OS AMARELOS DA CARRIS METROPOLITANA

Não. Não vou escrever uma linha relativamente aos recentes acontecimentos, divulgados através das redes sociais, dentro (e fora) de um autocarro da Carris Metropolitana. Muito já foi escrito sobre o assunto. Até porque não tenho nada contra a Carris Metropolitana. Tenho sim, contra a visão, a estratégia e a metodologia (se é que existiram) que foi implementada no Concelho de Sesimbra. 

Terminou no passado dia 24 de Julho o período de consulta pública do «Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável da Área Metropolitana de Lisboa» (PMMUS). Depois de ler os documentos disponibilizados, decidi não participar. Apenas por um motivo: Sesimbra, o Concelho de Sesimbra, não existe neste PMMUS. Mais: Sesimbra, o Concelho de Sesimbra, surge apenas como espectador que, na sua quota parte, financia a Carris Metropolitana (o passe Navegante e a implementação de linhas e horários de transportes públicos, que ligam Sesimbra a concelhos da AML que nunca estiveram ligados entre si). 

No âmbito da elaboração do PMMUS, nomeadamente sobre a Avaliação Ambiental Estratégica do mesmo, foram solicitados pareceres a um conjunto de entidades (nomeadamente aos 18 Municípios da AML). Sesimbra não emitiu qualquer parecer. Nada. Aparentemente Sesimbra está bem, com o que não tem. 

Sesimbra limitou-se a publicitar na sua página oficial na internet, a consulta pública que decorreu até ao passado dia 24 de Julho. Nenhuma informação ou esclarecimento ou posição sobre esta matéria foi avançada pelo executivo municipal. Nenhum debate/análise foi efectuado pela Assembleia Municipal. Zero. 

E o que define o «Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável da Área Metropolitana de Lisboa»? Um conjunto de projectos e medidas que visam (e cito) “melhorar a acessibilidade no contexto metropolitano e nas suas zonas urbanas, promovendo uma mobilidade sustentável, segura e eficiente para os cidadãos e mercadoria” e, simultaneamente, “impulsionar o desenvolvimento económico da região, posicionando-a como uma capital europeia sustentável”. Porque “a mobilidade em 2035 servirá para interligar os municípios da AML tendo em conta as condicionantes socio territoriais e o risco de exclusão que os municípios mais distantes de Lisboa têm para o seu desenvolvimento urbano”, sendo que “o combate à exclusão territorial terá de equacionar uma rede de transportes públicos extensa e abrangente, com destaque para linhas férreas e alternativas elétricas, garantindo equidade de oportunidades para todos.” 

Sesimbra está no canto da AML e assim irá continuar. Não existe uma única medida, um único projecto no Concelho de Sesimbra. Nada. Apenas surgem identificadas quatro ideias (sujeitas a “estudos”, num futuro sem horizonte temporal) para “potenciais corredores” exclusivos para transportes colectivos (TCSP), nas ligações entre a “Quinta do Conde e Palmela” (que visa melhorar esta ligação) e, entre “Sesimbra e Seixal” (que visa a articulação com os nós ferroviários de Coina e Fogueteiro). Esses “potenciais corredores” (TCSP) assentam na EN 10 (Quinta do Conde – Palmela), na EN 378 (Vila de Sesimbra – Fogueteiro e, Santana – estação de Coina) e EN 379 (Santana – (Azeitão) – Quinta do Conde). 

Explicando de outra maneira: aparentemente irão ser realizados “estudos” para que, nos principais (e únicos) eixos rodoviários de acesso a Sesimbra, sejam implementados, definidos, delimitados, construídos, corredores exclusivos para transportes colectivos. Dizendo de outra forma: irão ser realizados “estudos” para alargar as estradas existentes no sentido de permitir a criação de uma nova faixa de rodagem destinada única e exclusivamente aos transportes colectivos. 

Estudos” esses que extravasam os limites territoriais de Sesimbra, uma vez que, por exemplo, toda a estrada que atravessa Fernão Ferro, será estudada para receber um potencial corredor (TCSP). (Assim como a Cotovia, Santana e a estrada que desce para a Vila de Sesimbra). E, para nascente, acontecerá o mesmo: toda a estrada que atravessa Sampaio e a Maçã (e entra no concelho de Setúbal, atravessando Azeitão) e até à Quinta do Conde (estação de Coina), será estudada para receber um potencial corredor (TCSP). 

Mas, perante estes “estudos” que deverão ser realizados, o PMMUS alerta desde logo que todos estes eixos rodoviários (excepto o pequeno troço da EN 10) carecem de “observação mais atenta”, face a “eventuais conflitos existentes do ponto de vista ambiental” perante a existência de “zonas de conservação nacionais e internacionais”. 

Ou seja, se os “estudos” a realizar verificarem “eventuais conflitos existentes do ponto de vista ambiental” perante a existência de “zonas de conservação nacionais e internacionais”, os “potenciais corredores” (TCSP) ficarão comprometidos. Dizendo de outra maneira: não existirão “corredores” (TCSP) e as estradas de acesso a Sesimbra continuarão exactamente como estão, indefinidamente. 

Em nenhum momento o «Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável da Área Metropolitana de Lisboa» identifica ou considera alguma das vias previstas no Plano de Acessibilidades do Concelho de Sesimbra. Nomeadamente as tão prometidas: “Estrada dos Almocreves”, “Nó de Negreiros” e “Variante ao Porto de Abrigo”. Nem tão pouco os eixos de ligação previstos nos Planos de Pormenor da Mata de Sesimbra. Nada. 

Acresce que, naquela medida que o PMMUS define para “melhorar a acessibilidade no contexto metropolitano e nas suas zonas urbanas, promovendo uma mobilidade sustentável, segura e eficiente para os cidadãos e mercadoria”, (nomeadamente o “Objetivo D7 – Ordenar a logística pesada, melhorar acessos e aumentar a capacidade das grandes interfaces e plataformas logísticas”), Sesimbra não é contemplada por nenhum projecto, nenhuma medida, nenhum objectivo, esquecendo por completo: 

  • O tráfego de veículos pesados que atravessam os espaços urbanos, que transportam pedra, brita e areias das diferentes pedreiras existentes no Concelho e que irão abastecer (digo eu) com matéria-prima de excelência, o conjunto de obras que o PMMUS identifica como projectos estruturantes da AML: novo aeroporto de Lisboa, linha de alta velocidade e a terceira travessia do Tejo.
  • O tráfego de veículos pesados que atravessam os espaços urbanos, que transportam o peixe daquele que é o principal porto do país em termos de volume de pescado transacionado e que, abastece a grande Lisboa. 
Não existe uma qualquer medida que vise ordenar e melhorar o que quer que seja sobre esta que é uma realidade identitária do Concelho de Sesimbra. 

Sobre a EN 377, que liga o Marco do Grilo à costa poente do Concelho (Lagoa de Albufeira e Meco), o PMMUS não lhe dedica uma única linha. Apesar de ter sido criada ligação entre a estação de Coina e a Praia do Meco (que atravessa a Lagoa de Albufeira), a EN 377 não merece qualquer tipo de “estudo”. 

O Concelho de Sesimbra, não existe neste «Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável da Área Metropolitana de Lisboa». Não basta prever linhas e horários de transportes colectivos se, os eixos de ligação de Sesimbra permanecerem exactamente como estão, dependentes de “estudos” (sem limite temporal definido) que consolidem ou não, quatro “Potenciais Corredores” (TCSP). 

Até porque o Concelho de Sesimbra tem três freguesias muito diferentes: 

  • A Freguesia da Quinta do Conde, núcleo urbano consolidado, densamente povoado, sendo que a esmagadora maioria da população trabalha noutros concelhos da AML; 
  • A Freguesia do Castelo, de baixa densidade e construção dispersa; 
  • A Freguesia de Santiago, com um núcleo urbano consolidado, num “fim de linha”, com praias seguras, património, cultura e gastronomia, assumindo-se naturalmente como destino turístico. 
Significa portanto que a solução ao nível de transportes colectivos será forçosamente diferente para cada uma das três freguesias de Sesimbra. Mas esta, claro, é apenas a minha opinião, de cidadã comum. Que, como sabemos, “vale o que vale”. 

O PMMUS contempla várias medidas e vários objectivos e vários projectos para núcleos urbanos consolidados, para núcleos de baixa densidade e para núcleos com forte impacto turístico. Mas não para Sesimbra e as suas três freguesias. Apenas dois exemplos do que o PMMUS propõe noutros concelhos da AML: 

  • Medida A-18 - Expansão do Metro sul do Tejo
    • O objectivo é o de aumentar a cobertura de transporte colectivo na margem sul (Sesimbra é na margem sul), considerando o potencial de ligação a áreas de elevada densidade populacional. 
  • Medida A-24 – Criação de oferta integrada de transporte flexível 
    • O objectivo é o de criar uma oferta de transporte flexível, nas áreas de menor densidade populacional, servindo populações periféricas nomeadamente para a mobilidade de pessoas idosas, com mobilidade reduzida ou com necessidades específicas de deslocação, assegurando o acesso a serviços essenciais como unidades de saúde, centros urbanos e equipamentos públicos. 
Resulta óbvio deste PMMUS que Sesimbra está bem com o que tem: uma Carris Metropolitana a ligar Sesimbra a outros concelhos e que, na época de férias de verão, garante o acesso em massa, especialmente ao centro da Vila de Sesimbra e às suas praias. 

Mas verdade seja dita: a Carris Metropolitana criou uma “Área 3 – Linhas que te levam às praias” para os concelhos de Almada, Sesimbra e Seixal. E se o Seixal tem apenas praias fluviais, Almada tem a extensão de praias da Costa da Caparica. E Sesimbra tem, na sua Vila sede de concelho, as praias mais seguras da AML e, na costa poente, as praias do Meco. 

E o que diferencia Almada de Sesimbra, em termos de “linhas que te levam às praias”? A localização dos respectivos terminais rodoviários. 

No concelho de Almada, na Costa da Caparica, o terminal rodoviário é na «torre das argolas». Direi que a praia mais perto fica a cerca de 2km a pé. E, as praias que se desenvolvem ao longo da Costa até à Fonte da Telha, ficam a mais de 4km a pé, num caminho irregular em terra batida e onde o pó impera. Almada assegura o transporte metropolitano até ao terminal rodoviário e, a partir daí, é andar a pé. São no mínimo 4km diários a pé (ir e vir). 

E em Sesimbra? 

Para quem apanhar a linha que liga a estação de Coina às praias do Meco, o ‘terminal’ mais ou menos improvisado é junto ao restaurante «Caramelo», naquele descampado no cruzamento que segue para a Aldeia do Meco ou para a praia do Moinho de Baixo. Ou seja, o terminal para as praias do Meco está fora do perímetro urbano da Aldeia e a cerca de 1km, a pé, do areal. E se para baixo todos os santos ajudam, para cima não será bem mesma coisa. 

Mas para quem apanhar um dos vários autocarros, das várias linhas da Carris Metropolitana, que terminam no indescritível terminal no centro da Vila de Sesimbra, estará no centro urbano e a menos de 500 metros das praias, num caminho plano e de fácil acesso. Parece-me que a escolha será óbvia para aqueles que elegem as praias da Vila de Sesimbra como destino diário de verão. 

O que falta a Sesimbra é uma qualquer visão. Sesimbra continua parada, à espera não se sabe do quê. E pior: a nível municipal, não apresenta nada sobre o que quer que seja relacionado com acessos, estacionamento e o inqualificável terminal rodoviário na Vila de Sesimbra. Ora aqui está um bom tema de debate para estas eleições autárquicas que se aproximam. 

Urge pensar no território que é uno mas diferente e diferenciado. E até aproveitar, no caso da Vila de Sesimbra, uma das medidas do PMMUS relativamente ao turismo e que visa regular o acesso de autocarros (turísticos) aos centros urbanos consolidados, criando áreas especificas para estacionamento, embarque e desembarque. No caso da Vila de Sesimbra, passará por retirar o terminal da Carris Metropolitana do centro urbano da Vila, numa ideia altamente polémica e susceptível de causar as maiores reacções contra: 

  • Para as linhas que seguem pela estrada da Mata: 
    • localizar o terminal da Carris Metropolitana na Carrasqueira; 
  • Para as linhas que seguem pela estrada da Maçã: 
    • localizar o terminal da Carris Metropolitana na Maçã. 
Termino dizendo que, com surpresa, fiquei a saber através do PMMUS que existe um plano de mobilidade e uma visão estratégica municipal (desde 2013), denominado “Plano de Mobilidade e Transportes Intermunicipal da Área de Influência da Terceira Travessia do Tejo” e que abrange os concelhos do Barreiro, Moita, Palmela, Seixal e Sesimbra. Há coisas fantásticas. 

E igualmente surpreendente, pelo menos para mim (e confesso que tenho andado desatenta sobre esta matéria), Sesimbra merece destaque neste PMMUS numa única matéria: a rede ciclável. Então não é que Sesimbra se destaca por prever a consolidação de cerca de 210km de rede ciclável no Concelho? 

Estou ansiosa por ver esta consolidação. Espero que não venha a resultar numa rede ciclável igual àquela que foi executada entre o Parque Augusto Pólvora e a «rotunda dos espadartes» (para já não falar na fantástica rede ciclável que foi consolidada na estrada que vai para o Cabo). 

O «Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável da Área Metropolitana de Lisboa» nada acrescenta ou resolve ou propõe para Sesimbra. Sesimbra continuará no canto da AML, isolada e desarticulada com os eixos rodoviários e ferroviários que a circundam e que a ligariam de facto à Área Metropolitana de Lisboa. 

Diz o PMMUS que “a mobilidade em 2035 servirá para interligar os municípios da AML tendo em conta as condicionantes socio territoriais e o risco de exclusão que os municípios mais distantes de Lisboa têm para o seu desenvolvimento urbano”. Mas não no caso de Sesimbra. Sesimbra fica, neste PMMUS, exactamente como está. 

O combate à exclusão territorial” ao “equacionar uma rede de transportes públicos extensa e abrangente, com destaque para linhas férreas e alternativas elétricas, garantindo equidade de oportunidades para todos” exclui desde logo o Concelho de Sesimbra. 

Que o novo executivo que vier a resultar das próximas eleições, consolide de facto, o Concelho de Sesimbra na Área Metropolitana de Lisboa, deixando de ser, no caso da Carris Metropolitana, apenas um espectador-pagador. 






FONTE DA 1ª. IMAGEM: lisboaparapessoas.pt

FONTE DA 2ª IMAGEM: «Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável da Área Metropolitana de Lisboa» – extracto da “Figura 4-6 – Potenciais Corredores TCSP na amL (em estudo)”, constante na página 57 do “Relatório de Avaliação Ambiental Estratégica – Entregável A3.II” – 5 de Junho de 2025.

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