SESIMBRA... MAS QUE FUTURO?
Há cerca de duas décadas e depois de todo o território nacional ser detentor a nível local, dos respectivos planos directores municipais (PDM), foram feitos vários estudos sobre os dados globais relativos às possibilidades construtivas definidas para Portugal. E houve um dado que na altura causou alguma controvérsia: face à possibilidade construtiva definida pelos PDM do país, cada português teria em média, sete casas. Ou seja, para 10 milhões de pessoas existiriam, se fossem esgotados os índices de construção definidos nos PDM, 70 milhões de casas. Isto resultou numa ideia que, com o passar dos anos, se tornou numa regra: os PDM deveriam ser revistos em baixa.
E todos nós sabemos o porquê de protelar as revisões dos PDM nacionais, nomeadamente em concelhos com características similares às do concelho de Sesimbra. Mas também sabemos que, em cada eleição autárquica todos os programas eleitorais prometem concluir a Revisão do PDM. E porquê? Porque sem um PDM válido e eficaz, o futuro do concelho ficará hipotecado. Porque sem um PDM eficaz, ficam vedados os acessos a financiamentos governamentais e europeus (e que no caso de Sesimbra são uma ajuda preciosa nas obras realizadas como sejam a Casa da Água no Cabo Espichel, a Fortaleza de Santiago, a Capela de São Sebastião, as obras da Avenida Marginal de Sesimbra, os passadiços nas praias do Concelho, o novo Centro de Saúde, a Escola Navegador Rodrigues Soromenho, o Bloco da Mata, aquilo a que chamam PAMUS, e tantas outras obras que, sem acesso a fundos europeus ou governamentais, dificilmente seriam possíveis de concretizar recorrendo apenas aos cofres camarários). E claro, esta não é apenas uma realidade do concelho de Sesimbra. É uma realidade de muitos dos concelhos nacionais.
Para além desta Revisão de PDM, começaram a surgir vários outros planos de gestão territorial (nacionais e regionais) que introduzem alterações aos PDM em vigor e que, obrigam as autarquias a compatibilizar os PDM com as normas definidas por esses planos, como sejam por exemplo, os planos de ordenamento da orla costeira (POOC).
E assim, para alcançar estes dois objectivos (rever em baixa os PDM e introduzir as alterações provocadas por exemplo, pelos POOC), foi publicada em Maio de 2014 a Lei de Bases da Política dos Solos. Esta lei definiu dois tipos de solo (solo urbano e solo rústico) que devem ser respeitados na revisão dos PDM (classificando como solo rústico todo o espaço urbano que não tenha uma operação urbanística aprovada) e, atribuiu um prazo de três anos para que os PDM fossem conformados com outros instrumentos de gestão territoriais (nacionais e regionais) entretanto publicados.
Entretanto, as autarquias deveriam ter concluído os processos de Revisão dos PDM, (incluindo a conformação com outros instrumentos de gestão territoriais), até ao dia 13 de Julho de 2020 mas que, fruto dos estados de emergência decretados, foi prolongado até ao dia 9 de Janeiro de 2021 (prazo que terminou há exactamente dois meses atrás).
Mas porque ainda se verificavam um número considerável de autarquias que não haviam actualizado, nem os PDM face aos outros instrumentos de gestão territoriais (como sejam os POOC), nem tinham efectivado as revisões dos PDM de acordo com a Lei de Bases da Política dos Solos, o Conselho de Ministros do passado dia 4 de Março decidiu prolongar, mais uma vez, os prazos definidos. E assim, até ao dia 31 de Março de 2022 (daqui por um ano portanto), as autarquias terão de actualizar os PDM (e outros planos como sejam os PU e PP) compatibilizando-os com outros instrumentos de gestão territoriais. E também, apresentar a revisão do PDM compatibilizada com o definido pela Lei de Bases da Política dos Solos, sendo que a primeira reunião da comissão consultiva (grupo que terá de emitir pareceres sobre a proposta de Revisão e que, no caso de Sesimbra, é composta por 19 elementos/entidades) terá de ocorrer no limite, até ao próprio dia 31 de Março de 2022 (ou seja, também daqui por um ano). Até 31 de Dezembro de 2022, as revisões dos PDM terão de estar concluídas e publicadas.
No entanto, para além deste novo calendário, o Conselho de Ministros definiu também uma penalização para as autarquias que não conseguirem realizar, por sua responsabilidade, a primeira reunião com a comissão consultiva (e transcrevo): “é suspenso o direito de candidatura a apoios financeiros comunitários e nacionais, até à conclusão do procedimento de alteração ou revisão do plano territorial em causa.”
Agora percebo o alcance da afirmação “ficar fora de jogo” e que esteve na origem do meu post "BAZUCA EUROPEIA" - SESIMBRA FORA DE JOGO?? Nem quero acreditar. Atentem no que vou descrever de seguida:
Na reunião de Câmara do passado dia 3 de Março, foi colocada uma pergunta que transcrevo textualmente: “o Conselho de Ministros continua a prever a suspensão e o acesso a fundos comunitários para quem efectivamente não altere o PDM em função das novas normas no que diz respeito aos solos urbanizáveis sem projecto aprovado. E portanto, o que eu queria saber é o ponto de situação? Portanto porquê? Porque existe de facto essa possibilidade de penalização de acesso a fundos comunitários caso nós não tenhamos um plano…”
E a resposta dura cerca de seis minutos. E que não vou transcrevê-la na totalidade. Até porque mais de dois terços dos seis minutos não respondem à pergunta efectuada: “E portanto, o que eu queria saber é o ponto de situação? Portanto porquê? Porque existe de facto essa possibilidade de penalização de acesso a fundos comunitários caso nós não tenhamos um plano…”
A resposta à pergunta efectuada resume-se ao seguinte (que transcrevo textualmente):
“Neste momento há uma questão, há particularmente uma questão que está neste momento a enterrar mais o procedimento de revisão e a proposta final de PDM, proposta final quer dizer, proposta para levar à comissão consultiva não é. Depois terá uma fase de concertação entre as entidades e será, também esta com certeza morosa de 3, 4, 5 meses, provavelmente até à versão final. Tem a ver com uma legislação que entretanto saiu no final do ano passado, sobre as normas de… de… de classificação da reserva ecológica nacional. Pá, que era uma matéria que já estava por nós concertada com a CCDR e com a Agência Portuguesa do Ambiente e que agora, por via desta alteração, veio suscitar a possibilidade, ou a necessidade de nós termos de fazer mais um conjunto significativo de estudos. Nós estamos a avaliar com a CCDR, acho que há uma reunião até agendada prá próxima semana ou na próxima, eu penso que é dia 14, se a memória não me falha, exactamente para conseguirmos aqui a… é pá, esta dimensão porque, quer dizer, isto também, não podemos a qualquer momento… há uma legislação que sai, altera depois de uma concertação que foi feita e que demorou anos, diga-se de passagem, a concluir, que agora por via desta alteração seja pedido mais um conjunto de elementos e eventualmente voltemos, não vou dizer à estaca zero, mas se calhar a uma estaca próxima do zero. Portanto é esta questão que neste momento está mais a emperrar a nossa parte ou da nossa parte, quer dizer da parte da revisão do PDM, a proposta a enviar à comissão consultiva. A nossa intenção, se não fosse esta legislação que tivesse entretanto publicada no final de 2020, era nesta fase já termos entregue a proposta de revisão na comissão consultiva. Portanto vamos aguardar para ver.”
“Portanto vamos aguardar para ver.” Não percebo. Então mas o prazo para concluir a Revisão dos PDM, incluindo a conformação com outros instrumentos de gestão territoriais não era até ao dia 13 de Julho de 2020? Prazo esse que, fruto da pandemia e dos estados de emergência declarados, foi prolongado até ao dia 9 de Janeiro deste ano? Não deveria a revisão do PDM de Sesimbra ter sido apresentada no limite, entre 13 de Julho de 2020 e 9 de Janeiro deste ano? Ora se a nova legislação sobre a reserva ecológica nacional é do fim do ano passado, porque é que a Revisão do PDM não foi concluída e entregue para parecer na comissão consultiva antes do fim do ano 2020? O prazo limite era 13 de Julho de 2020. Era para esta data limite, que a conclusão dos trabalhos deveria ter sido apontada. E não, para a possibilidade de uma prorrogação do prazo (que veio a acontecer) que não foi cumprida (9 de Janeiro deste ano) e que está na origem de uma nova prorrogação do prazo até ao dia 31 de Dezembro de 2022! Que cansaço! “Portanto vamos aguardar para ver.”
Mas esta situação é mais grave do que parece pois podemos voltar “não vou dizer à estaca zero, mas se calhar a uma estaca próxima do zero”. O quê? Treze anos depois voltamos quase à estaca zero? E é esta questão que está a “emperrar a nossa parte ou da nossa parte, quer dizer da parte da revisão do PDM, a proposta a enviar à comissão consultiva.” Ou seja, ultrapassada esta questão, a revisão do PDM estará pronta? E quando? Antes de dia 31 de Março de 2022 ou até ao dia 31 de Dezembro de 2022?
A verdade é que uma notícia de Fevereiro de 2021 na página da Câmara referia que, só em Agosto de 2022, estaria concluído o Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas. Plano esse que, entre outras definições, irá impor regras ao solo urbano nomeadamente definindo áreas onde a construção estará proibida, apesar de serem terrenos urbanos. Então, se este Plano só estará pronto em Agosto de 2022, restarão quatro meses do ano 2022 para a Revisão do PDM de Sesimbra estar concluída, aprovada e publicada! (Neste momento estou a rir-me à gargalhada).
No meio dos cerca de seis minutos de resposta, ainda foi dito que (e transcrevo textualmente): “no caso do PDM de Sesimbra, e reportando-me exclusivamente a área de incidência da CCDR, nós somos daqueles que estamos numa fase intermédia. Portanto não somos daqueles que estamos mais atrasados, nem somos daqueles que estamos mais adiantados. Estamos numa fase intermédia.” Que orgulho. Sesimbra é um concelho intermédio, mediano, face ao conjunto de concelhos sobre a tutela da CCDR-LVT. Para quem não sabe, a CCDR-LVT tem a tutela sobre 52 concelhos do país; 5 concelhos estão na fase de elaboração e apreciação da proposta de plano. Os intermédios, portanto. O grupo do qual orgulhosamente Sesimbra faz parte.
Faltou dizer que 26 concelhos sobre a tutela da CCDR-LVT, já têm a revisão do PDM publicada. E também faltou dizer que na Área Metropolitana de Lisboa (com 18 municípios), 10 já têm a revisão do PDM publicada. Ou seja, na AML, Sesimbra está no grupo dos oito que faltam. E nesses oito que faltam, ocupa o sétimo lugar. Atrás de Sesimbra, surge apenas o Montijo. Que orgulho!
E houve lugar também a um esclarecimento claro, sobre o facto de ainda não ter sido efectuada a transposição do definido nos POOC para o PDM de Sesimbra: (e que volto a transcrever textualmente):
“Portanto, a transição para essas normas, por nós já foi feita e já foi até inclusivamente à Câmara Municipal (não sei se recordam, nós fizemos essa transposição dessas normas para os nossos instrumentos de gestão territorial), não os publicitámos, exactamente até o podíamos, podíamos o ter feito. Não o publicitámos porque estaríamos a aguardar particularmente a publicação deste POOC Espichel-Odeceixe. Já percebemos, até pode não ser publicitado ou publicado nos timings que hoje a legislação, que foi entretanto prorrogada, permite e portanto vamos ter de o fazer.”
Nem sei que diga. Talvez um conselho (e estou a ironizar): o melhor é “aguardar para ver”, não vá sair entretanto algum outro instrumento de gestão territorial e depois teriam de fazer uma nova transposição para a revisão do PDM. O melhor é “aguardar para ver”, e assim entregam tudo ao mesmo tempo! E talvez daqui por mais não sei quantas décadas, se consiga transpor tudo o que entretanto foi sendo publicado em termos de instrumentos de gestão territorial. Surreal.
E talvez lembrar que a falta de uma revisão do PDM válida e em vigor, suspende qualquer tipo de licenciamento ou autorização de construção. E isso é que vai ser lindo de ver. Para além de perder os fundos europeus da chamada “bazuca”, acabam os licenciamentos e as autorizações de construção, graças ao facto de não haver revisão do PDM porque, conforme acima referi, todos sabemos o porquê de protelar a revisão do PDM. Mas reparem, o Conselho de Ministros até teve algum cuidado na definição das novas datas: depois das eleições autárquicas e durante o primeiro ano de mandato. Digam lá se não é uma boa notícia? Valha-nos Deus. Tudo é política.
Termino com uma frase bonita da mesma reunião de Câmara, dentro dos seis minutos de resposta à pergunta: “E portanto, o que eu queria saber é o ponto de situação?”, e que transcrevo mais uma vez, textualmente:
“Quero dizer aqui, da nossa parte, que apesar da dilação deste prazo até 2022, não é nosso objectivo de todo, que remeteremos para essas calendas, portanto. O nosso, a nossa estrutura de revisão do PDM está, vá lá, praticamente consolidada da nossa parte.”
O que é que isto quer dizer? Não sei. Não faço a menor ideia. O que sei é que Sesimbra poderá de facto “ficar fora de jogo” da “bazuca europeia”.
Porque tudo se resume a resultados eleitorais. Especialmente num ano de eleições autárquicas em que a pandemia vai servir como justificação para o que não foi feito e para o que, não estando previsto, teve de ser feito. Não valerá a pena acrescentar mais um problema. Depois das eleições voltar-se-á ao tema da revisão do PDM. E acreditando sempre que o prazo de 31 de Dezembro de 2022 será prorrogado. Esperança é coisa que não falta. E Sesimbra está num nível intermédio por isso, não será por causa de Sesimbra que o prazo será dilatado. Será por causa dos outros que estão numa situação pior do que a do concelho de Sesimbra.
E a nós, simples cidadãos, o apregoado povo, os trabalhadores, cabe-nos apenas manifestar a nossa indignação. E no dia das eleições ir votar. Nos mesmos, para que tudo continue igual. Ou noutros, na esperança de que alguma coisa se altere. Ou talvez não.
E termino com uma pergunta: para quando a revisão dos Planos de Urbanização e Planos de Pormenor do concelho de Sesimbra? E para quando a conformação desses planos com outros instrumentos de gestão territoriais? É que a acreditar na nova data definida pelo Conselho de Ministros, o prazo definido termina a 31 de Dezembro de 2022.
O que significa que, para além da conclusão da revisão do PDM, da conformação do PDM com os POOC, da execução da Carta Local de Habitação (depois de definida a Estratégia Local de Habitação), da execução do Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, da execução da nova carta da REN, da Programação para a intervenção na paisagem, da definição do conceito de acessibilidades na dinâmica associada ao modelo territorial definido pelo PDM, das estratégias definidas para o tema da economia circular (nomeadamente a reutilização da água e a reabilitação do edificado), da definição de regras para a utilização sustentável do solo rústico, da fundamentação relativa às opções de planeamento definidas pela Revisão do PDM,… existem pelo menos mais sete planos do concelho a considerar.
E se juntarmos a tudo isto, projectos com maturidade para poderem vir a ser financiados pela “bazuca europeia”, será difícil “ir a jogo.” E a tudo isto acresce a rotina dos últimos quatro anos: a gestão do dia-a-dia sem planos para o futuro.
E para o futuro ficará a memória de um executivo resignado, que não conseguiu, em treze anos, concluir a revisão do PDM e que por isso, ficou a ver o dinheiro da “bazuca” passar mesmo à sua frente mas, por ideologias e sonhos políticos, preferiu ficar “fora de jogo”.
E o que dizer sobre aquelas variantes rodoviárias tão desejadas? E consecutivamente prometidas nos programas eleitorais? Talvez noutra década que não esta.
A menos que a Revisão do PDM seja publicada até 31 de Dezembro de 2022. Ou então, não havendo Revisão do PDM publicada, garantir que essa falta não é por facto imputável à autarquia. Ou ainda e por fim, manter a esperança de que a data limite será novamente prorrogada. E assim, todos os problemas ficarão resolvidos! Os licenciamentos e autorizações de construção não serão postos em causa e, até a possibilidade de “ir a jogo” com a “bazuca europeia” será uma realidade.
“Portanto vamos aguardar para ver.”
Comentários
Enviar um comentário