OUTRA VEZ OS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS NO MECO

Depois de todas as viabilidades camarárias aprovadas por unanimidade nos últimos quatro anos, depois de tudo o que já foi dito e escrito, depois da petição e das várias reportagens jornalísticas, eis que o tema relativo aos empreendimentos turísticos na Aldeia do Meco surge no artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares (constante na última edição do jornal Expresso e cuja fotografia ilustra este post).

Transcrevo apenas um pequeno trecho: “(…) basta conhecer a estradinha, sinuosa e perigosa, que conduz ao Meco e a pacatez da aldeia e a beleza das praias e da zona envolvente para adivinhar que nada ficará como dantes. É mais um pedaço da costa e da paisagem portuguesa que desaparecerá sob a ganância do turismo de massas (…)”.

Fantástico. Miguel Sousa Tavares refere no mesmo artigo que, há 20 anos, a revista que dirigia, (e cito) “conseguiu, através de uma série de reportagens, evitar um projecto de urbanização para a Aldeia do Meco, em Sesimbra, em que a cobiça urbanística andava aliada a gritantes sinais de corrupção autárquica”. Mas agora, 20 anos depois, os terrenos em (e cito) “Rede Natura 2000 e numa zona milagrosamente preservada propõem-se reeditar o pesadelo”.

Ora o pesadelo de há 20 anos, foi transferido para a Mata de Sesimbra, garantindo a preservação da paisagem e dos valores ambientais presentes no Meco mas, transportando os direitos de construção atribuídos (ao privado) para a Mata de Sesimbra. Estávamos em 2008 quando porventura Sesimbra assistiu ao último grande combate político na Assembleia Municipal. Muita tinta correu sobre esta carga de construção sobre a Mata de Sesimbra. Muitos argumentos foram proferidos contra a transferência dos direitos de construção do Meco para a Mata de Sesimbra. Muitas vozes se levantaram contra a aprovação daqueles que são os Planos de Pormenor da Mata Sul e Norte. 

Ficámos a saber na campanha eleitoral, pelas declarações do Presidente reeleito, que os Planos de Pormenor da Mata de Sesimbra estão a ser revistos em baixa. Ora aqui está uma “novidade” anunciada em plena campanha como uma “surpresa!” e que, carece de pelo menos, uma pergunta: onde está a deliberação de Câmara (que aprovou iniciar o procedimento relativo à Revisão dos Planos de Pormenor da Mata de Sesimbra) e a consequente publicação em Diário da República divulgada através da comunicação social, estabelecendo os respectivos prazos de elaboração? É que a Revisão de um Plano Municipal de Ordenamento do Território não é feita à porta fechada, dentro de um qualquer gabinete e, em segredo. 

Mais, estando a decorrer (há mais de 14 anos) a Revisão do PDM, importa antes de tudo saber, quais são as regras definidas pelo mesmo para os espaços agrícolas e florestais (nomeadamente quanto à possibilidade construtiva e número de fogos/alojamentos/camas possíveis de realizar), sabendo-se que a afectação de áreas agrícolas e florestais (e cito o regime jurídico que estabelece as bases da política de ordenamento do território) “a utilizações diversas da exploração agrícola, florestal ou pecuária tem carácter excepcional, sendo admitida apenas quando tal for comprovadamente necessário.” Quais serão os argumentos que sustentarão a possibilidade de construção, com carácter excepcional, em áreas agrícolas e florestais e como tal, “comprovadamente” necessárias? Serão os direitos adquiridos?, nomeadamente os que transitaram do Meco, há 20 anos?

Entretanto, continua a decorrer a análise de dois projectos de empreendimentos turísticos localizados no Meco (ETOSOTO e IDILUZ), por parte da CCDR-LVT em resultado da consulta pública efectuada relativamente aos Estudos de Impacto Ambiental. Relembro que, num dos projectos - IDILUZ (e conforme referi na minha participação), a CCDR-LVT colocou 67 questões sobre o mesmo, nomeadamente sobre a necessidade de demonstrar que, e cito “o projeto (in)cumpre todas as disposições regulamentares aplicáveis do Reg. do PDM de Sesimbra em vigor às categorias de solo envolvidas e aos vários condicionamentos/especificidades regulados.

A verdade é que, no caso da IDILUZ, a Câmara Municipal viabilizou por unanimidade, a possibilidade construtiva do mesmo. Por unanimidade, a Câmara Municipal atribui direitos de construção a um promotor privado. Direitos esses que vinculam as entidades competentes que proferiram a decisão de viabilidade. No caso, a Câmara Municipal de Sesimbra. Mais, essa viabilidade construtiva é válida durante um ano, prorrogável por mais um ano, mais um ano, mais um ano,… desde que o Presidente da Câmara declare que se mantêm os mesmos pressupostos. 

Ora os pressupostos aprovados por unanimidade, serão os mesmos até à publicação da Revisão do PDM. E sobre esta matéria, o regime jurídico da urbanização e edificação esclarece que, as viabilidades aprovadas se manterão, mesmo que a operação viabilizada, venha a ser abrangida por novas regras urbanísticas constantes, nomeadamente, na Revisão do PDM!

Fantástico. Absolutamente fantástico. Conforme referi AQUI, a mim, e é apenas a minha opinião, parece-me que estas viabilidades camarárias unânimes, serviram apenas para vincular uma possibilidade construtiva a um promotor privado, atribuindo-lhe um elevado índice de construção e um elevado número de alojamentos/camas. Nada mais.

Qual será a apreciação final da CCDR-LVT sobre estes dois empreendimentos e, em especial, sobre o IDILUZ? Qual irá ser a reacção da Comissão Europeia perante as queixas que recebeu? E mais importante: qual irá ser a posição sobre estas matérias do novo executivo municipal eleito (apenas três dos eleitos transitaram do anterior mandato)? 

Estaremos à beira de “direitos adquiridos” que terão de ser transferidos para outra zona do território concelhio? Dado que estão em causa valores naturais classificados como REN, RAN, REDE NATURA 2000, marginais ao Parque Natural da Arrábida, abrangidos por um plano especial de ordenamento (POC Alcobaça-Espichel) e inseridos em sítios classificados que integram a rede europeia de protecção ambiental? Irá o cenário de há 20 anos repetir-se?

(Apenas uma nota: a menos que sejam revogadas as deliberações tomadas unanimemente. Nomeadamente se o parecer final da CCDR-LVT vier a mostrar-se, como direi… categórico. Mas essa já é matéria que daria pano para mangas!)

Volto a referir que todos os empreendimentos turísticos estão sujeitos a consulta pública dado que os mesmos não resultam de loteamentos ou planos de pormenor. Os únicos empreendimentos turísticos que não estão sujeitos a consulta pública serão os que vierem a ser consolidados na Mata de Sesimbra (porque resultam de planos de pormenor que já foram sujeitos a consulta pública, obrigatória nos termos da lei). 

Partilho um vídeo sobre o ETOSOTO (LINK) onde o empreendimento surge como a salvação para a preservação dos valores ambientais existentes. Aliás, nas reportagens televisivas sobre o recente desfile contra os empreendimentos no MECO, o promotor do ETOSOTO esteve presente, referindo que é contra os empreendimentos turísticos (excepto, como é óbvio, o seu). Há coisas absolutamente fantásticas.

E por fim, conforme referi AQUI, o projecto IDILUZ prevê a constituição (entre outros) de 33 lotes destinados a moradias, em zonas classificadas como de risco de incêndio elevado e muito elevado. Transcrevo duas frases de Luísa Shmidt quando se refere à construção em lugares que hoje, se recomenda, não tenham qualquer tipo de ocupação permanente: “Todos iremos pagar os custos destes erros. Depois dos brutais temporais de 2014 ou das tragédias como as de 2017, ninguém no país pode alegar não ter aprendido as cruéis lições que o mar e o fogo nos deram nesses anos. E hoje, com o impacto das alterações climáticas bem patentes nos tremendos eventos extremos e mortíferos na Europa, Austrália, China, Canadá e EUA, ninguém pode fingir que não sabe.

Ninguém pode fingir que não sabe.” Muito menos aqueles que elegemos livre e democraticamente, e que são os responsáveis pela gestão do território de Sesimbra nomeadamente, na defesa e preservação dos valores naturais e ambientais existentes e no garante da segurança de pessoas e bens. Não devem por isso, (e utilizando o argumento constante na proposta de POC-EO, cuja consulta pública viu o prazo alargado até ao próximo dia 2 de Novembro) fomentar e agravar as situações de risco existentes, viabilizando construções e/ou ocupações sobre áreas que já estão hoje, e no caso do IDILUZ, classificadas como de risco de incêndio elevado e muito elevado.





Comentários

  1. Tudo isto é vergonhoso. Pura lavagem de dinheiro, ganância e falta de respeito pelas gerações futuras e pela continuidade do planeta. Ninguém é insubstituível mas faz-nos a saudosa Maria Antónia, antiga proprietária da Cabana do Pescador, nas Bicas, que nesse tempo e já passaram praticamente 30 anos, vestiu a camisola, levou o caso à recém criada SIC e pôs a boca no trombone! Obrigou a Câmara a andar para trás. Nunca tive dúvidas que um dia tudo voltaria, sinto uma grande tristeza e impotência. Relembro daqui as palavras duma cegada popular que saiu à rua nessa época e resume tudo - “vêm de longe, de muito longe
    Com projetos pra enriquecer
    Vão lá pra longe, para bem longe
    Não os queremos cá nem ver
    Façam o favor de desaparecer!”
    Obrigada Sandra por de forma assertiva, inteligente e conhecimento técnico também pores a “boca no trombone”!

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