UM LAMIRÉ (QUE NÃO É UMA REDUNDÂNCIA)

Permitam-me pois dar aqui um lamiré (que não é uma redundância) sobre aquele que já é conhecido como “uma vaca fria, difícil”. Refiro-me àquela que foi uma das deliberações de Câmara de ontem (extraordinária e de porta bem aberta, como não podia deixar de ser), dia 28 de Novembro.

Especificamente, um lamiré sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos que visava deliberar sobre o licenciamento das obras de urbanização e estabelecer as condições de alvará daquele que é o primeiro loteamento aprovado (e “uma vaca fria, difícil”) na Mata Sul de Sesimbra (conforme referi AQUI). Deliberação que foi tomada por unanimidade (claro está), sem uma única pergunta ou dúvida ou intervenção qualquer, que pudesse esclarecer os munícipes interessados sobre o que raio irá acontecer nos próximos 18 meses (prazo de execução das obras de urbanização), ou seja, até Maio de 2023.

E este lamiré é apenas sobre o montante apurado relativamente às taxas urbanísticas a pagar (numa operação que visa a constituição de dois aldeamentos turísticos, um hotel e golf, com 138 mil metros quadrados de construção, num total de 3920 camas) uma vez que foram considerados ultrapassados os condicionalismos estabelecidos na deliberação de 26 de Outubro (sem que sobre esta questão fosse feito algum comentário ou pergunta; ninguém tem nada a ver com isso). Significa por isso que a IP (Infraestruturas de Portugal) já terá emitido o parecer favorável sobre o nó na EN 378 e que, estarão cumpridas as condicionantes estabelecidas pela DCAPE – cujo prazo terminou no passado dia 23 de Novembro e sobre o qual, o silêncio é total). 

E permitam-me a pergunta: poderá a obra iniciar-se com a DCAPE caducada? A menos que a mesma tenha sido, novamente, prorrogada. Mas isso, não foi sequer tema considerado na aprovação unânime.

Diz a deliberação que o promotor terá de liquidar um valor de taxas superior a 1 milhão e cem mil euros (acrescido de cerca de cento e cinquenta mil euros pela área de cedência em falta). Escusado será dizer que fui ver o Regulamento Municipal de Taxas e Cedências relativas à Administração Urbanística (RMTCAU). E fiz algumas contas. E é aqui que vem o lamiré sobre aquele que já é conhecido como “uma vaca fria, difícil”.

Mas como não percebo nada de nada do RMTCAU, nem de deduções e isenções, acredito que as minhas contas estejam completamente erradas. E por isso, não vou maçar com contas e cálculos e números e deduções e milhões e milhares e centenas e dezenas de euros. Irei apenas transcrever o número 3 do artigo 8º do RMTCAU e também, o número 4 do artigo 36º do mesmo RMTCAU e claro, dar uns lamirés sobre os mesmos.

Nº.3 do artigo 8º:

  • Ao somatório dos valores determinados em 1 e 2 será subtraído o custo das obras de urbanização externas (novas ou de reforço das existentes) a executar pelo promotor, mas apenas até um máximo de dois terços do valor determinado em 2.

Ora o artigo 8º. define a fórmula de cálculo das taxas de infraestruturas urbanísticas, dividindo-a em dois pontos (1 e 2). E será o total da soma do ponto 1 com o ponto 2 que determinará o valor da taxa a ser cobrada. No entanto, o ponto 3, vem dizer que à taxa total (resultante da soma do ponto 1 com o ponto 2) será subtraído o custo das obras de urbanização externas a executar pelo promotor (e que no caso, correspondem grosso modo à Estrada dos Almocreves e ao nó na EN 378) até um máximo de dois terços do valor determinado em 2. Ou seja, a dedução não é sobre o valor total da taxa (resultante da soma do ponto 1 com o ponto 2) mas apenas sobre o valor determinado no ponto 2. 

Quer isto dizer que o promotor tem, através da aplicação do número 3 do artigo 8º, uma dedução no valor da taxa a liquidar que corresponderá até dois terços do valor determinado em 2. 

É o artigo 8º. (e apenas o artigo 8º), na sequência da aplicação dos diferentes pontos que o compõem, que define o valor total da taxa de infraestruturas urbanísticas a liquidar.

Mas, o RMTCAU vai mais longe. E no artigo 36º. estabelece um conjunto de isenções e reduções nas taxas de infraestruturas urbanísticas definidas pelo artigo 8º.. 

Nº. 4 do artigo 36º:

  • Os lotes ou parcelas destinados a empreendimentos turísticos estão isentos total ou parcialmente da taxa de infraestruturas urbanísticas estabelecida no artigo 8º, consoante a a natureza da ocupação prevista para cada um:
    • Hotéis e Pousadas, mesmo que integrados noutro tipo de empreendimento turístico. isenção total;
    • Hotéis-Apartamentos (aparthotel), mesmo que integrados noutro tipo de empreendimento turístico – isenção de 50%;
    • Outros empreendimentos turísticos – isenção de 30%

Ou seja, o valor da taxa de infraestruturas urbanísticas estabelecida pelo artigo 8º, consoante a natureza da ocupação de cada lote, estará isenta total ou parcialmente de pagamento de qualquer taxa de infraestruturas urbanísticas. E no caso, tratando-se de um hotel, a isenção é total. O que significa que a taxa de infraestruturas urbanísticas do hotel será igual a zero. Nos restantes empreendimentos turísticos (aldeamentos e golf) a isenção é de 30%. O que significa que a taxa de infraestruturas urbanísticas dos dois aldeamentos e do golfe, terão uma redução de 30% . 

Importa referir que esta isenção é sobre o valor total da taxa de infraestruturas urbanísticas estabelecida no artigo 8º, (e depois da aplicação dos diferentes pontos que o compõem esse mesmo artigo 8º).

Significa que os cálculos do ponto 1 e do ponto 2 do artigo 8º. terão de ser efectuados separadamente para que seja possível aplicar o definido pelo número 4 do artigo 36º do RMTCAU. Ou seja, haverá que desdobrar o cálculo dos pontos 1 e 2, cumprindo as disposições do número 4 do artigo 36º. Explicando melhor: uma vez que o cálculo é efectuado com base na área de construção estabelecida, cada lote deverá ser calculado isoladamente, tendo em vista o apuramento das deduções definidas no número 4 do artigo 36º. Ora, e tomando o caso presente, sendo definidos 4 lotes, um deles será destinado a um hotel e os restantes, a outros empreendimentos turísticos. O que significa que o lote destinado a hotel não paga qualquer taxa e, os lotes destinados a aldeamentos turísticos e golfe, têm uma isenção de 30%.

Resumindo, ao valor total da taxa de infraestruturas urbanísticas estabelecida no artigo 8º (e depois da aplicação dos diferentes pontos que compõem esse mesmo artigo 8º, nomeadamente a dedução de dois terços das obras de urbanização externas a executar pelo promotor), será deduzido o montante apurado nos termos do número 4 do artigo 36º. 

E será essa diferença (ou seja o valor apurado nos termos do artigo 8º, deduzindo o valor apurado nos termos do artigo 36º), o valor da taxa de infraestruturas urbanísticas que o promotor deverá liquidar (acrescido do valor relativo à área de cedência em falta). 

Apenas dizer que, entre as minhas contas e os valores estabelecidos pela deliberação de Câmara, diferem umas centenas de milhares de euros. 

Mas como não percebo nada de nada do RMTCAU, nem de deduções e isenções, acredito que as minhas contas estejam completamente erradas. Afinal, trata-se apenas de um lamiré que, não é uma redundância,  sobre aquele que já é conhecido como “uma vaca fria, difícil.” 

Até porque, em nenhum momento o RMTCAU refere que a isenção prevista no número 4 do artigo 36º se aplica ao somatório dos pontos 1 e 2 do artigo 8º., antes de ser considerada a dedução prevista no número 3 do mesmo artigo 8º. O que o RMTCAU refere é que, ao valor da taxa de infraestruturas urbanísticas estabelecida no artigo 8º, serão aplicadas diferentes isenções consoante o empreendimento turístico que estiver definido. E o valor da taxa de infraestruturas urbanísticas estabelecida no artigo 8º, é o total encontrado depois da aplicação dos vários pontos que o compõem. Digo eu.

E termino com um desafio para os mais curiosos e/ou disponíveis para estes exercícios matemáticos: com os dados que constam nas deliberações camarárias unânimes, apliquem o estabelecido no Regulamento Municipal de Taxas e Cedências relativas à Administração Urbanística. E talvez tenham uma surpresa inesperada! 

Perdoem-me a redundância. Que não é um lamiré!

FONTE DA IMAGEM: ncultura.pt


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