A MINHA PARTICIPAÇÃO NA CONSULTA PÚBLICA sobre o "ECO-HOTEL ETOSOTO" - CABO ESPICHEL
Partilho publicamente aqueles que foram os meus considerandos sobre o “Eco-Hotel ETOSOTO” cuja consulta pública decorre até amanhã, dia 2 de Julho.
Não tenho nada, rigorosamente nada contra o projecto. Até porque acredito que o mesmo terá sido analisado em conformidade com os planos de ordenamento do território em vigor, nomeadamente o PDM de Sesimbra, sendo que as entidades envolvidas na análise do mesmo têm técnicos habilitados e competentes nas mais diferentes áreas (e que integram esta proposta de “Eco-Hotel”).
No entanto, não posso deixar de referir o facto de o PDM estar em revisão há 14 anos sendo que serão previsíveis alterações, nomeadamente nos parâmetros aplicáveis aos “espaços turísticos” e aos “espaços agrícolas e florestais.” E quem melhor do que a Câmara Municipal para garantir o cumprimento do definido pelo PDM e também daquilo que será a estratégia de futuro para o Concelho? Teremos simplesmente de acreditar e confiar nos políticos eleitos e que elegemos livre e democraticamente.
Contudo, importa lembrar que este empreendimento propõe a constituição de 58 unidades de alojamento a que corresponderão 116 camas. Esta ocupação ocorrerá a norte da propriedade, sendo que o acesso principal ao empreendimento será através da Estrada das Aguncheiras e não, através da estrada que segue para o Cabo Espichel. Aliás, da estrada do Cabo, o empreendimento nem será visível (excepto, talvez, as 11 unidades de alojamento e o apoio agrícola que serão implementados no acesso existente e perpendicular à estrada do Cabo).
Lembrar também que na reunião de Câmara de 26.Agosto.2020 (AQUI) foi aprovado (por unanimidade) e cito: “Viabilidade de operação de loteamento para construção de estabelecimento hoteleiro na modalidade de hotel apartamentos de 4 * – pedido de informação prévia – informação favorável – Aguncheiras”, correspondendo a “51 lotes destinados à edificação de um estabelecimento hoteleiro com 450 camas, distribuídas por 107 unidades de alojamento” (2 pisos). Não estará sujeito também, a EIA, DIA, RECAPE e consulta pública? Não sabemos. Aguardemos serenamente.
Voltando ao assunto: a Estrada das Aguncheiras irá ser o acesso privilegiado a 165 unidades de alojamento a que corresponderão 566 camas. Quais serão as intervenções a realizar nesta Estrada das Aguncheiras? E por quem? Estarão previstas? Que o problema não nos caia nos braços quando os empreendimentos turísticos, com os seus hóspedes, estiverem em pleno funcionamento e a reclamar pela falta de condições no acesso aos mesmos.
Volto a referir (conforme explanei AQUI) que todas as operações urbanísticas com “impacte relevante” estarão sujeitas a discussão pública nos termos da lei do país. Sendo que têm “impacte relevante toda e qualquer operação urbanística de edificação destinada a habitação, comércio, serviço ou indústria (…) concretizada em prédio que não tenha resultado de operação de loteamento ou plano de pormenor”, sendo que nesta disposição estão incluídos os “empreendimentos turísticos (hotéis, pousadas, hotéis-apartamentos ou outros).”
E claro que esta, é só a minha opinião. Criticável e até descartável. Quem tem conhecimento técnico e cientifico sobre estas matérias irá com toda a certeza cumprir as regras em vigor e assegurar a satisfação das mesmas. Mais uma vez, resta-nos confiar nos políticos que gerem o território concelhio e que elegemos livre e democraticamente. Conforme tenho referido, os políticos eleitos não são os donos da verdade e da razão. E num estado livre e democrático, é salutar a divergência de opiniões. É isso que faz a democracia crescer.
No entanto e passados que são 14 anos, a verdade é que são os políticos eleitos e em funções, os donos do “segredo” que é a revisão do PDM. E serão eles, os políticos eleitos e em funções, apenas eles, os únicos responsáveis por aquele que será o futuro do concelho de Sesimbra.
Partilho o teor da minha PARTICIPAÇÃO:
No âmbito da consulta pública promovida relativamente ao Projecto: RECAPE do Empreendimento Hoteleiro "Eco-Hotel ETOSOTO”, localizado no Concelho de Sesimbra, Freguesia do Castelo e depois de consultar o conjunto de elementos disponibilizados, considero que:
1. Apesar da entidade licenciadora integrar a Comissão de Avaliação, e uma vez que se encontra a decorrer (há 14 anos) a revisão do Plano Director Municipal de Sesimbra, seria importante, nomeadamente para a opinião pública sesimbrense, conhecer a posição da Câmara Municipal de Sesimbra sobre este empreendimento hoteleiro e em que medida o mesmo estará enquadrado naquela que será a estratégia de desenvolvimento (nomeadamente turística) apontada para o Concelho de Sesimbra e consequentemente, as implicações que a mesma poderá ou não, introduzir no contexto urbano e social do território concelhio (importa referir que o único documento público emitido pela Câmara Municipal de Sesimbra é relativo a um pedido de consulta para efeitos de IMI, sendo que na nota final desse documento refere que a informação prestada e cito: “não se insere no procedimento de informação prévia (…) nem é constitutiva de direitos.”)
2. A entrada principal do empreendimento (conforme é referido na Memória Descritiva) será através da Estrada das Aguncheiras que liga a Azoia à Aldeia do Meco, pelo que e no seguimento do que acima explanei, seria importante aferir do impacto que este empreendimento introduzirá naquela via existente (em terra batida, estreita e sinuosa), nomeadamente se estará prevista ou não algum tipo de intervenção camarária na mesma (pavimentação, iluminação pública, etc), assim como na estrada a montante que segue da Aldeia do Meco na direcção da Estrada das Aguncheiras (em betuminoso degradado, perigosa, estreita e de acesso a zonas residenciais de baixa densidade). Acresce que a Estrada das Aguncheiras não é confinante com a presente propriedade, sendo que entre esta e o empreendimento, o acesso será através de um arruamento secundário, débil, estreito e em terra batida, pelo que as mesmas dúvidas se levantarão relativamente a este troço de via – acesso ao empreendimento.
3. Em suma, e extravasando provavelmente o âmbito desta RECAPE, seria de superior importância a necessidade de considerar o impacto que este empreendimento virá a introduzir na vivência urbana, rural, de baixa densidade, assim como nos impactos que poderão advir sobre a população e infraestruturas deficitárias existentes (como são exemplo as vias de acesso ao presente empreendimento).
4. Neste seguimento, e atendendo ao conjunto de investimentos realizados pela Câmara Municipal de Sesimbra na recuperação do Aqueduto do Cabo Espichel (estrutura do século XVIII) que, conforme tem vindo a ser anunciado pela Autarquia, terá como objectivo repôr a circulação de água no mesmo, para que a Casa da Água no Cabo Espichel (recentemente recuperada) tenha um usufruto completo:
- A referência à existência do Aqueduto surge apenas por duas vezes no documento intitulado “RELATÓRIO DE CONFORMIDADE AMBIENTAL DO PROJETO DE EXECUÇÃO – RECAPE - FASE DE PROJETO DE EXECUÇÃO - VOLUME I – RELATÓRIO SÍNTESE - MAIO 2021”, referindo e cito:
- (página 165) - “Do lado norte da estrada, salienta-se a presença de um aqueduto que passa na propriedade, assim como a presença de uma mina de água.”
- (página 178) – “A cana é a única espécie com presença na área central da propriedade, sendo esta presença pontual e associada, muito provavelmente, a anteriores práticas agrícolas. Nesta zona apresenta dois pequenos núcleos, junto ao aqueduto e à casa atualmente em uso.”
- Em nenhum elemento disponibilizado é referida a importância desta estrutura do século XVIII sendo que é inexistente qualquer tipo de medida de salvaguarda sobre a mesma, nem tão pouco uma eventual cedência para domínio público ou a definição de uma serventia pública;
- Apenas numa planta que surge integrada no documento identificado como “PEÇAS DESENHADAS_RECAPE_ETOSOTO_MAIO2021” (página 10), surge identificado o troço de Aqueduto (e três câmaras de visita) que atravessam a propriedade no sentido nascente-poente;
- No mesmo documento, surge apenas numa planta (página 13) uma identificação relativa a “Património Edificado – Conjunto da Igreja da Nossa Senhora do Cabo Espichel, Casa dos Círios e Terreiro” (mancha azul) correspondendo à “zona non aedificandi” estabelecida pela Portaria de 6.Novembro.1963, fruto da classificação daquele conjunto como “Imóvel de Interesse Público” a 5.Janeiro.1950;
- Atendendo ao rito secular de peregrinação em honra da Nossa Senhora do Cabo Espichel, existem três cruzeiros, tendo o primeiro uma localização muito próxima da propriedade onde será desenvolvido o empreendimento, sendo rodeado pela “zona non aedificandi” estabelecida desde 1963;
- Em nenhum momento, é definida uma zona de protecção e de acompanhamento arqueológico, nomeadamente na envolvente destas estruturas e no caso do primeiro Cruzeiro, sabendo-se o que poderá ou não, existir no subsolo à volta do mesmo.
6. Relativamente ao definido (interiormente) pelo Empreendimento Hoteleiro "Eco-Hotel ETOSOTO”:
- A “Planta 05 – Zonamento” define uma faixa de protecção de 100m para a EM 569. Nos termos descritos no documento público emitido pela Câmara Municipal de Sesimbra relativo a um pedido de consulta para efeitos de IMI, é referido que a EM 569 terá, e cito: “uma faixa de protecção de 30m medida pelo eixo da via”. Na mesma “Planta 05 – Zonamento” surgem localizados: PT e “ponto de recolha de resíduos sólidos urbanos.” Considero que:
- Relativamente ao PT, o mesmo deveria cumprir a faixa de protecção de 30m medida pelo eixo da via; por outras palavras, deveria localizar-se fora da faixa de protecção, devidamente enquadrado e ‘disfarçado’ naquela que é a filosofia inerente ao que se propõe ser um “Eco-Hotel”;
- O mesmo relativamente ao “ponto de recolha de resíduos sólidos urbanos” para o qual (e apesar de referido na Memória Descritiva, não consta das peças desenhadas) seria de desenvolver uma estrutura própria, enquadrada, arejada e com um ponto de água (que permita a sua lavagem); seria até de considerar a relocalização do mesmo dado que o “Eco-Hotel” estará localizado a norte da propriedade, a cerca de 1km de distância do “ponto de recolha de resíduos sólidos urbanos”, o que implicará toda uma logística interna (ou externa ao empreendimento) de transporte de lixos não recicláveis e não reutilizáveis;
- Relativamente ao troço do Aqueduto do século XVIII que atravessa a propriedade no sentido nascente-poente (e conforme referi no ponto 4), o mesmo é subterrâneo sendo no entanto visível a cumeeira do mesmo (ou seja, a cumeeira que protege o canal de pedra que transportou a água até ao Cabo Espichel e que a Autarquia pretende repor, é visível e por isso, acima da cota do terreno natural); existem redes de infraestruturas que prevêem a ligação à rede pública através da EM 569, nomeadamente:
- Rede de abastecimento de água:
- A conduta seguirá paralelamente à EM 569, flectindo para norte num dos caminhos de acesso existentes, passando por aquela que é uma estrutura do século XVIII – Aqueduto; quer isto dizer que, sendo um troço de Aqueduto subterrâneo (com a cumeeira visível), a conduta de água irá sobrepor-se ao mesmo, com abertura de vala (“com pouca profundidade” conforme referido na Memória Descritiva desta especialidade); ou seja, neste troço, e a ser mantida esta ligação, será destruído parte daquele que é o Aqueduto do século XVIII;
- Rede de abastecimento de electricidade:
- Está prevista a instalação de um PT junto da EM 569; a conduta (saindo do PT) seguirá paralelamente à EM 569, flectindo para norte num dos caminhos de acesso existentes, passando por aquela que é uma estrutura do século XVIII – Aqueduto; quer isto dizer que, sendo um troço de Aqueduto subterrâneo (com a cumeeira visível), a conduta de electricidade irá sobrepor-se ao mesmo, com abertura de vala com "pelo menos 1m de profundidade" (conforme refere a Memória Descritiva); ou seja, neste troço, e a ser mantida esta ligação, será destruído parte daquele que é o Aqueduto do século XVIII;
- Rede de combate a incêndios:
- Está prevista a instalação de um depósito em betão armado (a cerca de 1 km da EM 569) que será abastecido pela rede pública de água, junto da EM 569; essa conduta de abastecimento ao depósito em betão armado seguirá paralelamente à EM 569, flectindo para norte num dos caminhos de acesso existentes, passando por aquela que é uma estrutura do século XVIII – Aqueduto; quer isto dizer que, sendo um troço de Aqueduto subterrâneo (com a cumeeira visível), a conduta de água para abastecimento do depósito em betão armado irá sobrepor-se ao mesmo, com abertura de vala (conforme refere a Memória Descritiva); ou seja, neste troço, e a ser mantida esta ligação, será destruído parte daquele que é o Aqueduto do século XVIII;
- Quer isto dizer que, o investimento público realizado (através de financiamentos europeus) tendo em vista a reposição do circuito de água que liga a Mãe de Água (Azoia) à Casa da Água (Cabo Espichel) será anulado porquanto a execução destas três redes de infraestruturas de abastecimento ao empreendimento hoteleiro, destruirão parte do Aqueduto que, não tendo qualquer protecção legal, é completamente esquecido, ignorado e desprezado; naquela que é a filosofia inerente ao que se propõe ser um “Eco-Hotel”, com preocupações ambientais e paisagísticas é no mínimo estranho, desconsiderar uma estrutura secular, que marca a paisagem durante cerca de 2Km (paralelamente à EM 569) e que, por si só, se constitui como um activo atractivo do próprio empreendimento; o que seria de esperar num empreendimento desta dimensão com um conjunto de preocupações ambientais e também patrimoniais (o projecto integra um conjunto de preocupações, restrições e protecções relativamente a “ocorrências arqueológicas”) fosse a preservação e manutenção do troço de Aqueduto que atravessa a propriedade e não, a destruição parcial do mesmo.
- Relativamente às zonas técnicas (PT, “ponto de recolha de resíduos sólidos urbanos”, murete técnico com contador de água, electricidade, caixa de correio,…) considero que o mesmo deveria ser único ao invés de se encontrar disperso ao longo da EM 569; ou seja, numa solução integrada no conceito de “Eco-Hotel”, que passasse quase despercebida ao visitante, hóspede ou simples transeunte;
- Nenhum elemento disponibilizado nesta RECAPE refere as necessárias redes de telecomunicações (internet, telefone, tv) pelo que na ausência das mesmas, remeto para os considerandos que acima explanei.
7. Relativamente à rega das parcelas agrícolas, é referido (Memória Descritiva sobre o tratamento de águas residuais e a gestão das águas residuais tratadas) que a mesma será efectuada através de águas residuais tratadas (ETAR), no entanto não são definidos os atravessamentos da EM 569, necessários à rega das parcelas agrícolas situadas a sul da propriedade (sendo que também neste ponto, estará em causa o Aqueduto existente e que atravessa a propriedade no sentido nascente-poente).
8. Referir também que teria sido interessante verificar o impacto na paisagem que as diferentes construções irão introduzir, nomeadamente através de alçados conjunto e cortes longitudinais/transversais de conjunto, que permitissem verificar cérceas, volumes, cotas do terreno natural e integração na topografia existente. Os desenhos gerais disponibilizados são apenas em planta, sendo que cada construção surge isolada e desarticulada em relação à envolvente existente e prevista (excepto na zona da piscina – desenhos 11A e 11B).
9. Por fim, referir que nenhuma das plantas apresentadas articula o empreendimento com a envolvente (a propriedade surge como ‘ilha’), nomeadamente nos acessos ao mesmo, em especial com a Estrada das Aguncheiras que será, conforme é referido, a principal entrada naquele que se propõem ser um “Eco-Hotel.”
Sandra M.B. Patrício
Sesimbra, 1 de Julho de 2021
FONTE DA IMAGEM: osesimbrense.pt
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