OUTRA VEZ O PLANO DE MOBILIDADE ELÉCTRICA DA ARRÁBIDA

Perdoem-me voltar ao mesmo tema pelo que peço desde já alguma paciência, dada a extensão deste segundo post. O Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida tem um horizonte temporal de 9 anos (Março.2021 a 2030) apresentando três fases de implementação: 2022, 2025 e 2030. Transcrevo um dos parágrafos da página 8 do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida: 

Importa esclarecer que este plano é uma estratégia que indica caminhos a seguir para o desenvolvimento sustentado da mobilidade elétrica na região. A definição/orçamentação/planeamento de execução das ações que o concretizam deverão ser desenvolvidos à posteriori em estudos setoriais específicos a realizar.

São apontadas uma série de propostas que visam atingir os objectivos traçados pelo Plano sendo que, e em primeiro lugar, haverá que proceder à (e cito, página 25) “elaboração e adoção em cada município de um Regulamento Municipal de Pontos de Carregamento de Veículos Elétricos”. 

De seguida (página 35), o Concelho de Sesimbra deverá prever a “isenção de pagamento dos VEs (Veículos Eléctricos) no regulamento de estacionamento.” 

Refere que (página 37) será necessária a elaboração de um Plano de Comunicação para a população em geral (cidadãos, comunidade escolar, influencers) e, a criação de uma plataforma on-line com a localização geográfica dos postos existentes, que permita a recolha de dados de localização e identificação de pontos de carregamento e que, disponibilize entrevistas com os utilizadores (página 40).

Na página 50, é salientado que os postos de carregamento propostos são e cito: “estimativas orientadoras que concernem às previsões de médio (2022) e longo prazo (2025) e assumem que todos os postos de carregamento normais-semi-rápidos terão pelo menos 22 kW a partir de 2022.

Alerta que a “estimativa por freguesia para o médio e longo prazo deve ser alvo de uma avaliação mais próxima das datas de investimento.” E aconselha “a criação de uma plataforma web para os utilizadores “votarem” nas suas necessidades de localização dos postos de carregamento.” Ou seja, apela à “opinião do cidadão comum” que “vale o que vale” (palavras proferidas na Assembleia Municipal). E neste caso será essa opinião do cidadão comum a valer como factor determinante para a implementação ou não, de postos de carregamento em determinado local.

Atente-se agora nos “Modelos de exploração” (página 53 e seguintes) dos postos de carregamento. Numa primeira fase (que corresponderá aos anos que medeiam entre 2021 e 2025, digo eu), as Câmaras Municipais deverão “concessionar postos de carregamento prontos a operar, isto é, em que o investimento na infraestrutura tecnológica já foi realizado com fundos públicos.” Depois, numa fase mais avançada (entre 2025 e 2030, digo eu), “as concessões serão lançadas em concursos ainda sem a infraestrutura de carregamento construída, ficando este investimento a cargo dos OPCs” (operador dos pontos de carregamento). 

Refere a importância da existência de “disponibilidade de potência eléctrica”, alertando para a necessidade de elaboração de (e cito) “Estudo Setorial posterior ao plano terá de ser articulado com o operador da rede de distribuição: E-REDES”, tendo em vista “o conhecimento detalhado da potência disponível em cada zona da rede elétrica” e se a mesma comporta a potência necessária para o bom funcionamento dos postos de carregamento.

Na página 69, surge uma tabela que enumera temporalmente, as prioridades de acções a realizar tendo em vista a progressiva implementação do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida, sendo que a primeira acção a realizar até 2022 é (e cito): 

  • Regulamento Municipal de Postos de Carregamento de Veículos Eléctricos” que defina as regras que devem ser respeitadas, as taxas aplicáveis, o prazo das licenças, entre outros. 
Paralelamente, e também até 2022, seguem-se:

  • Definição de políticas de estacionamento, nomeadamente sobre veículos eléctricos;
  • Elaboração de Plano de Comunicação
  • Implementação de Plataforma on-line de Promoção de Mobilidade Eléctrica.

São estes os quatro primeiros passos que os municípios da Arrábida (onde se inclui Sesimbra) devem dar antes da implementação de novos postos de carregamento. Aliás, a implementação de postos de carregamento dependerá da rapidez de execução e implementação, por parte de cada Município, do seu “Regulamento Municipal de Postos de Carregamento de Veículos Eléctricos” em consonância com o planeamento e definição detalhada dos locais de implementação de novos postos de carregamento.

Depois destas quatro etapas implementadas, e depois de ultrapassada a fase inicial em que compete à Câmara Municipal “concessionar postos de carregamento prontos a operar”, a Câmara Municipal poderá vir a concessionar espaço público para a instalação de postos de carregamento, de acordo com o definido pelo Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida. Transcrevo:

O processo inicia-se com um procedimento concursal (com ou sem contrapartidas financeiras por parte dos concessionários), com acesso aberto a todas as partes interessadas na instalação ou na exploração de infraestruturas de carregamento devidamente localizadas. O concurso permite selecionar os operadores de mobilidade elétrica por cada localização identificada (em espaço público). Os OPC (operadores de pontos de carregamento) concretizam então os investimentos na instalação de pontos de carregamento nos locais previstos, e deverão operá-los por um período fixo e de longo prazo. As Câmaras Municipais emitem licenças de ocupação e utilização do domínio municipal com postos de carregamento de baterias de veículos elétricos, cuja emissão está sujeita ao pagamento de taxas de emissão do título e da sua manutenção anual.”

E como é que as Câmaras Municipais emitem licenças e definem a respectiva taxa? Através do que vier a ser definido no imprescindível e urgente “Regulamento Municipal de Postos de Carregamento de Veículos Eléctricos” (porque o Regulamento e Tabela de Taxas Municipais em vigor, não contempla a instalação de postos de carregamento; contempla apenas a ocupação de domínio público municipal, sendo omisso relativamente à ocupação do solo do subsolo e, da necessária instalação abastecedora de electricidade).

Perdoem-me o enquadramento mas, pasme-se com um dos pontos da Ordem de Trabalhos da última reunião de Câmara (4 de Agosto):

“Instalação e exploração de ponto de carregamento rápidos de baterias de veículos elétricos – pedido de atribuição de licença de utilização privativa do domínio público – ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida – envio à Assembleia Municipal

E a proposta que foi sujeita a deliberação (por unanimidade claro está) propõe atribuir à ENA (Agência de Energia e Ambiente da Arrábida) uma “licença de utilização privativa do domínio público para instalação e operação de pontos de carregamento rápidos de baterias de veículos elétricos”, no estacionamento do Parque Augusto Pólvora (e havia tanto a dizer sobre este tema), por um prazo de 12 anos (porquê 12 e não 10 ou 15 ou outro qualquer?), mediante o pagamento das respectivas taxas (quais taxas?), sendo da responsabilidade da ENA “todos e quaisquer trabalhos a realizar decorrentes das atividades de instalação do posto de carregamento.” 

O que dizer sobre o facto do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida referir que, antes do que quer que seja, haverá que regulamentar, definir, pormenorizar (remeto para o post PLANO DE MOBILIDADE ELÉCTRICA - SESIMBRA)? E sobre aquela parte que refere: “o processo inicia-se com um procedimento concursal”?

Atente-se na explicação/pergunta que foi colocada na reunião de Câmara do passado dia 4 de Agosto sobre esta matéria:

A concessão é por 12 anos, pagarão as taxas à Câmara como é óbvio, nem passa pela cabeça que não assim seja. E a questão que se prende é que agora vão colocar um carrega… um posto de carregamento no Parque Augusto Pólvora, mas se a perspectiva é a de que de facto a ENA possa ter, um tipo, devia, isto é, incrementar ou aumentar este ou lançar-se nesta, nesta não vou dizer epopeia, não é uma epopeia, mas lançar-se nesta lógica de… porque isto não é o objecto social da da da da instituição mas pronto tudo bem, não é esta a atribuição das funções da ENA, mas se existe a perspectiva de facto de avançar, continuar a avançar nesta questão da infra-estruturação dos Concelhos, com a criação de outros postos de abastecimento rápido a… noutras áreas do Concelho.”

E a resposta: “Não tá previsto que seja a ENA a tramitar nenhum outro processo de reforço e instalação de postos de carregamento de veículos eléctricos no Concelho. Aliás a ENA fez agora aquele trabalho do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida que é um trabalho, é um documento de trabalho não é, para o Município de Sesimbra.”

Relembro que todos ficámos a saber através das palavras proferidas em Assembleia Municipal que “a opinião do cidadão comum, vale o que vale” e que os “nós que somos, que estamos em maioria” terão com toda a certeza argumentos políticos para não seguir a metodologia apontada pelo Plano de Mobilidade da Arrábida no qual participaram (a Câmara Municipal de Sesimbra faz parte da equipa técnica que elaborou o Plano – página 2). Aparentemente e nesta matéria, a deliberação tomada é exclusivamente política. Ou seja, neste caso concreto, o documento técnico fundamentado é só um estudo de somenos importância; é apenas e só “um documento de trabalho não é, para o Município de Sesimbra”. 

Continuando nas explicações transmitidas na reunião de Câmara, atente-se na afirmação sobre as localizações dos postos de carregamento: “Os locais estão identificados e estão identificados até num trabalho muito rigoroso feito com a E-Redes.” A sério? Atente-se no “trabalho rigoroso” que sustentou a definição dos locais para a instalação de postos de carregamento no Concelho de Sesimbra, dos quais destaco apenas os 9 postos rápidos previstos (a que corresponderão 18 pontos de carregamento) e que deverão estar operacionais até 2030 (páginas 51 e 52 do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida): 

  1. Santana / Sesimbra- Próximo de uma Estrada Principal
  2. N378 – Sesimbra - Próximo de uma Estrada Principal
  3. Parque Augusto Pólvora – Isolado - Próximo de uma Estrada Principal
  4. N378 – Sesimbra - Próximo de uma Estrada Principal
  5. Novo Centro de Saúde de Sesimbra - Próximo do Centro de Sesimbra
  6. Marginal Nascente – Isolado - Próximo do Centro de Sesimbra
  7. Marginal Poente – Isolado - Centro de Sesimbra
  8. Rotunda Quinta do Conde - Próximo da auto-estrada A2
  9. Rotunda Quinta do Conde - Próximo da auto-estrada A2
  10. Rotunda Quinta do Conde - Próximo da auto-estrada A2
  11. Alfarim - Próximo Bombas BP
  12. Alfarim - Próximo Bombas BP
  13. Alfarim - Próximo Bombas BP
  14. Aldeia do Meco - Próximo Parque Campismo
  15. Aldeia do Meco - Próximo Parque Campismo
  16. Aldeia do Meco - Próximo Parque Campismo

Os locais estão identificados e estão identificados até num trabalho muito rigoroso feito com a E-Redes.” Um “trabalho rigoroso” que prevê a implementação de 9 postos rápidos (a que corresponderão 18 pontos de carregamento) mas, quando os enumera na tabela constante nas páginas 109 e 110, apresenta 16 postos de carregamento rápido. 

E a identificação dos locais não levanta qualquer tipo de dúvida. Perdoem-me a insistência mas, todos conseguirão adivinhar rigorosamente, onde se localizarão os postos rápidos de carregamento propostos? Exceptuando a localização no Parque Augusto Pólvora e no Novo Centro de Saúde de Sesimbra, é claro como a água onde irão estar localizados os restantes: algures na EN 378, próximo das bombas da BP de Alfarim, perto do Parque de Campismo no Meco (qual?), na rotunda da Quinta do Conde mas perto da A2 e algures entre Santana e Sesimbra. Porque este foi um “trabalho rigoroso” mas que é apenas “um documento de trabalho não é, para o Município de Sesimbra” e que, sustenta a deliberação tomada por unanimidade. Fantástico.

Volto a transcrever um dos parágrafos da página 8: “Importa esclarecer que este plano é uma estratégia que indica caminhos a seguir para o desenvolvimento sustentado da mobilidade elétrica na região. A definição/orçamentação/planeamento de execução das ações que o concretizam deverão ser desenvolvidos à posteriori em estudos setoriais específicos a realizar.”

Onde está a definição, a orçamentação, o planeamento, que permita a execução das acções propostas pelo Plano? Onde estão os estudos sectoriais? Onde está o Regulamento Municipal de Pontos de Carregamento de Veículos Eléctricos que defina, entre outros, os prazos de concessão e os valores das taxas a liquidar? Onde está o Plano de Comunicação? Quais são as políticas de estacionamento definidas, nomeadamente sobre veículos eléctricos e a possível isenção de pagamento? Onde está a Plataforma on-line de Promoção de Mobilidade Eléctrica?

Atente-se na recomendação do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida (página 59):

Privilegiar um modelo de desenvolvimento da rede de postos de carregamento estratégico e regido pela procura (e não pelo desejo), no sentido de melhorar a viabilidade comercial e permitir ao setor privado encarregar-se da distribuição. O nível estratégico deve garantir uma cobertura geográfica consistente e equitativa, enquanto que, a resposta à procura levará à satisfação das necessidades reais dos utilizadores. A identificação das necessidades da procura pode ser realizada através da informação recolhida na App e/ou Web - Plataforma para a mobilidade elétrica da Arrábida.” 

No caso de Sesimbra, e neste inexistente “modelo de desenvolvimento da rede de postos de carregamento estratégico”, será o “desejo” ou a “procura” que sustentará esta decisão política? Até porque se trata de (palavras da mesma reunião de Câmara) “uma intervenção que gera ali alguma mais-valia para quem irá ganhar o concurso.” Qual concurso? O que vier a ser dinamizado pela ENA que (e transcrevo parte da alínea e) da proposta objecto de deliberação camarária) “lançará um concurso público para atribuir a concessão da utilização privativa do domínio público para instalação e exploração” do posto de carregamento rápido previsto, de acordo com as regras e contrapartidas que vier a definir (digo eu), pagando à Câmara uma taxa (cujo valor se desconhece) relativa a uma licença de “utilização privativa do domínio público” durante um período de 12 anos. Simples. E cabe agora à Assembleia Municipal autorizar e cito: “a celebração do contrato de concessão nas condições gerais supra descritas.” Nem sei que diga. 

Numa matéria como esta, que alterará para sempre os nossos hábitos, a nossa vida, o nosso planeta, decorrentes das visíveis alterações climáticas e das medidas imprescindíveis de mitigação das mesmas, urge planear, regrar, definir e cumprir esse planeamento, essas regras, essas definições. De forma clara e participativa. Para que a alteração nos modos de viver seja de facto, uma realidade. Para que o “cidadão comum” cuja opinião “vale o que vale” garanta a sustentabilidade e o funcionamento de uma rede de postos de carregamento para veículos eléctricos, adequado às reais necessidades, respondendo à efectiva procura e não apenas ao “desejo” fugaz de constituir uma rede de postos de carregamento inconsistente e desarticulada. 

E caberá também à Câmara Municipal de Sesimbra dar o exemplo sobre esta matéria, nomeadamente pela renovação da frota automóvel (aliás, esta foi uma das promessas eleitorais: “projectar a substituição da frota municipal, por viaturas eléctricas ou híbridas”). E até existem apoios financeiros para esta renovação da frota automóvel, nomeadamente do Fundo Ambiental através do “Programa de Apoio à Mobilidade Elétrica na Administração Pública” cujas candidaturas (à terceira fase) decorrem até hoje, dia 9 de Agosto, prevendo o financiamento a 50% para a substituição de veículos com mais de 10 anos e para a aquisição de postos de carregamento. (LINK) Haverá alguma “novidade” sobre esta matéria, ou um qualquer anúncio “surpresa!”?

Termino com uma das últimas explicações prestadas em reunião de Câmara: “Isto é um projecto-piloto (…) este Plano de Mobilidade Eléctrica. (…) Isto é tudo novo.” E sendo um “projecto-piloto”, nada melhor do que guardar numa gaveta o resultado de um “trabalho rigoroso”. Porque “a ENA fez agora aquele trabalho do Plano de Mobilidade Eléctrica da Arrábida que é um trabalho, é um documento de trabalho não é, para o Município de Sesimbra.” E ao invés de seguir a metodologia sugerida, avança-se de imediato para a última fase de todo o processo: “a atribuição de licença de utilização privativa do domínio público”, à própria ENA, e depois logo se vê. Porque “isto é tudo novo.”

E a Assembleia Municipal irá deliberar, com base num “documento de trabalho” que não foi apresentado, discutido nem aprovado mas que serve, desde já, para atribuir uma “licença de utilização privativa do domínio público” por 12 anos, à ENA. Valha-nos Deus.

É de facto “um projecto-piloto (…) este Plano de Mobilidade Eléctrica.” Até na forma como a Câmara o pretende implementar.

FONTE DA IMAGEM: smartplanet.pt


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