No dia em que escrevo, Donald Trump toma posse (pela segunda vez) como Presidente dos Estados Unidos da América. O mundo aguarda ansioso, expectante, por este novo mandato presidencial e consequente impacto na ordem estabelecida (social, económica, política). E a Europa, preocupada, com a sua aparente autonomia económica, vê-se confrontada com o apoio à Ucrânia “durante o tempo que for necessário”, com o financiamento da NATO (em mais 5% de todos os orçamentos nacionais), com o investimento num sistema de defesa europeu (menos dependente dos Estados Unidos), com o crescimento da direita conservadora e da extrema-direita, com a ameaça (ou devaneio) de perder a Gronelândia, com a suposição de uma possível aliança entre Trump e Putin, com Israel, com os palestinianos, com a emigração, com a recessão, com o fraco crescimento económico,…
Hoje, no dia em que toma posse, Trump será, tal como afirmou, “ditador por um dia”, marcando o início de um novo ciclo mundial. Entretanto, inicia-se em Davos mais um Fórum Económico Mundial e onde Trump terá o papel principal. Na Europa, os Ministros das Finanças de todos os países da União Europeia, discutem o impacto deste novo mundo liderado por Trump, na economia europeia e nacional.
Trump, nos próximos meses, ditará uma nova era que terá um forte impacto na Europa e nos países europeus. Numa Europa que sonha ser uma potência mundial mas que compete entre si: são 27 países diferentes, todos eles com sonhos, ambições e objectivos diferentes. Numa Europa que não sendo una, se divide e fragiliza perante potências mundiais avassaladoras. A utopia europeia que, como principio sonhado é grandiosa, vê-se fragilizada e ameaçada pelo “sonho americano” (guiado por Trump e Musk) que afirma, entre muitas outras promessas, “repor o patriotismo nas escolas americanas e acabar com as ideias de esquerda”.
A Europa enfrenta uma mudança estrutural, de fundo. E essa mudança irá sentir-se em todos os países. Portugal não é excepção: expostos às volatilidades do mundo, continuamos à beira mar plantados, num paraíso de paz que depende do sector do turismo como motor fundamental da sua frágil economia. E falamos na construção de um novo aeroporto com capacidade para 84 milhões de passageiros (até 2050), quase triplicando o número de passageiros actuais (cerca de 30 milhões). Mas não falamos do conjunto de infraestruturas, equipamentos, unidades hoteleiras, de alojamento e comerciais, que serão necessárias para acolher 84 milhões de passageiros. Nem falamos do impacto que esses 84 milhões de passageiros irão ter num país com pouco mais de 10 milhões de habitantes.
É um sonho grandioso, num país que não consegue utilizar as verbas do PRR para construir, por exemplo, habitação pública. É um sonho tornado objectivo, num país que não consegue gastar o dinheiro europeu nos prazos estabelecidos, arriscando-se a perdê-lo por inércia.
No caso de Sesimbra, (e falando apenas em habitação) o dinheiro europeu oriundo do PRR, fica-se pelos 15,24 milhões de euros para adquirir 86 fogos na Cotovia – dados do portal “Mais Transparência” (perante uma Estratégia Local de Habitação com um investimento superior a 54 milhões de euros).
O que me leva a abordar a deliberação da Assembleia Municipal (20.Dezembro.2024) sobre o Orçamento Municipal para 2025. Um mês depois da deliberação, os documentos ainda não foram tornados públicos (vá-se lá perceber isto) pelo que e apenas com base no que foi dito, parece que o executivo municipal fez menos do que poderia ter feito e que, fará neste últimos 9 meses mais do que fez em 3 anos de mandato. Mas existem três dados desta deliberação da Assembleia Municipal que merecem destaque:
- Depois de duas décadas, a bancada do PSD votou contra o Orçamento Municipal para 2025 (tal não acontecia desde a gestão PS entre 1998 e 2005). Passaram duas décadas (marcadas por sucessivos votos favoráveis).
- Pela sétima vez consecutiva, a bancada do PS absteve-se na votação. A última vez que votou contra um Orçamento Municipal foi em 2017.
- Pela quarta vez, numa década, a bancada da CDU aprova sozinha, o Orçamento Municipal para 2025.
A verdade é que a campanha eleitoral parece estar a arrancar. E nestes 9 meses que restam de mandato, há que tapar os buracos da miserável rede viária, lançar obras e construir equipamentos (nomeadamente na Quinta do Conde) e contrair empréstimos para satisfazer os desejos da população. Direi que são os 9 meses do tudo ou nada:
- Da CDU que, tapando os buracos da miserável rede viária, lançando obras e construindo equipamentos (nomeadamente na Quinta do Conde) e contraindo empréstimos para satisfazer os desejos da população, pensará conseguir apagar os últimos 3 anos em que não tapou buracos nem lançou obras, nem construiu equipamentos (nomeadamente na Quinta do Conde), nem contraiu empréstimos para satisfazer os desejos da população;
- Do PS que, abstendo-se na votação orçamental, poderá reclamar também, como seu, o trabalho de tapar os buracos, de lançar obras e construir equipamentos (nomeadamente na Quinta do Conde) e de contrair empréstimos para satisfazer os desejos da população.
Termino com três notas. A primeira:
O executivo municipal, em 50 anos de democracia, realizou por oito vezes reuniões em segredo, à porta fechada, e tomando deliberações. Repetiu o feito no passado dia 27 de Dezembro de 2024. Mas desta vez, no edital que publicitou, referiu apenas que a reunião era extraordinária e que se realizaria no edifício dos Paços do Concelho. O que, aparentemente, significaria que a reunião extraordinária (tal como a realizada no dia 9.Dezembro.2024) seria transmitida em directo pelos canais digitais. Nada de mais errado: não foi transmitida nem foi divulgada qualquer imagem da mesma. Tratou-se da nona vez, em 50 anos de democracia, que o executivo municipal reuniu à porta fechada, em segredo, e tomou deliberações.
E qual foi o motivo desta reunião à porta fechada? Deliberar em segredo sobre 12 pontos, do qual destaco apenas o primeiro: aprovar um Pedido de Informação Prévia (PIP) de um empreendimento turístico (apartamentos), composto por 26 unidades de alojamento e mais de 3 mil metros quadrados de construção distribuídos por 4 pisos, na Vila de Sesimbra. Aprovado por unanimidade. Ninguém sabe o que foi dito, o que foi perguntado, o que foi respondido. Provavelmente nada. É só mais um empreendimento turístico numa zona turística, ponto final. Ninguém tem de saber qual é a opinião do PS sobre este assunto, nem sobre a estratégia turística apontada para o Concelho, nem tão pouco dos impactos que esta nova viabilidade turística introduzirá no destino turístico que é a Vila de Sesimbra. Esperemos pelos programas eleitorais. Talvez neles venha expressa uma qualquer visão estratégica. Ou então esperemos (sentados, claro) pelo primeiro diagnóstico daquele Conselho Municipal de Turismo (constituído há 6 meses) e que iria dar o “pontapé de saída para nós termos uma estratégia.” Fará esta PIP parte dessa estratégia? Não sabemos. O que sabemos é que da deliberação tomada não constam o número de lugares de estacionamento a constituir e que, como sabemos, é coisa que não faz falta nenhuma na Vila de Sesimbra.
A segunda nota:
No último dia do ano (31de Dezembro), entrou em vigor uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (comummente denominado «Lei dos Solos») com efeitos imediatos no Concelho de Sesimbra:
- Fica suspensa, proibida, qualquer tipo de operação urbanística (construção de habitação, comércio, serviços, empreendimentos turísticos) em terrenos que sejam “urbanizáveis”.
Compete à Câmara emitir uma “Declaração” identificando as zonas que são “urbanas”, fazendo com que a suspensão nessas zonas, não ocorra. Compete à CCDR-LVT comunicar à Câmara quais são as zonas “urbanizáveis” onde a suspensão, a proibição acontece, até que a Revisão do PDM (que dura há 17 anos!) esteja concluída. Até lá, e desde o dia 31 de Dezembro, a alteração à «Lei dos Solos» é muito clara:
- Ficam suspensas automaticamente “as normas relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada, como tal classificadas nos planos territoriais em vigor, não podendo, nessa área e enquanto durar a suspensão, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a ocupação, uso e transformação do solo” (artigo 199º., número 3).
No passado dia 17 de Janeiro de 2025 (na sessão da Assembleia Municipal que visava avaliar a actividade municipal), o líder de bancada do PS referiu que tinham (e cito) “relatos de algumas situações de assédio moral e laboral na Câmara Municipal de Sesimbra” e questionou o executivo municipal se tinha (e cito) “conhecimento de que tem havido casos desses, se tem aumentado face ao passado e que acompanhamento é que está a ser dado a essas situações.”
O Presidente da Autarquia disse não ter ouvido nada e que (cito) “não chegou formalmente ao Presidente da Câmara, nem informalmente, nenhuma questão sobre essa matéria”. “Pelo menos nos últimos, nos últimos tempos”. Referiu ainda que a Câmara tem “uma linha e um e-mail especifico sobre essa matéria (…) para além do canal de denúncias interno que também temos”. E concluiu dizendo que ficava (e cito) “de facto confrangido quando esta questão é colocada desta forma quando aparentemente a Câmara não tem esse conhecimento. Volto a dizer: com canais que existem, directos, na própria organização.”
Parece-me que a gravidade expressa nas perguntas transmitidas pelo líder de bancada do PS não pode ficar resumida ao facto da Câmara deter canais internos que permitem efectuar a denúncia. Mais: não basta ao Presidente da Autarquia dizer que não ouviu nem lhe chegou formal ou informalmente qualquer questão sobre a matéria. Nem tão pouco dizer que se sente “de facto confrangido”.
Numa matéria como esta, a questão tem, obrigatoriamente de ser averiguada. E é o próprio “Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate do Assédio no Trabalho – Município de Sesimbra”, aprovado pelo executivo municipal, por unanimidade, a 9 de Maio de 2023, que assim o define logo no seu artigo 1º, quando refere que o mesmo se destina “a conhecer, prevenir, identificar, eliminar e punir situações e comportamentos susceptíveis de consubstanciar assédio em contexto laboral.”
E diz mais: “todos os que tenham conhecimento de práticas susceptíveis de indiciar situações de assédio ou de prática de assédio podem participá-las” (artigo 6º., número 3 do mesmo Código de Boa Conduta). E foi o que o líder da bancada do PS fez: ao ter “conhecimento de práticas susceptíveis de indiciar situações de assédio ou de prática de assédio” participou-as no sítio certo, directamente ao executivo municipal.
E, de acordo com o artigo 7º. do mesmo Código de Boa Conduta, “a denúncia, participação ou queixa, se meramente verbal, será reduzida a escrito” (número 3). O que será obrigatoriamente efectuado, uma vez que a questão foi abordada publicamente numa reunião pública entre os órgãos do poder local, da qual deverá resultar, para além da obrigatória Acta, uma comunicação formal e oficial entre a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal, no sentido de dar cumprimento ao definido pelo “Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate do Assédio no Trabalho – Município de Sesimbra”, aprovado e em vigor desde 2023, nomeadamente “a determinação de abertura de um procedimento de inquérito” (número 5 do mesmo artigo 7º.).
Não basta um ‘confrangimento’. Num universo de cerca de mil e quinhentos trabalhadores, esta é uma matéria demasiadamente grave que urge esclarecer, averiguar, para que, se forem apenas boatos, sejam eliminados. Mas se forem questões concretas, punir quem tiver de ser punido. Mesmo que este ano seja o ano de eleições autárquicas. Ninguém pode fechar os olhos ao que parece não ser apenas um rumor e que tem proporções tais que leva o líder do segundo partido mais votado nas eleições de 2021, a abordar directamente a questão em plena Assembleia Municipal.
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