E O GOVERNO CAIU

Vamos aos factos: 

  • um jornal faz capa com a empresa do Primeiro-Ministro, levantando uma série de dúvidas; 
  • o Primeiro Ministro ‘desaparece’ e decide não responder; 
  • nos dias seguintes, há um crescente de perguntas, dúvidas, suposições, considerações; 
  • o Primeiro-Ministro não responde e informa que dará esclarecimentos apenas na Assembleia da República (AR); 
  • na AR, no debate quinzenal, elenca um conjunto de informações da sua vida privada, mostrando cadernetas prediais e divulgando os valores patrimoniais de três ou quatro terrenos que possui no norte do país e afirma que a empresa não é dele: é da mulher e dos filhos; 
  • não responde a nenhuma das perguntas colocadas (nomeadamente sobre quem são os clientes da empresa) e explica que se trata de uma empresa que foi criada para gerir o património da família; 
  • é conhecido o objecto da empresa que afinal não se destina a gerir o património familiar; 
  • surgem os nomes de 4 dos clientes da empresa do Primeiro Ministro; 
  • nova onda crescente de perguntas, dúvidas, suposições, considerações; 
  • primeira moção de censura é apresentada pelo Chega e, rejeitada;
  • o Primeiro Ministro responde (na sua opinião) a todas as perguntas que lhe foram colocadas e, os restantes partidos representados no parlamento respondem que (nas suas opiniões) o Primeiro Ministro não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram colocadas; 
  • novas notícias divulgam valores de avenças pagas à empresa do Primeiro Ministro (que ele diz que não é dele mas que tem a sede social na sua casa e o número de telefone é o do próprio), apartamentos adquiridos a pronto e pagos com dinheiro distribuído por 10 contas bancárias diferentes (para que as transferências não sejam superiores a 50 mil euros), contas gastas num hotel, clientes da empresa ligados ao PSD, investigação da Procuradoria Geral da Republica, procedimento iniciado pela Ordem dos Advogados para aferir se a empresa, sem ter advogados, exerceu algum acto próprio e exclusivo de advogados, … e nunca mais acaba… 
  • nova moção de censura é apresentada pelo PCP e, rejeitada; 
  • PS anuncia que, à falta de respostas do Primeiro-Ministro, vai solicitar a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o assunto; 
  • o Primeiro-Ministro anuncia que irá apresentar uma moção de confiança no parlamento; 
  • o PS reafirma (o que sempre disse desde o inicio desta legislatura, verdade seja dita) que votará sempre contra uma moção de confiança; 
  • o Chega revela igualmente que irá votar contra a moção de confiança: 
  • nova onda de perguntas, dúvidas, suposições, considerações; 
  • o Primeiro-Ministro mantém a moção de confiança sabendo que PS, Chega, PCP, BE, Livre e PAN irão votar contra, sendo que, com este cenário, o governo cai; 
E chegamos ao dia de ontem. Um Parlamento transformado num recreio, onde dois dos miúdos da primária, esticaram a corda até ao limite, na esperança de que um recuasse. O problema é que nenhum recuou. 

E porquê? Porque não podiam: 

  • Se o Primeiro-Ministro tivesse recuado e retirado a moção de confiança (que sabia desde o inicio que iria ser rejeitada), o assunto da empresa estaria sempre em cima do debate politico porque, na opinião do Primeiro-Ministro, já tinha respondido a tudo mas, na opinião da esmagadora maioria dos deputados eleitos, não tinha respondido a nada. 
  • Se o PS tivesse mudado de opinião e, ao invés de votar contra a moção de confiança se tivesse abstido, estaria a validar, a apoiar, a permitir com o seu ‘nim’, a continuidade de um governo que o aglutinaria enquanto oposição. Essa mudança de opinião do PS estaria sempre em cima do debate político e seria usado por tudo e por todos em todos os momentos. 
Mas o que se assistiu ontem ainda é mais desesperante. Para o Primeiro-Ministro. Porque ao ver que o PS não recuaria naquela que era a sua posição desde o início desta legislatura, propôs uma reunião à porta fechada, apenas com o líder do PS, para que os dois sozinhos tentassem ultrapassar a questão. 

Ou seja, a sessão do parlamento ficava suspensa e um deputado de 230 deputados, reunia com o Primeiro-Ministro e resolvia a questão. Ora como é óbvio, a esmagadora maioria dos deputados eleitos não concordou com o pedido e o mesmo foi recusado. Desde quando é que se fazem reuniões à porta fechada para decidir um assunto público onde todos têm o direito, o dever e a obrigação de participar? 

E o próprio PS afirmou: não participa em reuniões privadas para decidir matérias que são públicas (e permitam-me um aparte local: é curiosa esta posição do PS nacional perante as dez reuniões realizadas pelo executivo municipal, à porta fechada - para decidir sobre matérias que são públicas – e em que o PS local participou; adiante). 

E o que se assistiu em seguida? O Primeiro-Ministro propõe retirar a moção de confiança se o PS não avançar com a CPI. E pergunto eu: mas o que é que tem a ver uma coisa com a outra? Uma coisa é uma moção de confiança, apresentada pelo governo que, sendo rejeitada, dissolve o parlamento. Coisa bem diferente é uma CPI, que visa esclarecer o que se julga que carece de esclarecimento e que, ficando esclarecido resulta em apenas duas situações: o relatório é arquivado porque não há indícios de coisa nenhuma ou, o relatório é enviado ao Ministério Público porque há indícios de alguma coisa. 

O que resulta óbvio é que o Primeiro-Ministro entende já ter dado as respostas todas e por isso, não concorda com uma Comissão Parlamentar de Inquérito. E por isso, seria uma forma de não recuar sozinho. Explicando melhor: o PS desistia da CPI e, o Primeiro-Ministro desistia da moção de confiança. Mas o PS não aceitou. 

E nova proposta do governo: a moção de confiança é retirada se a duração da CPI for apenas de 15 dias (ao contrário dos 90 dias definidos pelo PS). E o PS não aceita. 

Os trabalhos são suspensos durante uma hora. E nessa hora, ficamos a saber que o Primeiro Ministro fez nova proposta: a moção de confiança é retirada se a CPI terminar até ao dia 30 de Maio (ou sejam, 80 dias ao contrário dos 90 dias definidos pelo PS). E o PS não aceita. 

E a moção de confiança é rejeitada, o governo cai, o parlamento é dissolvido, e Portugal vai para eleições legislativas porque os dois miúdos do recreio, esticaram a corda. 

E por 10 dias de uma CPI, mais de 25 milhões de euros dos nossos impostos vão ser gastos em eleições legislativas antecipadas. Nem há palavras. 

  • O governo caiu porque alguma coisa de grave aconteceu?
    • Não. O governo caiu porque mais 10 dias de uma CPI o fizeram cair. 
  • O governo caiu porque alguma coisa de grave aconteceu? 
    • Não. O governo caiu porque o Primeiro-Ministro decidiu apresentar uma moção de confiança quando sabia à partida que 142 dos 230 deputados (ou seja, a maioria) iriam votar contra. 
  • O governo caiu porque alguma coisa de grave aconteceu?
    • Não. O governo caiu porque o Primeiro-Ministro e o PS decidiram manter as suas posições até ao fim (e que todos sabiam o que iria ser). 
  • Algum português consegue perceber porque é que isto chegou a este ponto? 
    • Não. Os portugueses estão mais preocupados com outros assuntos do que com a empresa do Primeiro-Ministro e com a CPI para ver perguntas respondidas. 
  • Algum português quereria ser chamado para votar, outra vez, num governo? 
    • Não. O que os portugueses queriam era gente adulta à frente do país. 
E durante este período e até às eleições, apenas um aparte: que o Primeiro-Ministro aproveite estes dois meses para esclarecer e resolver o que quer que seja que tenha de ser esclarecido e resolvido sobre a empresa que diz não ser sua, para que o assunto não volte ao debate, depois dos resultados eleitorais, e contamine novamente tudo e todos.

Vários cenários para a coligação AD: 
  1. A coligação AD vence com maioria absoluta, contaminando positivamente (com essa vitória) os prováveis resultados das eleições autárquicas.
  2. A coligação AD vence sem maioria absoluta. Fica tudo igual ou pior, sendo que os prováveis resultados das eleições autárquicas serão uma incógnita. A CPI inicia os seus trabalhos e vamos andar nesta conversa sobre a empresa durante meses e meses… ou até Outubro com a apresentação do orçamento de estado e a possível nova queda do governo… 
  3. A coligação AD perde, contaminando negativamente (com essa derrota) os prováveis resultados das eleições autárquicas. É o fim do líder do PSD e outro virá a ser eleito para o seu lugar. E é também o fim do Primeiro-Ministro que, permanecerá no parlamento enquanto deputado ou, voltará para empresa que diz não ser sua, através de uma avença que provavelmente irá ter com a empresa que diz ser, agora, apenas dos filhos. 
Vários cenários para o PS: 
  1. O PS vence com maioria absoluta, contaminando positivamente (com essa vitória) os prováveis resultados das eleições autárquicas. (E permitam-me um aparte local: neste cenário, será que o PS local manterá os seus candidatos já apresentados, nomeadamente para a presidência camarária?) 
  2. O PS vence sem maioria absoluta mas, contaminando igualmente e positivamente (com essa vitória) os prováveis resultados das eleições autárquicas. Terá a esquerda uma maioria parlamentar que permita uma nova geringonça? Haverá CPI se o ainda Primeiro-Ministro permanecer apenas como deputado? 
  3. O PS perde, contaminando negativamente (com essa derrota) os prováveis resultados das eleições autárquicas. É o fim do líder do PS e outro virá a ser eleito para o seu lugar. 
A verdade é que esta brincadeira nos vai custar a todos mais de 25 milhões de euros. É muita massa para esticanços de corda entre dois miúdos. 

Termino apenas com uma certeza: o resultado das eleições legislativas do próximo mês de Maio será da responsabilidade única e absoluta do actual Primeiro-Ministro. Sejam os resultados considerados bons, menos bons, ou maus. 

E é da responsabilidade única e absoluta do actual Primeiro-Ministro porque foi ele e o seu governo, que se escudou em respostas que a maioria diz não responderem às perguntas; que permitiu o crescente de dúvidas, suposições, teorias e considerações; que misturou o cidadão com o político; que vitimizou a vida passada com a vida presente; que misturou a vida privada e particular com a vida política e pública; que resistiu a duas moções de censura e que, não satisfeito, avançou para uma moção de confiança que sabia, à partida, seria rejeitada. 

Esperemos que os portugueses, perante esta criancice, ainda acreditem na política, nos políticos, na democracia e não embarquem em extremismos e populismos.

FONTE DA IMAGEM: blogdoprisco.com.br

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