No dia em que escrevo (17 de Abril) termina o prazo para a execução das obras de urbanização relativas ao loteamento aprovado para a Mata de Sesimbra que contempla (grosso modo) – para além do conjunto de infraestruturas necessárias ao próprio loteamento – a execução da Estrada dos Almocreves, a execução do nó de acesso à EN 378 e a execução de um depósito de água (cuja estrutura é visível e está abandonada há meses).
As obras de urbanização foram aprovadas unanimemente a 28 de Novembro de 2022, com um prazo de execução de 18 meses (ou seja, terminariam a 28 de Maio de 2024). Mas, a 17 de Julho de 2024 (50 dias depois do términus do prazo), o executivo voltou a deliberar (unanimemente) a prorrogação do prazo de execução das obras de urbanização, por mais 9 meses. Que terminam hoje, dia 17 de Abril de 2025. Facilmente se constata que nenhuma das obras de urbanização previstas foi executada. E importa referir que a prorrogação de um prazo para a realização de obras de urbanização, pode ser concedida apenas uma única vez (por metade do prazo inicial). Significa portanto que, o que está feito está feito e, o que não está feito fica por fazer. O que levanta algumas questões. Nomeadamente e porventura a mais importante: aquando da deliberação camarária que aprovou o loteamento, foram estabelecidas as condições de alvará (e definido o montante das respectivas taxas de licenciamento) sendo que o promotor beneficiou de uma redução no valor das taxas num montante superior a 2 milhões e 300 mil euros (porque iria executar obras consideradas estruturantes e que serviriam todo o concelho e não apenas o loteamento, como sejam a Estrada dos Almocreves, o nó de acesso à EN 378 e o depósito de água). Explicando melhor: o promotor não realizou as obras de urbanização que lhe competia e beneficiou de uma redução nas taxas (superior a 2 milhões e 300 mil euros) relativamente a obras que afinal, não executou. Dizendo de outra maneira: o promotor não pagou o que deveria ter pago, nem executou o que deveria ter executado.
Não havendo hipótese de prorrogar, mais uma vez, o prazo para a execução das obras de urbanização, significa que a licença está caducada, perdeu a validade, está extinta, não existe. Ou seja, o loteamento (e obras de urbanização) aprovado por unanimidade, a 28 de Novembro de 2022, para a Mata de Sesimbra, caducou. Direi que se trata de um “grand finale” para aquela que foi a deliberação de Câmara mais polémica de sempre, tomada por unanimidade pelo executivo municipal e questionada veementemente pelos deputados da Assembleia Municipal.
Importa lembrar que em Janeiro de 2023, foi desencadeada uma Acção Popular que visava anular o licenciamento deste loteamento. Até hoje, desconhecem-se os resultados da mesma, sendo evidente que nenhuma das forças políticas concelhias parece interessada em saber um qualquer ponto de situação sobre o desenrolar da mesma.
Acresce que, no início deste mês de Abril, um novo processo foi levantado sobre esta questão. Desta vez é um dos descendentes da família Espirito Santo que interpõe uma acção em Tribunal sobre o valor da venda das propriedades do Vale Bom e da Mó (conforme noticiou o jornal Público) por 1,5 milhões de euros e com um potencial construtivo superior a 50 mil metros quadrados. Dito de outra maneira: um dos descendentes da família Espirito Santo terá considerado que as propriedades do Vale Bom e da Mó foram vendidas por uma “pechincha”, face ao potencial construtivo. Explicando melhor: um dos descendentes da família Espirito Santo terá considerado que comprar a cerca de 30 euros cada metro quadrado de construção, “é um negócio da China” (quando o valor do metro quadrado de construção ronda os 2 mil euros). Significa portanto que uma propriedade com um potencial construtivo superior a 50 mil metros quadrados valeria, no mercado imobiliário, mais de 100 milhões de euros (e não 1,5 milhões de euros).
Direi que um processo como a “Mata de Sesimbra” estará sempre na ordem do dia: pela dimensão, pela localização, pela especulação, pela polémica que desencadeia. E muitas vezes, demasiadas vezes (desde 2017) pela falta de transparência de todo o processo, nomeadamente a nível local: até hoje não foram tornados públicos os contratos de urbanização firmados entre a Autarquia e os promotores da “Mata de Sesimbra” (sul e norte); até hoje nada se conhece sobre o Plano de Gestão Ambiental e a “sociedade gestora do fundo de conservação” que deveria praticar todos “os actos e operações materiais de conservação e gestão das áreas agrícolas e florestais”.
A verdade é que o processo caducou. E agora? Agora, a Câmara deveria deliberar a caducidade do processo, seguida de uma deliberação que promovesse o início da Revisão dos Planos de Pormenor da Mata (Sul e Norte), suspendendo, como é óbvio, qualquer tipo de operação urbanística até que a Revisão do PDM (que dura há 18 anos!) esteja publicada e que prevê (diz o Presidente da Autarquia) uma redução de 50% na possibilidade construtiva a aplicar aos Planos de Pormenor da Mata. Era isto que, na minha opinião, deveria acontecer. Para que se iniciasse uma nova discussão à luz dos valores do século XXI que estabelecessem as regras para a urgente Revisão dos Planos de Pormenor da Mata (Sul e Norte), com quase duas décadas.
Entretanto, e porque noutras entidades reina a transparência e a disponibilização de informação, a Área Metropolitana de Lisboa (AML) noticiou que a comitiva do Rio Grande do Norte (a mesma que foi recebida em Sesimbra e que recebeu, em Novembro do ano passado, a comitiva arrabidina) assinou um acordo técnico entre os portos de Setúbal e de Natal, na sequência do acordo firmado com os municípios arrabidinos. Diz a notícia que perante este acordo técnico, espera-se que (e cito): “tenham início ainda no final de maio, as primeiras travessias atlânticas de ligação dos dois portos” sendo que “anteriormente o destino preferencial desta rota comercial era o porto de Roterdão, nos Países Baixos, mais distante e com maiores custos”. Rota comercial que visa trazer para a Europa, através do porto de Setúbal, fruta produzida no Brasil. A mesma notícia avança que (e cito) “já foram iniciados contactos para futuros intercâmbios de professores e alunos” da área do turismo. Absolutamente fantástico. Perante a grandeza e impacto desta ligação atlântica na região arrabidina, onde se posiciona Sesimbra? Melhor perguntando: que mais-valia poderá retirar Sesimbra desta ligação atlântica (ao nível de investimentos, infraestruturas, turismo)? Relembro que o Presidente da Autarquia deu a conhecer as potencialidades da região à comitiva brasileira mas, não deu a conhecer aos portugueses e sesimbrenses este acordo, esta nova dinâmica e o impacto que irá ter na Península de Setúbal. Quais são as potencialidades de Sesimbra que poderão vir a competir com Setúbal e Palmela, que não fiquem resumidas apenas à «rota dos três castelos»? É que o protocolo que foi firmado entre as Câmaras arrabidinas e o Estado do Rio Grande do Norte (o protocolo é público, apesar de, como é apanágio, não ter sido disponibilizado pela Autarquia sesimbrense, está disponível na página oficial da Câmara de Setúbal), na minha opinião, é apenas um documento amigável de intenções, de eventuais parcerias que poderão vir (ou não) a ser celebradas em diferentes áreas, mas sem qualquer tipo de intenção ou acção formalizada. Em que área ou áreas Sesimbra se poderá projectar, no âmbito do protocolo celebrado?
É que no início deste mês de Abril, foi apresentado o projecto «Parque Cidades do Tejo»: “uma operação urbanística e infraestrutural que visa criar uma nova metrópole na Área Metropolitana de Lisboa” que abrange os concelhos de Almada, Seixal, Barreiro, Oeiras, Lisboa, Loures, Benavente e Montijo e que contemplará a construção de habitação, comércio, equipamentos culturais (nomeadamente a Ópera-Tejo), equipamentos turísticos, centro de congressos, actividades económicas ligadas à indústria naval, parque empresarial ecológico, actividades de recreio e lazer, expansão do metro, duas novas travessias do Tejo, linhas intermodais, linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, novo aeroporto Luís de Camões,…
Sesimbra está no canto da AML. Está no canto da Península de Setúbal. Na minha crónica de Setembro de 2022, referi que no âmbito dos estudos e análises que a TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa) tem vindo a desenvolver ao nível da mobilidade urbana na AML, Sesimbra não tem qualquer identificação de eixos rodoviários. Nem tão pouco daqueles que são considerados como fundamentais e prioritários e que, para além de estarem previstos desde 1998 no PDM, estão consagrados no Plano de Acessibilidades do Concelho de Sesimbra.
“Como é que Sesimbra se quer afirmar no contexto dos 18 municípios da região de Lisboa”, perante o «Parque Cidades do Tejo» e a ligação atlântica entre a cidade de Natal e a cidade de Setúbal? “Como é que Sesimbra se quer afirmar no contexto dos 18 municípios da região de Lisboa”, sem qualquer eixo de ligação aos principais eixos rodoviários e ferroviários, dependendo de duas Estradas Nacionais degradadas, sem perspectivas de um qualquer tipo de intervenção/reabilitação a curto prazo?
A falta de afirmação “no contexto dos 18 municípios da região de Lisboa” pode ser uma afirmação. A falta de estratégia pode ser uma estratégia. E até a falta de visão pode ser uma visão. Ora aqui está um bom tema para debater no Conselho Municipal do Turismo de Sesimbra (fica a sugestão).
Termino com três notas. A primeira:
Na reunião de Câmara do passado dia 2 de Abril, foram tomadas 28 deliberações. Na nova dinâmica introduzida no passado dia 5 de Fevereiro, do edital que publicitou a reunião apenas constam títulos, sem especificar absolutamente nada sobre cada um dos pontos a deliberar. Até hoje, o edital que publica e publicita as deliberações tomadas, não foi tornado público.
A segunda nota é sobre a reunião de Câmara realizada no passado dia 11 de Abril. Tratou-se de uma reunião extraordinária e, desta vez, como é óbvio, pública e de porta bem aberta. Porque as reuniões dos órgãos deliberativos e dos órgãos executivos são, obrigatoriamente, públicas; sejam ordinárias ou extraordinárias. Até parecia que a dinâmica instituída neste mandato tinha desparecido. Nada mais errado: no próximo dia 22 de Abril, irá ser realizada nova reunião extraordinária, de porta fechada, em segredo, não pública. Será a décima primeira vez em 50 anos de democracia. Lamentável. E do que consta a ordem de trabalhos? Apenas dois pontos: o primeiro para deliberar anular o procedimento e revogar a deliberação de dia 2 de Abril relativa ao concurso público para o desenvolvimento da escola a tempo inteiro; o segundo para deliberar a abertura de novo procedimento de concurso público para o desenvolvimento da escola a tempo inteiro. E porque é que um procedimento é anulado para ser aberto um novo? Ninguém tem nada que saber. Viva a democracia. Pergunto-me quem é que decide quais os assuntos que são deliberados em segredo, à porta fechada? E quem é que decide quais os assuntos que são deliberados publicamente e de porta bem aberta?
A terceira nota:
Consecutivamente o executivo camarário tem vindo a agradecer aos funcionários da Autarquia o desempenho decorrente das suas actividades profissionais. São por norma, quase sempre os mesmos a serem referenciados. Não tenho nada contra (antes pelo contrário) que o executivo camarário agradeça o desempenho competente e dedicado dos profissionais que integram os quadros camarários. Mas tenho uma sugestão: que antes do final deste mandato, o executivo camarário em funções, agradeça também a todos os outros profissionais que nunca são referenciados. Por exemplo os profissionais: dos recursos humanos; dos serviços jurídicos; dos serviços de ordenamento do território e urbanismo; das actividades económicas; da educação; dos serviços de habitação, acção social e saúde; da cultura; do desporto; dos serviços de fiscalização; dos serviços de bem-estar animal e de segurança alimentar; dos serviços de candidaturas; dos serviços de contratação pública; dos serviços de informática. Porque são todos os profissionais dos quadros da Autarquia que fazem a máquina funcionar. Com ou sem vereadores, avençados, assessorias, secretários ou adjuntos.
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