisas (artigo 17º do RJUE):
- apresentar, no prazo de um ano, projecto tendo em vista o pedido de licenciamento ou de comunicação prévia ou;
- b) não apresentando no prazo de um ano o projecto, requerer ao presidente da Câmara uma Declaração em como se mantêm os “pressupostos de facto e de direito que levaram à anterior decisão favorável” sendo que se iniciará, com a emissão dessa Declaração, “novo prazo de um ano para efetuar a apresentação dos pedidos de licenciamento ou de comunicação prévia”.
Esteve de novo um elefante na sala! E com a deliberação tomada pelo executivo municipal, em silêncio e por unanimidade (como é óbvio) até o próprio elefante ficou de pernas para o ar!
E o que é que aconteceu? Aconteceu que, passado um ano e nove meses sobre a deliberação que aprovou o Pedido de Informação Prévia relativa (e cito parcialmente o Ponto 1 dos “requerimentos e processos” - LINK- páginas 2 e 3): “Viabilidade de alteração ao alvará (…) – Canino da Horta – Rua Amélia Frade – Vila de Sesimbra – emissão de declaração da deliberação”, o executivo municipal aprovou, por unanimidade e em silêncio, emitir a Declaração “em como se mantém os pressupostos de facto e de direito que levaram à emissão de deliberação favorável condicionada, em 21/04/2021.” Ora a Declaração, a ser emitida, deveria ter ocorrido em Abril de 2022 e não, em Fevereiro de 2023, porquanto uma Informação Prévia favorável é válida apenas durante um ano. Digo eu. Adiante.
O executivo municipal considerou que se mantêm os “pressupostos de facto e de direito que levaram à anterior decisão favorável”, estabelecendo 21 pontos de condicionantes. Ou seja, para que o promotor possa avançar com o pedido de licenciamento, terá de cumprir com o disposto nas condicionantes estabelecidas. É claro que as 21 condicionantes, por serem questões tão básicas, tão elementares, tão diminutas, tão insignificantes, terão justificado o silêncio ensurdecedor dos sete eleitos. Não existem dúvidas nem questões a colocar. Nem esclarecimentos a prestar. Nada. É tudo clarinho como a água.
Nem sei que diga. Talvez transcrever apenas 7 dos 21 pontos de condicionantes:
Ponto 1: “Parecer favorável/autorização da APA (Regime Hídrico) para as intervenções a realizar junto à linha de água (passagens pedonais, arruamentos, estacionamentos, passeios, entre outras)”.
Nota ao Ponto 1:
- O parecer da APA (enquanto entidade externa que se deve pronunciar sobre o PIP - Pedido de Informação Prévia) teria de integrar obrigatoriamente a deliberação de Câmara;
- Acresce que, se a APA se pronunciar desfavoravelmente sobre o PIP ou seja, se a APA não autorizar “as intervenções a realizar junto à linha de água (passagens pedonais, arruamentos, estacionamentos, passeios, entre outras)” – pergunto-me se nas “entre outras” estarão as próprias das construções a edificar? – o PIP não serviu para rigorosamente nada senão apenas criar a ilusão no promotor de que é possuidor de uma viabilidade de construção. Mais nada.
- Importa referir que a “linha de água” é uma das principais ribeiras de Sesimbra, correndo a céu aberto até à Rua Amélia Frade, seguindo por debaixo do Largo do Município e desaguando na praia, ao lado da Fortaleza. Completamente irrelevante.
Ponto 7: “Deverá ser reduzida a STP proposta em 436,09 m2 (STP possível face ao PDM - 16 035,31m2 para uma área de terreno de 20.044,14 m2)”.
Nota ao Ponto 7:
- Nem sei que diga. Qualquer pretensão urbanística que não cumpra “as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal” (no caso, o PDM) é indeferida.
- Mais uma vez, o PIP não serviu para rigorosamente nada senão apenas criar a ilusão no promotor de que é possuidor de uma viabilidade de construção. Mais nada.
Ponto 14: “Os lugares de estacionamento deverão respeitar o disposto na alínea d) do artigo 81.º do PDM. Ter e atenção as compensações que poderão advir pela área de cedência em falta (10 lugares em falta na presente proposta)”.
Nota ao Ponto 14:
- Mais uma vez, nem sei que diga. Talvez repetir a mesma coisa: qualquer pretensão urbanística que não cumpra “as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal” (no caso, o PDM) é indeferida.
Ponto 15: “Autorização do proprietário do terreno confinante com os lotes 7 e 8 para a construção de edificação à estrema (artigo 9.º do RMEU)”.
Nota ao Ponto 15:
- Ou seja, se o “proprietário do terreno confinante não autorizar a construção “de edificação à estrema”, a solução dos lotes 7 e 8 será outra qualquer. Qualquer pretensão urbanística que não cumpra “as prescrições urbanísticas aplicáveis” (no caso, o RMEU) é indeferida.
Ponto 16: “Garantido o cumprimento do DL 163/2006, de 8 de agosto designadamente o disposto no capítulo I”.
Nota ao Ponto 16:
- O DL 163/2006, de 8 de agosto aprovou o “regime de acessibilidades aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais” sendo que o Capitulo I estabelece as “Normas Técnicas para melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada” relativamente à “Via Pública”. Nem sei que diga. Talvez repetir: qualquer pretensão urbanística que não cumpra “as prescrições urbanísticas aplicáveis” (no caso, o DL 163/2006, de 8 de agosto) é indeferida.
Ponto 19: “A redução do número de fogos (para além da que resultará do ponto 7), devendo elevar-se a área média/fogo, no sentido de permitir tipologias de maior dimensão, que sejam atrativas para a residência permanente, fixando-se população na vila, sendo que estas devem prevalecer, em número, sobre as tipologias menores.”
Nota ao Ponto 16:
- Fantástico. Relembro que a deliberação tomada silenciosamente e por unanimidade pelo executivo municipal visou emitir Declaração “em como se mantém os pressupostos de facto e de direito que levaram à emissão de deliberação favorável condicionada, em 21/04/2021.”
- Ora em Abril de 2021, conforme consta na respectiva ordem de trabalhos, o executivo municipal aprovou a constituição de 94 fogos, estabelecendo uma área média por fogo inferior a 89,60m2. Quer isto dizer que não se mantêm os pressupostos! Os 94 fogos terão de ser reduzidos (quantos?), por força da condicionante do Ponto 7 mas também para “permitir tipologias de maior dimensão, que sejam atrativas para a residência permanente, fixando-se população na vila.” Absolutamente fantástico.
O PIP aprovado não serve rigorosamente para nada. Cria apenas a ilusão no promotor de que é detentor de uma viabilidade construtiva. Mais nada. Melhor explicando: o promotor terá de redesenhar toda a proposta, tendo em vista o cumprimento do PDM, do RMEU e do Regime de Acessibilidades. Para além disso, terá de respeitar aquele que vier a ser o parecer vinculativo da APA e que pode anular todas “as intervenções a realizar junto à linha de água (passagens pedonais, arruamentos, estacionamentos, passeios, entre outras)”. E terá ainda de reduzir o número de fogos “no sentido de permitir tipologias de maior dimensão, que sejam atrativas para a residência permanente, fixando-se população na vila”. Ou seja, o melhor é esquecer o que apresentou e começar tudo de novo!
Ponto 21: “Considerando que a proposta se encontra fortemente condicionada, quer pela linha de água que atravessa o terreno, quer pela topografia do mesmo, entende-se que deve ser revista a ocupação prevista para a parte nascente, equacionando-se a possibilidade da tipologia proposta para edifícios de habitação coletiva, ser substituída por moradia em banda.”
Nota ao Ponto 21:
- “Entende-se que deve ser revista a ocupação prevista para a parte nascente, equacionando-se a possibilidade da tipologia proposta para edifícios de habitação coletiva, ser substituída por moradia em banda”. Mais uma vez, não se mantêm os “pressupostos de facto e de direito que levaram à anterior decisão favorável” tomada pelo executivo municipal a 21 de Abril de 2021: edifícios com sete pisos (4 acima da cota de soleira e 3 abaixo da cota de soleira).
O elefante regressou à sala. Mas desta vez até fez uma pirueta! A Declaração é aprovada depois do prazo definido, são alterados os “pressupostos de facto e de direito que levaram à anterior decisão favorável” mas, o executivo municipal ao invés de reverter, anular, a deliberação tomada em Abril de 2021, para que fossem cumpridos os pressupostos legais e em vigor e que agora constam como condicionalismos, decide adoptar uma postura de “bom samaritano”.
Ou seja: não é o executivo eleito que não autoriza ou inviabiliza a pretensão. Aliás, o executivo eleito aprova por unanimidade e em silêncio a pretensão do promotor. Quem inviabilizará a pretensão será o próprio promotor dado que terá de refazer toda a proposta e acreditar que o parecer da APA será favorável e que não inviabilizará o que quer que seja junto da ribeira.
E sobre a grande alegria manifestada na reunião de 21 de Abril de 2021 relativamente (e cito textualmente) à “área de cedência para a via N3B de 3.084,79. A via N3B que é a ligação de Argéis à Av. da Liberdade. Temos a criação da rotunda lá em cima junto da… e depois temos a cedência para o domínio privado e há a construção de um pequeno troço”, nem uma única palavra. Querem ver que a APA, no âmbito do parecer que terá emitido sobre a proposta de Revisão do PDM, inviabiliza a construção da rotunda e da “via N3B que é a ligação de Argéis à Av. da Liberdade”?
O que a Câmara deliberou, o que os sete eleitos aprovaram por unanimidade, foi o indeferimento da pretensão. Mas como dizer isto, exactamente assim, não é popular nem dá votos, o executivo municipal deliberou aprovar emitir a Declaração, de acordo com os condicionalismos que indeferem a pretensão. Simples.
Permitam-me um agradecimento aos condicionalismos constantes nesta deliberação de 22 de Fevereiro de 2023. Parece que, felizmente, não terei sido só eu a ver os elefantes na sala no dia 21 de Abril de 2021. Ainda bem.
E lembrei-me agora: na leitura deste ponto, é referido que se mantêm os condicionalismos anteriores. Ou seja, que os condicionalismos constantes na deliberação são os mesmos que constariam na deliberação tomada anteriormente. Acontece porém que, na deliberação de 21 de Abril de 2021 não consta nenhum dos condicionalismos. O que consta é uma espécie de «condições de alvará». Mas, se os condicionalismos de agora forem os mesmos anteriormente aprovados, a coisa ainda é mais estranha.
Apenas dois exemplos:
Primeiro exemplo:
- Na deliberação de 21 de Abril de 2021 foram aprovados: 94 fogos com uma área média inferior a 89,60m2;
- Na deliberação de agora, dia 22 de Fevereiro de 2023 o condicionalismo com o número 19 refere que "a redução do número de fogos (para além da que resultará do ponto 7), devendo elevar-se a área média/fogo, no sentido de permitir tipologias de maior dimensão, que sejam atrativas para a residência permanente, fixando-se população na vila, sendo que estas devem prevalecer, em número, sobre as tipologias menores".
Ora se o condicionalismo é o mesmo, quantos fogos são afinal aprovados?; e com que área média? Contemplarão os 94 fogos o valor da redução já efectuada perante o condicionalismo estabelecido? Mas se assim for, de que serviria o condicionalismo se os fogos já estavam reduzidos?
Segundo exemplo:
- Na deliberação de 21 de Abril de 2021 foram aprovados os seguintes valores de STP: Habitação = 8421,97m²; Comércio = 96,77m²; Equipamento = 468,32m² (perfazendo um total de 8.987,06m2).
- Na deliberação de agora, dia 22 de Fevereiro de 2023 o condicionalismo com o número 7 refere que "deverá ser reduzida a STP proposta em 436,09 m2 (STP possível face ao PDM - 16 035,31m2 para uma área de terreno de 20.044,14 m2)".
Ora se o condicionalismo é o mesmo, qual é afinal a STP constituída? Será que a STP aprovada em Abril de 2021 já contempla a redução definida pelo condicionalismo estabelecido? Mas se assim for, de que serviria o condicionalismo se a STP já estava reduzida em 436,09 m2?
Mas que grande pirueta! E tudo em silêncio.
Espero que alguém explique ao promotor que o que a Câmara deliberou, o que os sete eleitos deliberaram, foi um indeferimento. Limpinho. Apesar de ir receber um lindo ofício a transmitir a deliberação tomada pelo executivo e que, com letras a bold e sublinhadas, irá referir que a Câmara deliberou por unanimidade, deferir o pedido. Lamentável.
- FONTE DA IMAGEM: ideiasderua.blogspot.com
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