CONSULTA PÚBLICA DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS É OBRIGATÓRIA - SESIMBRA

Pela primeira vez e perante a abundância de decisões, declarações, petições, justificações, publicações e expressões, será difícil condensar num único post a minha indignação perante tudo o que aconteceu nos últimos dias, seja na reunião de Câmara, seja na sessão da Assembleia Municipal, seja nas notícias de jornais, seja nas publicações, seja nas justificações sobre o injustificável. Perdoem-me por isso o longo post e até talvez um pouco maçudo.

Começo pois por uma frase proferida na sessão da Assembleia Municipal do passado dia 30 de Abril, relativamente aos empreendimentos turísticos promovidos por promotores privados: “Todos os processos que estão neste momento já numa fase de maturidade, sejam eles de reabilitação, sejam eles de construção nova, sejam na Vila de Sesimbra, sejam noutra área do concelho, a Câmara está a preparar uma publicação exactamente para informar os termos e as referências daquilo que está neste momento a fazer, portanto falta de informação não vai haver.”

Primeira pergunta: desde quando é que a entidade Câmara Municipal patrocina publicidade gratuita a investimentos privados?

Segunda pergunta: e quem irá pagar essa publicação?, serão os impostos dos sesimbrenses?

Todos estamos lembrados das publicações que a Câmara produziu relativamente aos empreendimentos turísticos previstos para a Mata de Sesimbra. Importa no entanto esclarecer que, a publicação existiu porque se tratavam (e tratam), de Planos de Pormenor. Ora os Planos de Pormenor, os Planos de Urbanização e os Planos Directores Municipais, são propriedade da Câmara. É portanto normal e obrigatório por lei, que a Câmara publicite, divulgue, mostre, os instrumentos de gestão territorial que produz. Acresce que as publicações produzidas (2004 e 2011) visavam auxiliar a discussão pública dos dois planos de pormenor, disponibilizando dados urbanísticos como sejam: índices de construção, STP, áreas de terreno, número de fogos, número de alojamentos, equipamentos, áreas verdes, zonas de reserva,… Numa consulta pública o que menos interessará serão as imagens 3D e a promoção do empreendimento turístico como mais-valia ou enaltecendo (e cito) “a grande qualidade arquitectónica” do mesmo. Essa divulgação cabe ao promotor do empreendimento e não à entidade Câmara Municipal que deve apenas (e não é pouco) cumprir as suas competências (e que estão definidas na lei) das quais não faz parte: publicitar investimentos privados, nomeadamente empreendimentos turísticos.

Na mesma sessão da Assembleia Municipal do passado dia 30 de Abril, a ideia voltou a ser reforçada: “…nós não escondemos aquilo que são os projectos ou processos que têm alguma maturidade portanto, o município de Sesimbra, estou a informar desde já, à partida, informará e fará uma publicação (em principio digital), com todos os processos turísticos que neste momento têm uma maturidade já avançada (…) estamos a falar dos empreendimentos que estão previstos nos instrumentos de gestão do território…

A mim o que mais me espanta é o facto de estas declarações serem proferidas e nenhum deputado municipal as questionar. Nada. Nem uma palavra. Como se fosse perfeitamente normal e natural. A Câmara vai produzir publicidade de borla ao promotor, paga com os impostos dos sesimbrenses. Nada a declarar. Avancemos. E o que dizer da palavra “escondemos”? Adiante.

O que proponho é uma leitura rápida pela lei do país, nomeadamente do regime jurídico da urbanização e edificação. Diz este decreto-lei que os Municípios devem aprovar Regulamento Municipal que identifique as “operações de loteamento com significativa relevância urbanística” e, consequentemente, todas as operações que, em termos urbanísticos, tenham “impactes semelhantes a uma operação de loteamento.” 

E o que dizem os Regulamentos Municipais de Sesimbra? O Regulamento Municipal de Edificações Urbanas não diz rigorosamente nada. Foi publicado em 1999, está completamente obsoleto quanto às regras e normas em vigor, mas é o que temos e está em vigor. O Regulamento Municipal de Taxas e Cedências Relativas à Administração Urbanística considera de (e cito) “impacte relevante toda e qualquer operação urbanística de edificação destinada a habitação, comércio, serviço ou indústria (…) concretizada em prédio que não tenha resultado de operação de loteamento ou plano de pormenor”, sendo que nesta disposição estão incluídos os “empreendimentos turísticos (hotéis, pousadas, hotéis-apartamentos ou outros).”

Quer isto dizer que a Câmara Municipal de Sesimbra tem num dos seus regulamentos a definição do que considera serem operações urbanísticas de “impacte relevante”.  Ora o que a lei do país define são “impactes semelhantes” e de “relevância urbanística”. Sesimbra astutamente aglutinou os dois conceitos, matando dois coelhos de uma só cajadada. Os “impactes semelhantes” e de “relevância urbanística” são, no Regulamento Municipal denominados apenas de “impacte relevante”.  

Voltemos ao mesmo regime jurídico da urbanização e edificação que, no seu artigo 3.º estabelece um conjunto de regras às quais os regulamentos municipais devem obedecer e consagrar. Nomeadamente relativamente às “operações de loteamento com significativa relevância urbanística” determinando “quais os atos e operações que devem estar submetidos a discussão pública.” E no seu artigo 22º. estabelece que os Municípios determinem em regulamento municipal “a prévia sujeição a discussão pública do licenciamento de operações de loteamento com significativa relevância urbanística”, sendo que obrigatoriamente a discussão pública tem sempre lugar se a operação urbanística ultrapassar um de três valores: 4ha; 100 fogos; 10% da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão (entenda-se freguesia onde será concretizado)

O Município de Sesimbra é porventura o único do país que não tem previsto em Regulamento Municipal quais as operações urbanísticas com “relevância urbanística” sujeitas a discussão pública. Sabemos apenas que têm “impacte relevante toda e qualquer operação urbanística de edificação destinada a habitação, comércio, serviço ou indústria (…) concretizada em prédio que não tenha resultado de operação de loteamento ou plano de pormenor”, sendo que nesta disposição estão incluídos os “empreendimentos turísticos (hotéis, pousadas, hotéis-apartamentos ou outros).

Quer isto dizer que todas as operações urbanísticas com “impacte relevante” estarão sujeitas a discussão pública nos termos da lei do país. Nesta discussão pública estão incluídas as operações de loteamento que excedam os três valores que referi 4ha; 100 fogos; 10% da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão) e, toda e qualquer operação urbanística que não resulte de operação de loteamento ou plano de pormenor (nos termos do regulamento municipal).

Voltemos agora ao que foi proferido na mesma sessão da Assembleia Municipal de 30 de Abril sobre os empreendimentos turísticos e que transcrevo textualmente: “…o que verdadeiramente importa aqui é que o que é relevante, é que é absolutamente imprescindível que haja auscultação da população, que haja discussão pública (…)

Atentem na resposta que transcrevo textualmente: “…cabe na cabeça de alguém, perdoem-me eu dizer isto, estou a fazer uma pergunta: que agora haja um empreendimento (…) e o PDM o permite; como é que nós colocamos uma regra que é eu dizer assim: olha eu posso fazer ali uma habitação com determinadas características e num determinado local e com determinada… com determinado uso e STP… é pá e agora vamos perguntar à população se aquelas regras que são aquelas que são impostas podem ser ou não aplicáveis. Quer dizer, isto não faz sentido nenhum. Desculpem-me lá mas não faz sentido.” 

Não só faz sentido como é obrigatório por lei. Pela lei do país e nos termos definidos no Regulamento Municipal relativamente às operações urbanísticas com “impacte relevante.” Têm de ser sujeitas a discussão pública todas as operações urbanísticas (nos termos que já referi), mesmo estando a cumprir os parâmetros do PDM. 

Ou seja, quer isto dizer que a Câmara Municipal terá de produzir um conjunto de informação detalhada e profunda, com dados urbanos (índice de construção, áreas de propriedade, número de fogos, número de alojamentos, lugares de estacionamento, número de pisos, condicionantes, infraestruturas, áreas de cedência,…) complementados por peças desenhadas (planta de localização, planta de implantação, plantas gerais, alçados gerais, cortes, soluções preconizadas,…) para que a população possa analisar e pronunciar-se nos termos da lei, (na tal ambicionada democracia participativa consagrada na Constituição da República Portuguesa), sobre todos os empreendimentos turísticos “sejam eles de reabilitação, sejam eles de construção nova, sejam na Vila de Sesimbra, sejam noutra área do concelho.”

A consulta pública segue o estipulado na lei sendo que, a aprovação de determinada operação urbanística, só poderá ocorrer depois da respectiva consulta pública. E isto é normal no resto do país. Veja-se o caso de Lisboa. Mas para ser mais perceptível, até porque o executivo também é CDU, vejam-se os casos de Loures ou Seixal (bastará uma pesquisa rápida na net para visualizar os regulamentos relativos e cito (no caso de Loures) “dispensa de discussão pública das operações de loteamento de reduzida dimensão” e (no caso do Seixal) “dispensa de discussão pública de determinadas operações de loteamento.”

Pergunto: mas será que ninguém leu o regime jurídico da urbanização e edificação? Nem o Regulamento Municipal de Taxas e Cedências Relativas à Administração Urbanística? 

Atentem na afirmação (também proferida na sessão da Assembleia Municipal de dia 30 de Abril): “Mas há uma coisa que nós sabemos: os compromissos e as regras (e as regras emanam dos regulamentos que nós temos em vigor), são para ser cumpridas.”

Cumpram-se então as regras. Nomeadamente as do país, os regulamentos municipais e o PDM. Fico completamente boquiaberta com declarações como esta, proferida na mesma sessão da Assembleia Municipal: “…absoluta urgência de ter um plano director municipal revisto. Porque não temos um plano director municipal em vigor. Temos um em revisão há 13 anos. 14."

Temos um PDM em vigor, que apesar de estar em revisão, como foi dito e bem, há 14 anos (já passou mais um ano), continua a estabelecer as regras para a gestão do território. Nesta matéria, transcrevo também textualmente a reacção à declaração que acima transcrevi: “O que está em vigor é o que está. Portanto não há, não há um período de nojo entre o início do procedimento da revisão e a publicação do novo PDM revisto. Portanto mantêm-se as regras do que estão, do que está em vigor.

E sendo esta uma verdade absoluta, espero sinceramente que a deliberação de Câmara do dia 21 de Abril sobre a “Viabilidade de construção de edifício de uso misto, equipamento, habitação e turismo – Rua Amélia Frade – Vila de Sesimbra”, seja revertida, anulada. 

E espero sinceramente que a entidade Câmara Municipal exerça apenas as suas competências (que não são poucas) e deixe de esbanjar o dinheiro dos sesimbrenses em publicidade a promotores privados (já basta a publicação de 80 páginas e os outdoors espalhados pelo Concelho promovendo uma espécie de campanha eleitoral disfarçada (e mal) de informação institucional).  

É urgente rectificar o que não foi feito, nos termos da lei, e promover a consulta pública de tudo o que carece de consulta pública. Mesmo com o PDM em vigor. Digo eu, que não percebo nada de leis nem de regulamentos nem de pareceres jurídicos. 

Façam-se publicações daquelas que são obrigações institucionais. E se por ventura querem publicitar obra, mostrem o Bloco da Mata, com planta de implantação, índice de construção, cotas de afastamento, plantas gerais, alçados de conjunto, alinhamentos, cérceas,… e também o projecto de requalificação da Mata da Vila Amália, com os brutais muros de contenção e as enormes escadarias previstas. Isso é que era bonito. Mostrar aquilo que são obras camarárias, dos impostos sesimbrenses. 

O promotor privado, terá tempo para gastar dinheiro a promover o seu empreendimento turístico. Se o mesmo vier a ser aprovado. Depois de consulta pública e desde que cumpra o plano de ordenamento do território em vigor: Plano Director Municipal.

E já agora: alguém saberá (e perdoem-me a ignorância) quais são e cito: “os instrumentos de gestão do território privado”, nomeadamente na Vila de Sesimbra? É que os instrumentos de gestão do território gerem, os terrenos públicos e privados. E no caso da Vila de Sesimbra, o único instrumento de gestão do território existente é o PDM. Não percebo esta frase que tem vindo a ser consecutivamente repetida a justificar a deliberação camarária sobre a “Viabilidade de construção de edifício de uso misto, equipamento, habitação e turismo – Rua Amélia Frade – Vila de Sesimbra.”

Faça-se uma publicação clara e objectiva sobre esta viabilidade. Até porque estão em causa as normas do PDM que não foram cumpridas e, a realização da obrigatória consulta pública. 

E nesta obrigatoriedade de consulta pública, estão todos os empreendimentos turísticos que parecem estar com “maturidade” na zona da Aldeia do Meco. 

Os únicos empreendimentos turísticos no concelho de Sesimbra, que não estão sujeitos a consulta pública são os da Mata. Porquê? Porque nos termos da lei, nomeadamente do Regulamento Municipal, estão inseridos em Planos de Pormenor e assim, automaticamente excluídos dessa obrigatoriedade porquanto a consulta pública ocorreu no âmbito dos respectivos Planos de Pormenor. E será até fácil de explicar: só um plano de pormenor tem um grau de precisão em termos regulamentares e de planeamento que permite assegurar o cumprimento integral das regras definidas, sem desvios, interpretações ou “benesses”.

E assim como os Planos de Pormenor são sujeitos, obrigatoriamente a consulta pública, também os loteamentos estão sujeitos a consulta pública. Nomeadamente os que estiverem definidos em regulamento municipal e todos os que ultrapassarem um dos três valores definidos: 4ha; 100 fogos; 10% da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão. 

Todas as construções que ocorram dentro de Planos de Pormenor ou de loteamentos, não carecem de consulta pública porquanto a mesma já ocorreu no âmbito do Plano ou do loteamento. Mas, todas as construções que não ocorram dentro de Planos de Pormenor ou de loteamentos (habitação, comércio, serviço, indústria, hotéis, pousadas, hotéis-apartamentos ou outros empreendimentos turísticos), carecem, nos da lei do país e nos termos do regulamento municipal, de consulta pública obrigatória.

Termino com a afirmação: Mas há uma coisa que nós sabemos: os compromissos e as regras (e as regras emanam dos regulamentos que nós temos em vigor), são para ser cumpridas.

Então, cumpra-se a Lei! E não se olhe para a consulta pública como uma exigência que belisca de alguma maneira a decisão politica. Conforme tenho afirmado várias vezes, os políticos eleitos não são os donos da verdade e da razão. E acrescento, são seres humanos e como seres humanos que são, erram como todos os outros. Quero dizer com isto que, a consulta pública deve ser encara como uma mais-valia no ordenamento do território, porquanto centenas de olhos irão olhar para os documentos e poderão detectar algo que possa ter escapado à meia dúzia de olhos que analisou o procedimento. 

E se de facto, o PDM está a ser cumprido, ao que se deve o aparente receio de divulgar dados urbanísticos claros e inequívocos (refiro-me por exemplo, ao empreendimento da Rua Amélia Frade)? Reparem, até na construção de uma casa num lote de terreno, o proprietário é obrigado a colocar um Aviso a publicitar a obra. Porquê? Para que todos os interessados (nomeadamente vizinhos ou proprietários confinantes) possam saber, acompanhar e manifestar-se perante aquela construção. E não é calhandrice. É cidadania, participação pública na democracia, na sociedade, na comunidade, na gestão do concelho que é de todos e para todos.




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