A CASA DO INFANTADO – LAGOA DE ALBUFEIRA
A imagem que ilustra este post consta numa publicação (destinada a um público infantil) do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) datada de 2005 e cofinanciada pelo então programa INTERREG. No texto adjacente a esta imagem, a publicação do ICN refere que se trata do pavilhão de caça do Rei D. Carlos, com mais de cem anos, conhecida como “Casa do Infantado”. Aliás, a imagem até tem o próprio do Rei D. Carlos (com um chapéu na cabeça e um charuto na mão esquerda), dando o braço à Rainha Dona Amélia (que ostenta, para além de um chapéu na cabeça com umas plumas avermelhadas, um chapéu de sol amarelo e, no braço esquerdo, uma pequena malinha de passeio), acompanhados por dois guardas reais fardados e de espadas embainhadas.
Sou completamente contra a ideia de “repor a imagem original” da “Casa do Infantado”. Até porque ninguém saberá, ao certo, qual seria a imagem original. A recuperação da memória da “Casa do Infantado” deveria ser, na minha opinião, uma solução moderna e inteligente, que se encaixasse nas paredes existentes, mantendo-as e preservando-as exactamente como estão.
Explicando melhor: sou completamente contra a reconstrução de paredes em alvenaria de pedra, colocação de rebocos e cantarias a “imitar o antigo”, tendo em vista “repor a imagem original”. Sou completamente contra a reconstrução de um telhado com telhas a imitar as que lá estariam.
Sou completamente contra a construção de uma nova “Casa do Infantado”.
A “Casa do Infantado” tem, diz o ICN, mais de cem anos. E eu afirmo: terá com toda a certeza muito mais do que cem anos. A denominada “Casa do Infantado” referia-se ao conjunto de bens, espalhados pelo reino, pertencentes à Casa de Bragança. Essa denominação foi instituída em 1654 pelo rei D. João IV a favor do seu filho D. Pedro, perante a possibilidade de surgirem questões relativamente à sucessão do reino, face à enfermidade do filho primogénito e herdeiro da coroa, D. Afonso (que veio a ser o Rei D. Afonso VI, reinando apenas 5 anos, sucedendo-lhe no trono o irmão, enquanto Rei D. Pedro II).
Com a fuga de D. João VI para o Brasil (1807), na sequência das invasões francesas e até 1834 o reino português viveu grandes tumultos, com lutas entre liberais e absolutistas que terminariam com a vitória de D. Pedro IV sobre o irmão, D. Miguel. Nesse mesmo ano, D. Maria II subia ao trono de Portugal e D. Miguel abandonava o reino, ficando proibido de voltar à Península e aos domínios portugueses. Acontece que D. Miguel era também um Infante da Casa de Bragança e por isso, herdeiro da “Casa do Infantado”. E assim, D. Pedro IV extinguia, também em 1834, a “Casa do Infantado”, a par com o decreto que destituía D. Miguel de todas as honras, prerrogativas e privilégios, despojando-o de honras e proventos.
Diz-nos Eduardo da Cunha Serrão e Vítor Serrão que, “este pequeno e modesto edifício de piso térreo serviu de pavilhão real de caça tendo constituído o predilecto retiro de D. Pedro V.” Ora o Rei D. Pedro V é tio do rei D. Carlos, tendo reinado entre 1855 e 1861. O pavilhão de caça, conhecido como “Casa do Infantado” e que sobreviveu até aos nossos dias, já existiria antes de 1834. Digo eu.
Dizem-nos Eduardo da Cunha Serrão e Vítor Serrão que se trata “de uma construção singela do século XIX.” E eu acrescento: o pavilhão de caça para ser denominado como “Casa do Infantado” será, no limite, do início do século XIX. A menos que a denominação de “Casa do Infantado” diga respeito não ao pavilhão de caça mas aos terrenos adjacentes às margens da lagoa, e que seriam propriedade da Casa de Bragança… e nesse caso até poderá ter sido o Rei D. Pedro V a construir o pavilhão de caça naqueles que eram, até 1834, terrenos identificados como pertencentes à “Casa do Infantado”. Aliás, a notícia publicada na página oficial da Autarquia afirma taxativamente que o imóvel conhecido como “Casa do Infantado” foi “(…) mandado construir no século XIX, por D. Pedro V, como retiro de caça (…)” .
Quer isto dizer que o pavilhão de caça do Rei D. Carlos, conhecido como “Casa do Infantado” e que terá sido mandado construir pelo seu tio, o Rei D. Pedro V, terá, no mínimo, 160 anos. Sou completamente contra a ideia de “repor a imagem original” da “Casa do Infantado”. Sou completamente contra a ideia de gastar uma fortuna a construir uma nova “Casa do Infantado”, numa área de REN, domínio hídrico, leito de cheia e previsivelmente inundada (conforme afirmam os dados públicos relativos ao impacto das alterações climáticas) daqui por pouco mais de 10 anos.
Na minha opinião, a “Casa do Infantado” deve sofrer uma intervenção criativa e cuidada, permitindo a instalação das valências necessárias para implementar o programa definido mas, mantendo inalteráveis as paredes e vãos que ainda sobrevivem. Felizmente, já existem vários exemplos de intervenções em património que, ao invés de reconstruir, mantêm a imagem existente, protegendo-a e conservando-a, optando por soluções que nem sequer tocam nas estruturas centenárias.
Existem um sem número de soluções sustentáveis, pré-fabricadas, modulares, adaptáveis ao conjunto de paredes e vãos que sobrevivem, que podem e devem cumprir os objectivos do programa de recuperação. Porque é disso que se trata: recuperar a “Casa do Infantado” e não, reconstruir a “Casa do Infantado”.
A “Casa do Infantado” é, nos dias de hoje, uma ruína. Para mim (conforme referi AQUI), recuperar o que resta das estruturas da “Casa do Infantado”, passa por limpar e remover o que tiver de ser limpo e removido; reforçar e consolidar o que tiver de ser reforçado e consolidado. Nada mais. Recuperar apenas no sentido de preservar o valor histórico, cultural e patrimonial daquele que terá sido, um dia, um pavilhão de caça que se tornou “o predilecto retiro de D. Pedro.”
Coisa bem diferente será a intervenção que vise a instalação de um programa que permita usufruir daquele espaço. E essa intervenção deverá respeitar as estruturas que sobreviveram até aos nossos dias, não reconstruindo, não ampliando, não reformulando, não restaurando. Para mim, a intervenção a realizar passará pela consolidação de um módulo autónomo e sustentável, que encaixe nas estruturas existentes e consagre todas as valências necessárias à consolidação do programa definido.
Que fique bem claro que não tenho absolutamente nada contra a recuperação da “Casa do Infantado”. Mas sou completamente contra a reconstrução “a imitar o antigo” para “repor a imagem original” da “Casa do Infantado”.
Haja audácia, coragem e inovação nesta recuperação. Estamos no século XXI! A ideia não deveria ser a de reconstruir no século XXI um edifício do século XIX, repondo “a imagem original”. A ideia, (pelo menos desta vez), deveria ser a fusão do longínquo século XIX com a modernidade do século XXI, respeitando o valor histórico, cultural e patrimonial existente mas, acrescentando os valores e princípios de um século tecnológico e sustentável, carregado de soluções integradas e valorizadoras do património construído que sobreviveu até aos nossos dias.
Fica o desafio. Sou completamente contra a reconstrução “a imitar o antigo” para “repor a imagem original” (que ninguém sabe, ao certo, qual seria) da “Casa do Infantado”.
Reconstruir uma casinha, com telhadinho e beiradinho, pintadinha de cor de rosinha, na margem da lagoa. Poupem-nos!
E apenas como exemplo, a imagem abaixo é de um projecto na Alemanha (FNP Arquitectos) relativo à recuperação de uma construção do século XVIII, convertendo-a numa sala de exposições do século XXI (mantendo intactas as paredes do século XVIII e respeitando os vãos existentes).
Comentários
Enviar um comentário