No dia em que escrevo (19 de Agosto) ainda não são conhecidos os programas eleitorais de cada um dos partidos políticos que se apresentam a estas eleições autárquicas de 2025. Já se conhecem alguns candidatos, já se vêem alguns cartazes de maior ou menor dimensão e até, algumas promessas. Mas, os programas eleitorais ainda não. Por isso, e na esperança de que os programas eleitorais não se resumam apenas a promessas (repetidas a cada quatro anos; inexequíveis ou; promessas que nem chegam a ser promessas já que se apoiam em verbos do tipo “exigir”, “acompanhar”, “colaborar”, “aferir”, “manter”, “pugnar”) mas que se sustentem numa visão estratégica de futuro e desenvolvimento que vise preservar a identidade sesimbrense e aqueles que são os seus maiores valores, decidi não escrever uma única linha sobre este assunto. 

Até porque há coisas muito mais interessantes que merecem a minha atenção. Por exemplo, neste ano de 2025 passam 50 anos sobre a independência de Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola. Estas colónias portuguesas, palco de guerras desde 1961 e até 1974, e para onde milhares de jovens rapazes eram enviados para combater em nome do império, ganhariam a sua independência com a revolução de Abril de 1974. O Movimento das Forças Armadas, ao derrubar a ditadura, defendia igualmente o fim da guerra colonial e a independência das colónias portuguesas no continente africano. E assim aconteceu. O processo de descolonização aconteceu resultando na independência, há 50 anos, destes quatro países africanos de língua portuguesa. 

Nas comemorações nacionais sobre os 50 anos do 25 de Abril (que se iniciaram em 2022 e terminam em 2026), foi o ano de 2024 que teve como tema “o derrube da ditadura e o fim do colonialismo”. O ano de 2025 é dedicado “às primeiras eleições livres: Democratização” integrando a proclamação da independência de Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola (e claro, a realização das primeiras eleições livres em Portugal e, o denominado «verão quente» de 1975 compreendido entre os dias 11 de Março e 25 de Novembro). 

Sobre a descolonização, são vários os documentos disponibilizados (na plataforma «50anos25abril.pt») e que merecem uma leitura. Nomeadamente sobre o regresso de cerca de meio milhão de portugueses das colónias (“retornados”) e que, chegados à metrópole enfrentaram várias dificuldades, nomeadamente de integração e aceitação num Portugal que também era deles. São conhecidas as imagens icónicas (captadas pela lente de Alfredo Cunha) de centenas de caixotes empilhados em Belém, junto ao «Padrão dos Descobrimentos». 

Portugal criou o IARN – Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, no sentido de garantir alojamento em regime de pensão completa (assim como o transporte de pessoas e bagagens para os diferentes destinos). Alojamento esse que foi realizado em cadeias, centros de acolhimento temporário e, em mil e quinhentas unidades hoteleiras do país. 

Em Sesimbra, foram centenas de portugueses, regressados das colónias, que ficaram hospedados nas unidades hoteleiras existentes, nomeadamente no «Hotel do Mar». A RTP fez notícia em 2024, referindo que o hotel se adaptou para receber famílias numerosas “que tiveram de caber num quarto”. Famílias que passaram a viver no hotel, durante alguns meses, e que, com a chegada do verão e de turistas, tornou a convivência caótica. 

Curiosamente, nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, em Sesimbra, o tema descolonização e o regresso das colónias de milhares de portugueses, e que acabariam (algumas centenas), hospedados nas unidades hoteleiras da Vila de Sesimbra (Espadarte, Hotel do Mar e Náutico) não mereceu uma qualquer referência (Sesimbra contou apenas com a apresentação do livro “Retornados: e a vida nunca mais foi a mesma”). Sobre o impacto que essa vinda (e alojamento) terá provocado na comunidade sesimbrense, nomeadamente a relação desta com portugueses apelidados de “retornados”, nada. E até (tomando como exemplo o livro que foi apresentado), uma qualquer referência/abordagem às dezenas de “retornados” que se integraram na comunidade sesimbrense e que por aqui ficaram até hoje, dando a conhecer as suas histórias, as suas dificuldades, os seus medos,… mas também os seus sonhos, as suas alegrias e as suas vitórias. Como por exemplo a abertura do snack-bar “Mussolo” ou o renascer da equipa de hóquei do Grupo Desportivo de Sesimbra, com a entrada na equipa de um grupo de “retornados”, que os levou à subida para a primeira divisão. Estas e outras memórias constam no livro “A Revolução de 1974 em Sesimbra” de João Augusto Aldeia, a quem agradeço publicamente por acrescentar valor histórico e identitário ao antes e depois da revolução, nomeadamente no concelho de Sesimbra. 

Estes 50 anos do regresso dos portugueses das colónias do continente africano, fizeram-me viajar até à camoniana «ínclita geração», que nasceu depois da batalha de Aljubarrota e que comemorou 640 anos no passado dia 15 de Agosto. A dinastia de Avis, com os seus ilustres infantes, cujo nome mais famoso será porventura o do Infante D. Henrique e o seu ideal de desbravar mares e descobrir o mundo. 

Nessas descobertas, “por mares nunca dantes navegados”, Diogo Gomes e António Noli descobrem as ilhas inabitadas de Cabo Verde (1460), João de Santarém e Pedro Escobar descobrem as ilhas inabitadas de São Tomé e Príncipe (1470), Diogo Cão chega a Angola (1482) e, Vasco da Gama, na sua epopeia até à Índia, chega a Moçambique (1498). 

Descobertas portuguesas que assim se tornaram parte do império, durante mais de quatro séculos. E que, levaram à colonização portuguesa, com a definição de rotas marítimas seguras, trocas comerciais e tráfego negreiro. 

Portugal foi um dos primeiros países a abolir o tráfico de escravos, por três vezes. A primeira, em 1761, pelas mãos do Marquês de Pombal e apenas na metrópole portuguesa. Depois, em 1869, o Rei D. Luís aboliu a escravidão em todos os territórios portugueses e, em 1878, em todo o império português. 

O próximo dia 23 de Agosto é o «Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e a sua Abolição» (instituído pela UNESCO em 1997) e assinala “o inicio do fim da escravatura e da desumanização, presta homenagem a todos os oprimidos pela escravidão e destaca a importância da consciencialização colectiva desta atrocidade” (descrição constante no «Centro de Informação Europeia Jacques Delors - Eurocid»). 

Este é um passado que só começou a ser abordado, em Portugal, depois do 25 de Abril. E num dos vários estudos já realizados, Sesimbra, enquanto porto que abastecia e recebia as carreiras da Índia (na batalha na baía de Sesimbra de 1602, entre ingleses e espanhóis, está na baía sesimbrense a grande carraca «São Valentino», vinda das Índias, carregada de mercadoria), refere a existência de três navios negreiros registados em Sesimbra: «Nossa Senhora da Conceição», «Santiago» e «Nossa Senhora da Esperança». E além dos navios negreiros, identifica três mestres de Sesimbra (João Rodrigues Camarinho; Pascoal Carvalho; Vicente Rodrigues) e um mestre-piloto igualmente sesimbrense (Gonçalo Preto). (in: “Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista” – Jorge Manuel Rios da Fonseca). 

Na edição número quatro da revista “Akra Barbarium”, João Augusto Aldeia, no artigo “Escravatura em Sesimbra: a parte esquecida da identidade sesimbrense”, identificou 246 escravos em Sesimbra (entre os séculos XVI e XIX) e 14 proprietários. É um levantamento impressionante que revela uma verdade sesimbrense (que não era diferente da do resto do país e da Europa) que, conforme afirma “tem grande importância para a história de Sesimbra”. 

Há coisas de facto muito mais interessantes que merecem a minha atenção. E esta, da memória e identidade de um povo, nomeadamente o sesimbrense, é fundamental estudar, compreender, relatar, divulgar e preservar. Para que as gerações futuras saibam de onde veem e o que fomos. 

Até porque, num mundo cada vez mais perdido, onde o pensamento parece estar reservado apenas àqueles que julgam dominar o mundo através de redes sociais, influenciando aqueles que se deixam influenciar e produzindo conteúdos sustentados em inteligências artificiais, haverá que tomar como exemplos pensadores, estudiosos e autodidactas que se dedicaram e dedicam ao saber, sem redes sociais ou ‘influencers’ ou inteligência artificial. E Sesimbra tem e teve vários pensadores, estudiosos e autodidactas que muito contribuíram e contribuem para a descoberta desta memória e identidade que caracteriza Sesimbra e as suas gentes. Cada vez mais esquecidos é certo. E até desvalorizados. Mas, as modas são passageiras e, ao contrário de outros, permanecerão para sempre, eternos.





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