O MAIOR ATENTADO DE SEMPRE NO MECO – RELATÓRIO DA CONSULTA PÚBLICA
Já li dezenas e dezenas (para não dizer centenas), de relatórios de consultas públicas promovidas por Câmaras Municipais e outras entidades (como por exemplo a APA, o ICNF ou a CCDR), sobre as mais diversas matérias. Esses relatórios têm como objectivo agrupar o conjunto de participações recebidas no âmbito da consulta pública, enquadrando-as na matéria objecto de consulta e sintetizando aquelas que são as opiniões concordantes e discordantes. Na esmagadora maioria das participações que os relatórios avaliam, são postas em causa as propostas sujeitas a consulta pública, nomeadamente os pareceres e fundamentos técnicos que as sustentam, levando a que, em muitos casos, sejam efectuadas outras diligências (por parte de quem participa na consulta pública) como por exemplo, apresentação de queixas a outras entidades (que não as que promovem a consulta pública) alegando o incumprimento de um sem número de normas legais em vigor. Não cabe ao redator (que é sempre, mas sempre, identificado) do relatório da consulta pública, emitir ele próprio um parecer ou opinião sobre as participações recebidas. No entanto, casos há em que, os redatores do relatório são, eles próprios, os autores da proposta sujeita a consulta pública (como por exemplo, os planos especiais de ordenamento ). Nesses casos, o relatório avança desde logo para uma decisão, respondendo apenas sobre a matéria objecto da consulta e aceitando ou descartando, as sugestões/propostas apresentadas no âmbito da consulta pública promovida. O relatório é por isso um documento sintético e objectivo que não cai em considerações sobre matérias que não se enquadram no âmbito da consulta realizada. Mais: o relatório não é, como é óbvio, um documento político ou politizado. E porque o relatório é público e resulta de uma consulta pública, onde qualquer cidadão ou organização ou associação ou entidade, pode participar publicamente, são sempre, mas sempre, anexadas as participações realizadas. Melhor explicando: o cidadão ou organização ou associação ou entidade que participa numa consulta pública fá-lo publicamente. Ou seja, as suas participações são, também elas, públicas.
Confesso que nunca tinha lido um relatório de uma consulta pública como aquele que é o «Relatório» da consulta pública (elaborado pela Câmara Municipal de Sesimbra e não identificando o redator do mesmo) daquele que será o maior atentado de sempre no Meco. O ‘redactor’ (que não é identificado e que identificarei como ‘redactor anónimo’), talvez por o «Relatório» ter sido solicitado pela Assembleia Municipal («Comissão 2») respondeu às questões levantadas nas participações recebidas no âmbito da consulta pública (e que, sendo públicas, não foram disponibilizadas publicamente), como se estivesse a interpelar a mesa da Assembleia Municipal em «defesa da honra».
O que se esperava era que o 'redactor anónimo' sintetizasse e, ao responder, respondesse sucinta e objectivamente sobre as questões colocadas, e não com “verdades de La Palisse” e respostas politizadas, que transformam o «Relatório» num documento político.
Uma consulta pública promovida nos termos do RJUE resulta na elaboração de um relatório que segue, com as devidas adaptações, o definido pelo RJIGT. Assim, compete à Câmara Municipal ponderar “as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente” (e cito apenas uma das alíneas) “a desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis”. Não cabem no relatório outras considerações que extravasem a matéria objecto de consulta pública.
E o que diz o «Relatório» produzido pela Câmara Municipal de Sesimbra relativamente à consulta pública promovida sobre a “OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO DE EMPREENDIMENTO TURÍSTICO – IDILUS”?
1. As “verdades de La Palisse”:
- “É uma opinião legítima (…)”
- “(…) todos os pareceres técnicos emitidos no âmbito das competências conferidas à DAPIM são elaborados por profissionais qualificados e habilitados para o efeito.”
2. A «defesa da honra» e as respostas politizadas:
- “(…) é de referir que o modo como o exponente formula as apreciações que faz sobre a matéria das cedências pretende inculcar a ideia de que há uma vontade deliberada da Câmara Municipal ou dos serviços municipais de beneficiar indevidamente a requerente, o que é infundado e inaceitável.”
- “(…) a intenção deste contributo é suscitar uma debilidade procedimental suscetível de afetar a validade da deliberação final da Câmara Municipal, não merece a mesma acolhimento.”
- "(…) é de sublinhar que todos os pareceres técnicos emitidos no âmbito das competências conferidas à DAPIM são elaborados por profissionais qualificados e habilitados para o efeito.”
- “(…) não é sufragada pela estratégia de desenvolvimento local vertida no Plano Diretor Municipal de Sesimbra, que admite/prevê empreendimentos turísticos naquele local.”
3. O esclarecimento esclarecedor:
- “Relativamente à estranheza manifestada pela ausência do parecer da Diretora do Departamento de Ordenamento do Território e do Urbanismo (DOTU), cumpre esclarecer que o procedimento de licenciamento em apreço nesta consulta é conduzido pela Divisão de Acompanhamento de Projetos de Interesse Municipal (DAPIM), que na atual Estrutura Orgânica da Câmara Municipal de Sesimbra, é uma unidade orgânica diretamente dependente do executivo municipal. Portanto, não há qualquer relação hierárquica entre a Diretora do DOTU e a Chefe da DAPIM, que justifique a intervenção da Diretora neste procedimento (…)”.
Confesso que perante este esclarecimento, fui ler a atual Estrutura Orgânica da Câmara Municipal de Sesimbra. E relativamente às competências do DOTU e da DAPIM, as mesmas seguem, como é óbvio, o definido pelo RJUE, em termos de ''Ordenamento do Território e Urbanismo'.
São 13 as competências da DAPIM. Atente-se na competência consagrada na alínea d) do artigo 89º. e que transcrevo parcialmente:
“Assegurar a tramitação dos pedidos de informação prévia e os procedimentos de controlo prévio e de comunicação prévia relativos a operações urbanísticas para instalação de empreendimentos turísticos (…)”
Ou seja, à DAPIM compete assegurar a tramitação de procedimentos de :
- “Controlo Prévio” (Capítulo II do RJUE).
- “Pedidos de Informação Prévia” (Subsecção II do Capítulo II do RJUE)
- “Comunicação Prévia” (Subsecção V do Capítulo II do RJUE)
- “Licença” (Subsecção III do Capítulo II do RJUE)
- “Autorização” (Subsecção IV do Capítulo II do RJUE)
“Assegurar a tramitação dos procedimentos de controlo prévio relativos à urbanização e edificação, de acordo com as normas aplicáveis e princípios de gestão urbanística definidos para o Concelho”.
É o DOTU que assegura a tramitação de todos os procedimentos de controlo prévio, sendo exclusivamente da sua competência, os relativos a “Licença” (Subsecção III do Capítulo II do RJUE) e “Autorização” (Subsecção IV do Capítulo II do RJUE).
E assim sendo, a DAPIM ao depender exclusivamente do executivo municipal, analisa apenas “Pedidos de Informação Prévia” (Subsecção II do Capítulo II do RJUE) e “Comunicação Prévia” (Subsecção V do Capítulo II do RJUE), que resultam de loteamentos aprovados pelo DOTU (ou de planos de pormenor ou unidades de execução em vigor).
Ora no caso presente trata-se, conforme afirma o ‘redactor anónimo’ do «Relatório», de uma “Operação de Loteamento Turístico para o empreendimento turístico Reserva Idilus”, sendo que a “requerente do pedido de licenciamento , é a sociedade Idilus” (o sublinhado é meu).
Ou seja, quem tem a competência para acompanhar pedidos de licenciamento é o DOTU e, assim sendo, nos termos da actual estrutura orgânica, está em falta o parecer do DOTU, nomeadamente da Directora do Departamento.
Direi até que os pareceres emitidos pela DAPIM, relativamente a este procedimento, estarão feridos de validade porquanto não se enquadram nas suas competências.
Significa portanto que, qualquer empreendimento turístico que siga o procedimento relativo a “Licença” (que seja um pedido de licenciamento e não, uma comunicação prévia) é competência exclusiva do DOTU.
E porque o post já vai lonnnnngo, termino apenas referindo o seguinte sofre as afirmações do ‘redactor anónimo’ do «Relatório»:
“As condições e os parâmetros de cedências foram fixados na deliberação sobre o pedido de informação prévia, datada de 26 de agosto de 2020, que foi favorável condicionada à avaliação de impacte ambiental. Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJUE a informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento. Ora, a atual redação do n.º 1 do artigo 43.º do RJUE, que estabelece a cedência gratuita ao município de parcelas para implantação de habitação pública, a custos controlados ou para arrendamentos acessível entrou em vigor a 04 de março de 2024, portanto posteriormente à deliberação da informação prévia favorável condicionada.”
De facto assim é. A “cedência gratuita ao município de parcelas para implantação de habitação pública, a custos controlados ou para arrendamentos acessível entrou em vigor a 04 de março de 2024”. Mas, “as condições e os parâmetros de cedências foram fixados na deliberação” tomada a 26.Agosto.2020, (4 anos antes desta obrigatoriedade). E, “nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJUE a informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento” pelo que, o que está deliberado na PIP aprovada a 26.Agosto.2020, é o que é.
E o que vigorava antes de 4 de Março de 2024? O Decreto-Lei nº. 136/2014 (que procedeu à 13ª. alteração do RJUE e entrou em vigor a 7 de janeiro de 2015). E o que dizia o então artigo 17º. (que só veio a ser alterado a 4 de Março de 2024)?
Pasme-se!
(transcrevo parcialmente o ponto 3 do artigo 17º. – o mesmo que no seu ponto 1, estabelece que a informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento):
“O pedido de licenciamento ou a apresentação de comunicação prévia a que se refere o número anterior deve ser efectuado no prazo de um ano após a decisão favorável do pedido de informação prévia (…)”.
Ou seja: a decisão favorável sobre a PIP, que fixou “as condições e os parâmetros de cedências”, data de 26.Agosto.2020. O que significa que o pedido de licenciamento deveria ter ocorrido até Agosto de 2021. Mas, a 23.Junho.2021, a Câmara aprova uma alteração à PIP aprovada em 2020 (que não alterou nenhuma das “condições e os parâmetros de cedências" estabelecidos na deliberação de 2020). Numa interpretação muito, mas mesmo muito livre, o pedido de licenciamento deveria ter ocorrido até Junho de 2022.
Ora o projeto da operação de loteamento, disponibilizado para consulta pública, corresponde, tal como afirma o ‘redactor anónimo’ do «Relatório», ao processo n.º 716/2023. Ou seja, o projeto da operação de loteamento data de 2023, sendo que foi entregue fora do prazo válido da PIP aprovada em 2020 (alterada em 2021) que fixou “as condições e os parâmetros de cedências”. Dito de outra maneira: a PIP caducou, deixou de existir, não é válida.
Significa portanto que nenhuma das “condições” e dos “parâmetros de cedências” estabelecidos em 2020, se encontram válidos e eficazes. Explicando de outra maneira: a deliberação que vier a ser tomada, terá de estar enquadrada e sustentada no Decreto-Lei nº. 10/2024, que vigora desde o dia 4 de Março de 2024. E assim sendo, haverá que cumprir, “o dever de ceder terreno para "habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível por força do n.º 1 do Artigo 43º RJUE”.
O «Relatório» produzido pela Câmara Municipal de Sesimbra relativamente à consulta pública promovida sobre a “OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO DE EMPREENDIMENTO TURÍSTICO – IDILUS” é uma mão cheia de nada. Nada esclarece. Nada acrescenta. E, ao fugir do âmbito da matéria em consulta pública, introduzindo novas informações nomeadamente sobre a estrutura orgânica da Câmara e a validade da PIP, levantou um conjunto de questões (nunca antes levantadas) que carecem de esclarecimento urgente. Até porque, o passo seguinte, como afirma o ‘redator anónimo’ do «Relatório» será a deliberação em reunião de Câmara.
Esperemos que o «Relatório» já tenha sido entregue à Assembleia Municipal e que a «Comissão 2» se pronuncie sobre o assunto, exija um parecer técnico devidamente fundamentado e esclarecedor da Directora do DOTU (que é quem tem competência para o efeito de acordo com a estrutura camarária) e, evite uma deliberação, com base numa PIP caducada, sobre aquele que será o maior atentado de sempre no Meco, a pouco mais de dois meses das eleições autárquicas.
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