OPEN ARMS
Parece que o mundo não consegue fazer nada. E os poucos que tentam fazer alguma coisa, são poucos. Impotentes. Sem dinheiro. Sem apoios. Sem poder. E por mais imagens que passem, por mais frases que se oiçam, por mais mensagens que sejam transmitidas, por mais campanhas que sejam produzidas, o mundo continua impávido e sereno, sentado na sua poltrona, a assistir de camarote, para aquela realidade que parece cinematográfica.
E todos assistimos. E depois, como num filme, falamos uns com os outros. Uns não têm qualquer tipo de reacção. Outros ficam indignados e chocados. Outros ficam calados, com lágrimas que tentam disfarçar. E este cenário não é uma obra cinematográfica digna de um Óscar ou de um Leão de Ouro, tipo “Lista de Schindler” ou “A Vida é Bela”. Porque apesar destes dois filmes retratarem uma realidade distante, a verdade é que já está tão distante que ninguém pensa nela.
E a realidade de hoje, também está distante deste mundo civilizado, humanizado, fraterno. Deste mundo evoluído, igualitário e misericordioso. E talvez daqui por umas dezenas de anos, as futuras gerações venham a assistir a vários filmes sobre o assunto. E também fiquem indignadas e chocadas, pensando como é que o mundo em pleno século XXI permitiu esta realidade. Até lá, o planeta continua a girar, repetidamente, sobre si mesmo e em volta do astro rei. Porque amanhã há sempre um novo dia que nasce. E todos nós temos as nossas dificuldades, os nossos problemas, as nossas vidas… e sozinhos não podemos fazer nada de nada. Se os grandes não conseguem fazer nada, não seremos nós a conseguir. Porque afinal, isto são questões políticas. E económicas, obviamente.
Vem isto a propósito de uma informação transmitida pela ONU: existem mais de 70 milhões de refugiados em todo o mundo. 70 Milhões de refugiados correspondem à população de sete países como Portugal. São mais de 1500 estádios de futebol completamente cheios.
70 Milhões. Já pensaram bem neste número? Mas o dado seguinte ainda é mais surpreendente: mais de 28 milhões dos refugiados são crianças.
28 Milhões de crianças. São quase a população de três países como Portugal. São 57 estádios do Benfica, em dia de lotação esgotada.
28 Milhões de crianças. CRIANÇAS. Destas, mais de metade, está completamente sozinha. Não têm pai, nem mãe, nem irmãos, nem tios. Não têm absolutamente ninguém. Vivem sozinhas, no meio de milhares de outros refugiados que não conhecem e dos quais têm medo. E medo porquê? Porque o ser humano é feito de negócios. E um dos grandes negócios do mundo é o tráfico humano. E nestes grupos de refugiados com milhares de seres humanos, os mais vulneráveis são apetecíveis. No caso das crianças, raptam-nas. As que têm mais sorte acabam como escravas em trabalho infantil aqui e ali, à mercê dos grandes senhores, negócios e patrões. As outras entram no tráfico sexual (outro dos grandes negócios do mundo), acompanhadas por raparigas adolescentes e mulheres vulneráveis. E não há nada que se possa fazer. Porque são milhões de pessoas. Sem nada, absolutamente nada, que precisam de tudo e de todos para sobreviver. Bebés, crianças, adultos, velhos.
Remeto para um anterior post QUE MUNDO É ESTE e subscrevo as palavras do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados quando criticou a utilização de determinado tipo de linguagem e insultos que muita gente utiliza para descrever os refugiados. Acrescentou ainda que há muita gente que, sem qualquer tipo de argumento válido, descreve os refugiados como terroristas e criminosos. Seres humanos que por serem tão maus, não merecem sequer qualquer tipo de humanidade, que não seja apenas a garantia de os vedar num campo (que agora não se diz “de concentração” mas na realidade é do que se trata), com guarda armada a proteger, proibindo-os de ali sair até que alguém decida não sei o quê. Entretanto há pessoal de fora, não refugiado e como tal, pessoas de bem, que não são criminosos nem terroristas e que podem entrar nestes campos. E roubar crianças. E raparigas. E mulheres.
E depois, as organizações devidamente credenciadas e autorizadas. Só essas podem entrar nos campos (de concentração) de refugiados, para lhes fazer chegar medicamentos, água potável, comida, roupa. E nos últimos tempos, oferecer protecção contra estas redes de rapto humano.
Nenhuma destas crianças anda na escola. A maioria não sabe ler nem escrever. Vivem no meio de tudo e de todos, descalços, quase nus. À mercê deste e daquele para comerem. Não sabendo em quem podem confiar e como. Já pensaram? Em quem confiaria uma criança de 5, 6 anos, assustada, sozinha, cheia de fome e frio?
Sinto-me completamente impotente. Apenas e para já, posso mostrar a minha indignação, frustração e perplexidade. Perplexidade quando assisto a estas notícias e logo de seguida oiço as declarações de Presidentes de Repúblicas que se dizem democráticas e livres. Se o mundo fosse uma obra cinematográfica em constante actualização, aberta à participação de cada cidadão e que podiam contribuir com sugestões para o guião, confesso que a minha sugestão seria esta:
Sem explicação e por artes mágicas, as famílias e os Presidentes de Repúblicas que se dizem democráticas e livres, acordavam algures, num campo de (concentração) de refugiados. Sem nada. Absolutamente nada. Apenas a roupinha do corpo e a boa vontade das ONG e a presença de redes de tráfico humano. Pergunto-me como seriam as vidas de Donald, do Jair, do Nicolás, do Vladimir, do Recep, do Bashar, do Xí, do Matteo, do Kyriákos,... se se vissem nessas condições. Desprezados, maltratados, desnutridos. Verem os familiares morrer de fome ou com uma doença qualquer. Ou roubados por uma rede de tráfico humano. E sem água, sem casa, sem cama para dormir.
O que serão estas 28 milhões de crianças amanhã? Quantas sobreviverão? O que saberão do mundo que não é o delas? Em quem confiarão? Que profissões terão? Será que algum dia sairão dos campos? E para onde? A fazer o quê? Quem é que lhes vai dar trabalho?
O mundo está a criar um submundo. Um submundo monstruoso e assustador. Até quando é que iremos pactuar com isto?
Termino com uma sugestão: HUMAN, um documentário que vi não há muito tempo. E sendo um documentário, não é ficção. São situações reais, guerras reais, desesperos reais. São pessoas reais. De uma realidade distante e inacreditável.
FONTE DA IMAGEM: thenation.com
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