RECIFES ARTIFICIAIS AO LARGO DA COMPORTA… E CASCAIS.

Naquela que foi a quarta reunião de Câmara deste novo mandato, realizada à porta fechada no passado dia 19 de Agosto (conforme referi aqui), o primeiro ponto da ordem de trabalhos era relativo e cito:

Consulta pública do pedido de TUPEM para utilização de uma área do espaço marítimo nacional para o desenvolvimento de um projeto-piloto com a instalação de um complexo recifal com cerca de 10.000m2, ao longo da batimétrica dos 30 metros, na área marítima ao largo da Comporta, no município de Grândola – Objeção à atribuição de TUPEM.

A consulta pública relativa à instalação de um recife artificial ao largo da Comporta tem a duração de 22 dias, terminando amanhã, dia 23 de Agosto. Importa referir que, de acordo com a notícia da Câmara (dado que ninguém assistiu ao que foi dito e não dito, e por quem, na reunião de Câmara realizada à porta fechada), os sete eleitos deliberaram por unanimidade, uma proposta contra a atribuição deste TUPEM (Titulo de Utilização Privativa do Espaço Marítimo Nacional). É possível ler (LINK) que o voto unânime contra a instalação deste recife artificial se deveu ao facto do mesmo vir a prejudicar a actividade piscatória de Sesimbra (que ali pesca), podendo vir a colocar em causa a sua existência (face às consequências económicas e sociais). Diz ainda a notícia que a posição da Câmara é coincidente com a posição dos pescadores, armadores e produtores sesimbrenses. 

Fui ver os documentos que foram disponibilizados para consulta pública. E confesso não ter rigorosamente nada contra esta instalação e por isso, não tendo objecções, não participei. Mas, simultaneamente, percebo e apoio a posição dos pescadores, armadores e produtores sesimbrenses. E porquê? Porque aparentemente estão sozinhos. E esta posição tomada pelos eleitos que compõem o executivo municipal, em nada contribuirá para resolver o que quer que seja sobre esta matéria. Explicando melhor:

O pedido de TUPEM (Titulo de Utilização Privativa do Espaço Marítimo Nacional) visa, conforme publicitou o respectivo Edital e cito: “o desenvolvimento de um projeto-piloto para instalação de um complexo recifal”. O local proposto para instalar este projeto-piloto está (e cito) “previsto no Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo (PSOEM), aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros nº. 203-A/2019, de 30 de dezembro, para a instalação de complexos recifais”.

Sendo um projeto-piloto previsto no PSOEM, é apoiado por um conjunto de parceiros, entre os quais, o estado português (através do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e, da Direção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos) e tem como orientação e cito: “a regeneração e revitalização dos ecossistemas marinhos do Oceano”. O período de Utilização Privativa do Espaço Marítimo Nacional será de 5 anos, estando calendarizado e baseado na efectivação de um conjunto de tarefas, das quais destaco apenas: o “desenvolvimento de modelo de negócio para turismo científico náutico e mergulho na área da Comporta” e, o “desenvolvimento de modelo de negócio para pesca sustentável na área da Comporta”.

Para concretizar essas tarefas, o projeto-piloto contará com um investimento de cerca de dois milhões de euros e “consistirá no planeamento, desenvolvimento, implementação e monitorização do complexo recifal inteligente da Comporta, tendo como objetivo produzir conhecimento acerca das condições de melhoramento da biodiversidade costeira e, consequentemente, das condições de desenvolvimento sustentável na zona costeira onde é implantado”. 

Destaco um dos parágrafos constantes nos documentos que foram disponibilizados para consulta pública: “Um foco específico será dado à comunidade local no âmbito da pesca sustentável, do turismo náutico e da educação marinha, assegurando que a comunidade se sente consciente e responsável pelo bem-estar do ecossistema marinho e de todos os benefícios económicos, sociais e ambientais associados ao mesmo.” 

Diz o documento “Resumo do Projecto” que esta implementação de recife artificial “pretende melhorar a competitividade e internacionalização das empresas portuguesas envolvidas, bem como a criação de valor e crescimento sustentável na Economia Azul Portuguesa, através do desenvolvimento, comercialização e aplicação de produtos, tecnologias e processos inovadores que estão na base de futuros modelos de negocio para as PME envolvidas, os processos de decisão para a governação e o acesso e participação dos cidadãos, envolvendo os seguintes sectores” (entre outros): “Pesca sustentável” e “Turismo cientifico náutico, incluindo mergulho.”

Define desde logo “5 eixos de desenvolvimento integrados” dos quais destaco apenas:

  • EIXO 1 - Governação, gestão baseada nos ecossistemas e cidadania ativa (prevendo desde logo uma “acção multidisciplinar a desenvolver nos concelhos de Grândola e Setúbal”).
  • EIXO 4 - Contributo para a pesca sustentável (salvaguardando “os valores naturais atuais, promovendo pescarias sustentáveis que se adaptem ao ritmo reprodutivo das espécies”)
  • EIXO 5 - Contributo para a atividade do turismo náutico científico, incluindo o Mergulho (referindo que esta “é uma atividade emergente da economia azul, (…) em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)” propondo uma “rede de parcerias entre iniciativas locais de turismo, instituições de investigação e operações de monitorização”.

Relativamente aos trabalhos previstos e a efectuar, a consolidação do recife artificial estará dividida em três fases: Preparação, Instalação e Demonstração. Na fase de Preparação, surge como primeiro ponto a “caracterização da atividade de pesca artesanal na área” (onde estarão incluídas as actividades dos pescadores, armadores e produtores de Sesimbra que operam naquela zona). Na fase de Demonstração, está prevista a realização de “estudos adicionais que abordam os modelos de negócio apropriados”, nomeadamente em relação “ao turismo náutico científico e ao mergulho e às atividades económicas de pesca sustentável.”

E eu que não percebo nada de nada de recifes artificiais, dei por mim a pensar que eventualmente, ninguém estará contra a salvaguarda dos “valores naturais atuais, promovendo pescarias sustentáveis que se adaptem ao ritmo reprodutivo das espécies.” Sendo que estas medidas de salvaguarda serão definidas desde logo, em conjunto com os principais envolvidos: a comunidade piscatória (e também, com os municípios de Setúbal e Grândola). Ninguém eventualmente estará contra a atividade do turismo náutico científico, incluindo o Mergulho, estando desde logo prevista uma “rede de parcerias entre iniciativas locais de turismo, instituições de investigação e operações de monitorização”.

E como ninguém ouviu o que foi dito e não dito pelos sete membros do executivo municipal, pelo menos a mim, assaltam-me muitas perguntas. Por exemplo:

Primeira pergunta:

  • Ao deliberarem unanimemente pela não atribuição deste TUPEM para instalar um recife artificial ao largo da Comporta, terá o executivo municipal apresentado alguma proposta ou condição que visasse a salvaguarda da actividade da comunidade piscatória sesimbrense?

Segunda pergunta:

  • Terá o executivo municipal exigido que (e uma vez que aquela área é uma das zonas de pesca dos barcos sesimbrenses) e à semelhança de Setúbal e Grândola, o município de Sesimbra integrasse desde logo as acções a desenvolver no EIXO 1 – Governação, gestão baseada nos ecossistemas e cidadania activa?

Ninguém saberá. E a notícia da Câmara também não o diz. Nem tão pouco as partilhas nas redes sociais pessoais, sobre tão importante deliberação tomada à porta fechada. 

Permitam-me no entanto direcionar algumas questões. Por exemplo:

  • Sesimbra é a única Estação Náutica existente na Península de Setúbal. Em que medida esta concretização de um recife artificial ao largo da Comporta, implicará naquela que é (deve ser; existe?) a estratégia de promoção e divulgação e implementação da Estação Náutica? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro do Turismo, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Naquela que é a estratégia de desenvolvimento que terá sido delineada durante mais de 15 anos, dando origem àquele que será “um documento estratégico de excelência” (refiro-me obviamente à Revisão do PDM de Sesimbra, e que está a hibernar pelo menos até Janeiro de 2023), quais são as medidas, acções, programas, intenções, estratégias definidas para a pesca, o turismo e a economia azul? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro do Urbanismo e Planeamento do Território, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Se, conforme noticiou a Autarquia, a consolidação de um recife artificial pode vir a prejudicar a actividade piscatória de Sesimbra, quais são as medidas de monitorização e de mitigação dos efeitos que (ao que parece) se avizinham e, qual a capacidade de resiliência aos impactos esperados? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro das Pescas e Ruralidade, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Ao consolidar-se este recife artificial, tendo em vista também, o surgimento de um novo destino de mergulho no concelho de Grândola, quais são as medidas, estratégias, parcerias definidas para aquele que será o impacto deste “turismo náutico científico” naquelas que são as actividades de turismo náutico existentes no Concelho de Sesimbra? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro das Actividades Económicas, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Se, conforme noticiou a Autarquia, a consolidação de um recife artificial pode vir a prejudicar a actividade piscatória de Sesimbra, e até, pôr em causa a sua sobrevivência, quais são as medidas de apoio pensadas e propostas para combater os impactos esperados? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro das Finanças, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Sendo o recife artificial uma nova realidade, com consequências directas naquela que é a oferta turística de Sesimbra, que medidas, estratégias irão ser definidas tendo em vista a divulgação e promoção do território municipal e zonas circundantes, nomeadamente através dos meios digitais existentes? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro da Informática, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Sabendo-se o valor inerente à economia azul e ao conhecimento do oceano e dos seus valores, quais são as iniciativas a dinamizar e implementar junto da comunidade escolar, nomeadamente sobre a área do turismo científico? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro da Educação, face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?
  • Sendo o recife artificial uma nova realidade que mudará por completo a oferta ao nível de turismo náutico existente na Península de Setúbal, que medidas, estratégias irão ser definidas tendo em vista a divulgação e promoção do território municipal e zonas circundantes, nomeadamente através de publicidade e merchandising? Melhor perguntando: Qual é a estratégia definida pelo Pelouro da Comunicação e Relações Públicas face a esta nova realidade e futuros impactos no concelho de Sesimbra?

Qual é a estratégia municipal que visa de facto, apoiar, promover e desenvolver a pesca artesanal em Sesimbra, coadunando-a com aquelas que são as novas tendências, encontrando soluções de crescimento alternativas, que se adaptem às circunstâncias vizinhas e que se potenciem, elas mesmas, com projetos-piloto diferenciados e competitivos?

Talvez todas estas questões tenham sido abordadas e esclarecidas na deliberação unânime contra aquela que será, digo eu, uma realidade a curto prazo: a implementação de um recife artificial ao largo da Comporta.

Da deliberação tomada, o executivo municipal decidiu dar conhecimento a várias entidades, entre as quais as Câmaras de Setúbal e Sines, deixando de fora a Câmara de Grândola que é a maior interessada neste projecto. Curioso.

Importa dizer que, está a decorrer uma outra consulta pública, para implementar um recife artificial, ao largo de Cascais, até ao próximo dia 6 de Setembro. Cascais é também uma Estação Náutica. Cascais e Sesimbra são as únicas estações náuticas da Área Metropolitana de Lisboa. Talvez fosse bom, não sei, promover uma qualquer iniciativa entre estas duas estações náuticas, para que Sesimbra possa receber alguma informação importante sobre o interesse que terá para a estação náutica de Cascais um recife artificial. Fica a ideia. E a pergunta:

  • Irá o executivo municipal produzir nova deliberação unânime contra a implementação de mais um recife artificial, desta vez em Cascais? 
  • Ou irá o executivo municipal, baseado numa qualquer estratégia (ou falta dela) promover uma qualquer iniciativa que vise quiçá, promover também, nas águas sesimbrenses, a implementação de um recife artificial? 
Não sabemos.

Há décadas que se ouve a ideia de afundar um navio em águas sesimbrenses: nada mais, nada menos do que criar um recife artificial mas mais oneroso, mais poluente e mais complicado! 



FONTE DA IMAGEM: cm-nazare.pt

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