Partilho aqui o meu artigo de opinião no Jornal "Raio de Luz" de Dezembro de 2024.
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E mais um ano que passou a correr. Num ápice, chegámos a Dezembro. E tanto que teria a dizer neste que é o mês de balanços e de análises. Mas é Natal. E assumindo o espirito natalício que me invade, vou apenas referir um dos assuntos que foi sujeito a deliberação executiva, na reunião de Câmara do passado dia 4 de Dezembro. Unanimemente, o executivo municipal aceitou o pagamento de taxas urbanísticas, não em numerário mas sim, em terrenos. Ou seja, perante uma divida monetária de quase 300 mil euros, a Câmara aceitou o pagamento desse montante através da entrega ao Município de duas propriedades na Quinta do Conde. Mas não são duas propriedades quaisquer. Uma (a mais pequena) corresponde aos lotes onde será construída a nova Unidade de Saúde da Quinta do Conde. A outra, com mais de 11ha, corresponde aos terrenos marginais à Avenida de Negreiros, à Estrada Nacional 10 e à Rua Rio Guadiana.
E sobre estes mais de 11ha, diz o Presidente da Autarquia que se trata de (e cito) “um grande espaço verde na Quinta do Conde” que ao invés “de recebermos as taxas urbanísticas desses lotes em dinheiro, vamos receber - uma coisa que tínhamos muito interesse também, portanto há aqui um interesse mútuo - toda essa parcela de terreno”. Terreno esse onde (e cito novamente) “chegámos a falar eventualmente, reposicionar a Feira Festa”.
Ora no terreno onde era realizada a Feira Festa, está a ser construído o Auditório e, uns metros mais acima do Auditório, será construída a Biblioteca. Significa portanto que no próximo ano a Feira Festa dificilmente será realizada naquele local porquanto estarão a decorrer estas duas obras. Há muito que se fala da Feira Festa passar para aqueles terrenos que agora foram aceites pelo Município como pagamento de taxas urbanísticas. E talvez por existir essa vontade, a Autarquia executou (no âmbito do programa de pavimentações iniciado em 2015 e, da requalificação concluída no inicio de 2017) dezenas de lugares de estacionamento ao longo da Rua Rio Guadiana e da Avenida de Negreiros.
Diz o Plano de Urbanização da Quinta do Conde que aqueles mais de 11ha fazem parte da “Estrutura Ecológica” definida sendo que, naquele espaço verde em concreto, podem existir (número 3 do artigo 23º do regulamento) “estruturas de recreio e lazer e de fruição do respectivo espaço, em função de necessidades devidamente justificadas, mas mantendo-se como de uso público e predominantemente verdes”.
E só porque é Natal, partilho aquele que poderia ser um programa para aqueles mais de 11ha que fazem parte da “estrutura ecológica” e para onde, “chegámos a falar eventualmente, reposicionar a Feira Festa”. É óbvio que podem ignorar e descartar o programa que sugiro. Mas fica aqui escrito: podem usar, se assim o desejarem, total ou parcialmente, o programa que defini. Só porque é Natal.
Começo com dois dados factuais.
O primeiro: a Organização Mundial da Saúde avançou que, para cada três habitantes, deverá existir uma árvore; e por cada habitante, uma área verde no mínimo com 10 a 15 metros quadrados.
O segundo: os Planos Locais de Adaptação às Alterações Climáticas (PLAAC-Arrábida/Sesimbra) identificam a Quinta do Conde como susceptível de sofrer ondas de calor excessivo, apontando como medida de adaptação (entre outras) a reflorestação, a arborização, o cultivo de canteiros de polinização e aromáticas, a criação de charcos vivos, a instalação de bebedouros e de abrigos para a fauna.
Assim, o programa será extremamente simples mas inovador. Haverá apenas que cumprir o definido pelo Plano de Urbanização da Quinta do Conde, numa solução que cumpra as medidas definidas pelo PLAAC-Arrábida/Sesimbra e que potencie a concretização dos valores mínimos definidos pela Organização Mundial de Saúde.
Sugiro que naquela área com mais de 11ha seja implementada e consolidada uma Floresta Miyawaki.
Trata-se de um conceito criado pelo botânico japonês Akira Miyawaki que tem como objectivo criar florestas com espécies autóctones, em áreas urbanas densamente consolidadas. São vários os exemplos que já existem em todo o mundo e Sesimbra, pode e deve consolidar uma área superior a 11ha num espaço repleto de biodiversidade.
A consolidação de uma Floresta Miyawaki contribui igualmente para o cumprimento dos ODS – Objectivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU:
- Envolvendo a comunidade no processo de criação e plantação, criando espaços de convívio e lazer (ODS 17);
- Dinamizando junto da comunidade escolar conhecimento sobre matérias como o desenvolvimento sustentável (ODS 4);
E, simultaneamente:
- Integrando o valor dos ecossistemas e biodiversidade no planeamento (ODS 15);
- Reduzindo os efeitos esperados e identificados relativamente ao impacto das ondas de calor (ODS 11);
- E sequestrando CO2 atmosférico (ODS 13).
Acresce que, em três anos, a Floresta Miyawaki deixa de depender de qualquer rega. Ou seja, a Floresta Miyawaki torna-se autossustentável.
Para a implementação e consolidação da Floresta serão definidas três regras de ouro que devem presidir à definição do desenho da própria Floresta:
Primeira regra de ouro:
Preservar o coberto arbóreo existente (pinheiros e sobreiros), sendo que apenas nos casos devidamente fundamentados (relatórios fitossanitários) serão admitidos abates.
Segunda regra de ouro:
Proibir podas-de-rolagem assim como a limpeza de ramos que transformem a forma natural das árvores em espanadores (cujo exemplo recente é visível na limpeza que a Autarquia efectuou aos pinheiros do Parque Augusto Pólvora, transformando aquilo que seriam copas volumosas em estreitos troncos despidos e encimados por espanadores de meia dúzia de ramos com agulhas verdes).
Terceira regra de ouro:
Adequar-se à realidade e valores naturais existentes e não, o inverso. Melhor explicando: ao contrário de abaterem as árvores todas para plantarem “melhores e mais bonitas”, o projecto respeitará as árvores existentes adequando-se às mesmas.
A Floresta Miyawaki contemplará:
- A combinação de diferentes espécies autóctones (herbáceas, arbustos, árvores) tais como alfazema, loendro, rosmaninho, tojo, medronheiro, urze, aroeira, pereira-brava, freixo, oliveira-brava, carvalho, sobreiro, pinheiro-manso, carrasco, azinheira, madressilva;
- A definição de zonas de canteiros de polinização;
- A definição de zonas de charcos (permanentes e/ou temporários) que potenciem ecossistemas diferenciados e catalisadores de biodiversidade;
- A criação de diferentes percursos pedonais, convidando à descoberta da floresta e evitando o pisoteio desregrado (definindo bordaduras de espécies arbustivas autóctones);
- A criação de uma zona de clareira que de inverno se poderá assumir como bacia de retenção de águas e que, no verão, permitirá a utilização do espaço com diferentes eventos (por exemplo a Feira Festa);
- A criação de zonas de estar e lazer, permitindo o convívio e a dinamização de diferentes iniciativas (por exemplo: educação ambiental);
- A criação de um anfiteatro natural, como parte integrante da floresta, onde poderão decorrer, de forma regrada, espectáculos e outras iniciativas susceptíveis de reunir um número elevado de público;
- A instalação de bebedouros e de abrigos e refúgios para insectos, aves, répteis e anfíbios;
- A instalação de iluminação não intrusiva que respeite a natureza, não a transformando numa fonte de luz nocturna (como aconteceu no Parque Augusto Pólvora – nos recentes ‘melhoramentos’ realizados pela Autarquia – que passou a ter uma iluminação nocturna visível da Estação Espacial Internacional).
A Floresta Miyawaki constituir-se-á como uma fonte reguladora de temperatura (atenuando o calor excessivo identificado no PLAAC-Arrábida/Sesimbra), diminuindo a poluição sonora (inerente das vias que circundam toda a área, da qual se destaca a EN10) e oferecendo um espaço verde público seguro, inclusivo, educacional e sustentável.
Existe a possibilidade de “eventualmente, reposicionar a Feira Festa” nestes mais de 11ha. Ora a Feira Festa, nas palavras do Presidente da Junta de Freguesia, é (e cito) “considerada a melhor do concelho de Sesimbra e uma das melhores do distrito de Setúbal”, reunindo num único espaço “divertimentos, uma boa gastronomia, stands comerciais e do movimento associativo e um cartaz artístico de grande qualidade”.
Que não seja a Feira Festa a definir a intervenção nestes mais de 11ha. Que sejam os mais de 11ha, consolidados numa ideia e num projecto, a definir como, onde e em que condições, a Feira Festa se poderá ali realizar.
Porque a Feira Festa são 10 dias. E os mais de 11ha estarão ali, 365 dias por ano, à espera, não da Feira Festa mas de uma intervenção qualitativa e ambientalmente sustentável.
Termino com uma nota:
Na minha crónica de Novembro referi a deliberação de Câmara tomada no dia 30 de Outubro (à porta fechada, em segredo, não pública, pela oitava vez em 50 anos de democracia) relativamente ao financiamento da construção da Biblioteca da Quinta do Conde, através única e exclusivamente dos cofres camarários, dos nossos impostos (tal como aconteceu com a construção do Auditório). Na mesma crónica referi que caberia agora à Assembleia Municipal viabilizar essa aprovação.
Ora a Assembleia Municipal reuniu extraordinariamente, no passado dia 29 de Novembro, e aprovou por unanimidade, o financiamento da Biblioteca da Quinta do Conde, recorrendo apenas aos cofres camarários, ao dinheiro dos nossos impostos.
Numa explicação adicional, o Presidente da Autarquia afirmou que, num quase (e cito) “exercício aritmético” a Autarquia conseguiu reprogramar o PRR “retirando a Biblioteca e colocando lá o Auditório. Portanto no essencial, a operação deixou de ter a Biblioteca. No PRR passou a ter o Auditório (…) portanto o dinheiro que se vai buscar ao PRR é exactamente o mesmo.”
Ou seja: o Auditório que se encontra em construção e que era financiado pelos cofres camarários, passou a ser financiado pelo PRR. A Biblioteca que seria financiada pelo PRR passou a ser financiada pelos cofres camarários. Um quase “exercício aritmético”. E assim, não há transferência de verbas (de outras obras, de outras iniciativas, de outras acções) porque os cofres camarários só irão financiar a Biblioteca sendo que o dinheiro do PRR “é exactamente o mesmo”.
Mas, no final da explicação adicional prestada pelo Presidente da Autarquia, o mesmo refere que e cito: “foi só um mecanismo para poder ter, para podermos vir potencialmente a ter o visto do Tribunal de Contas.”
Ou seja. Nada disto está aceite pelo Tribunal de Contas. É só um mecanismo “para podermos vir potencialmente a ter o visto do Tribunal de Contas.” E só porque é Natal, espero que o Tribunal de Contas esteja, tal como eu, imbuído de espirito natalício.
Caso contrário, o quase “exercício aritmético” da Autarquia resumir-se-á ao financiamento do Auditório e da Biblioteca, única e exclusivamente com recurso aos cofres camarários, ao dinheiro dos nossos impostos. Sem um único cêntimo do PRR.
Pergunto: seria o quase “exercício aritmético” da Autarquia efectuado, sem a garantia do visto do Tribunal de Contas se, por um acaso, 2025 não fosse ano de eleições autárquicas e se estes dois equipamentos não fossem na maior freguesia do concelho que decide eleições (Quinta do Conde)? Nunca saberemos.
Termino desejando a todos um feliz Natal e uns votos de boas entradas no novo ano de 2025!
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