Partilho aqui o meu artigo de opinião no Jornal "Raio de Luz" de Agosto de 2024.
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Não é nova a ideia de Sesimbra vir a construir uma Marina no seu território, potenciando a Vila como destino da náutica de recreio respeitando, obviamente, o porto de pesca e as suas actividades (marítimas e terrestres) e consolidando uma oferta turística de excelência, associada ao núcleo medieval e única sede de Concelho em plena Serra da Arrábida, promovendo não apenas as actividades turísticas mas também combatendo a sazonalidade do destino que é Sesimbra. E até, nessa consolidação de uma Marina em Sesimbra, ser considerada a possibilidade de abarcar (para além de iates, veleiros, barcos…) cruzeiros de pequena dimensão.
É claro que a construção de uma Marina em Sesimbra implicaria uma série de soluções e intervenções que para além de acrescentarem valor e proporcionarem uma oferta turística de qualidade e diferenciada, mudariam a imagem da Vila para sempre, nomeadamente no conjunto de infraestruturas, equipamentos e reabilitações urbanas que teriam de ser realizadas.
E talvez a intervenção mais óbvia e urgente, seriam as acessibilidades terrestres (nas suas ligações à capital de distrito e à capital do país) e o fundamental estacionamento. Mas também a efectivação de uma rede pedonal e ciclável que permitisse circular de uma forma segura e desimpedida pelo perímetro urbano da Vila, livre de poluição e carros, ligando o centro da Vila às marginais e ao porto de pesca.
E a Vila de Sesimbra, o núcleo urbano medieval, os largos e marginais, assumir-se-iam como estruturas fulcrais no funcionamento da própria Marina, disponibilizando o conjunto de serviços, comércios, equipamentos e alojamentos, inerentes à existência daquela infraestrutura de náutica de recreio.
Paralelamente seria necessário manter viva a população residente e preservar as lojas, restaurantes e tascas que, com alma, mostrariam a essência da vila piscatória, tornando o destino único, autêntico, vivo e atractivo.
Uma Marina em Sesimbra. Para muitos, uma ideia completamente descabida. Para muitos outros, uma ideia que já devia estar consolidada. Uma Marina em Sesimbra mudaria a imagem da Vila. Como mudaram ao longo dos anos, várias intervenções. Por exemplo, a construção da marginal poente, ligando-a ao porto de pesca; a ligação entre a marginal poente e a marginal nascente, anulando a vala e muro que as separavam no Largo de Bombaldes; a abertura da Avenida da Liberdade desde o Jardim até à Fortaleza, demolindo todas as construções que ali existiam; a construção dos dois primeiros hotéis em cada um dos extremos da Vila (Hotel Espadarte e Hotel do Mar); a ampliação do porto de pesca e a consolidação dos dois pontões, fazendo desaparecer os passadiços e alterando para sempre a imagem da praia; a construção de edifícios que alteraram a imagem de vila medieval, com casinhas brancas e telhados vermelhos.
E perante as alterações e reformulações que a Vila foi sofrendo ao longo dos anos, nomeadamente na reabilitação urbana realizada (cujas mais recentes serão a recuperação da Fortaleza, a reabilitação das marginais e largos e, a construção dos passadiços na praia) e do crescimento da oferta turística (em alojamentos/camas), Sesimbra foi perdendo população residente e muita daquela que era a sua identidade.
O PDM de Sesimbra (publicado em 1998 e em Revisão há 17 anos!) é o único instrumento de ordenamento do território em vigor e aplicável à Vila de Sesimbra que, sendo abrangente, é omisso naquelas que deviam ter sido as premissas para o crescimento do núcleo urbano. Desde 2014, a Vila de Sesimbra está delimitada como ARU – “Área de Reabilitação Urbana” e, em 2017, foi definida a Estratégia para a ORU – “Operação de Reabilitação Urbana” que visava preservar e regrar o crescimento e ocupação do núcleo urbano medieval (conforme referi na minha crónica de Janeiro de 2022). No entanto, a estratégia definida pela ORU só resultou ao nível dos benefícios fiscais, dado que não foi desenvolvida nem consolidada uma política de habitação pública, que mantivesse e consolidasse uma população residente. Nem tão pouco foram implementadas as medidas que visavam (entre outras) evitar que lojas (que actualmente seriam denominadas como “lojas com história”) fossem transformadas em garagens ou em apartamentos.
Em 2019, Sesimbra foi classificada como Estação Náutica, sendo que se desconhecem até hoje, as linhas de orientação e o plano de ação dessa mesma Estação Náutica. Mais: a Estação Náutica de Sesimbra é provavelmente uma surpresa para os habitantes e munícipes sendo que, para os visitantes, é um autêntico mistério.
E mais recentemente, no passado dia 10 de Julho, foi constituído o Conselho Municipal de Turismo. E depois da “pérola da costa azul”, depois de um Plano Estratégico de Turismo de Sesimbra (que está fechado a sete chaves dentro de uma qualquer gaveta), depois de “Sesimbra, um mar de emoções”, depois do “Sesimbra é peixe” e depois dos Planos Estratégicos para o Turismo na Região de Lisboa (PET-RL), só agora foi dado o “pontapé de saída para nós termos uma estratégia”. Fantástico.
Permitam-me no entanto voltar um pouco atrás: o PET-RL estabeleceu para Sesimbra (e também para Setúbal e Palmela) a centralidade “Arrábida”. Neste Plano foi definida uma estratégia comum aos três concelhos arrabidinos: o turismo de natureza, a enologia e a gastronomia. E o que é que Sesimbra fez? Muita coisa… por exemplo:
- Promoveu o turismo de natureza, aprovando um conjunto de empreendimentos turísticos em betão, no meio da natureza;
- Promoveu a gastronomia local com uns painéis no mercado municipal mostrando imagens do “melhor peixe do mundo”, sendo que o maior peixe retratado, acompanhado por duas postas, é o salmão (salmão!);
- Assumiu de corpo e alma a enologia e plantou uma vinha! E até já produz vinho (vinho esse que está disponível apenas como oferta a entidades e personalidades que mereçam esse privilégio).
Voltando ao Conselho Municipal de Turismo: para minha surpresa (conforme referi na crónica de Julho) existem apenas “duas matérias que neste momento são fundamentais, são o grande trabalho de casa para as primeiras reuniões do Conselho Municipal de Turismo: a implementação da taxa turística no Concelho de Sesimbra” e a implementação dos “bairros comerciais digitais.” São estas as matérias que são importantes. Fundamentais. E que resolverão todos os constrangimentos existentes reduzindo, consequentemente, a sazonalidade, fazendo crescer a economia local, fixando novos investimentos e criando mais e melhor emprego qualificado.
Vem isto a propósito de uma consulta pública (que terminou no passado dia 14 de Agosto) relativamente ao projecto para a construção de uma Marina em Setúbal. Ficará situada no estuário do Sado, na área ocupada pelo Clube Naval de Setúbal, na frente ribeirinha e na zona central de Setúbal. Dizem os documentos que, para além da consolidação da Marina toda a zona será (e cito) “sujeita a uma intervenção mais abrangente, que inclui a regeneração da frente ribeirinha da cidade”.
O objectivo será desenvolver (e cito) “o Turismo Náutico em Setúbal, através de uma nova infraestrutura de excelência dedicada à náutica de recreio, em estreita relação com a cidade”, promovendo a “economia do mar” e uma “maior e melhor articulação com o projecto turístico de Troia”, atraindo “novos investimentos” e obtendo “benefícios socioeconómicos para a região, aumentando a rentabilidade das actividades turísticas e a redução dos efeitos da sazonalidade, criando emprego de qualidade”.
Relembro que Setúbal faz parte (tal como Palmela e Sesimbra) da centralidade “Arrábida” (definida pelo PET-RL) que tem por base o turismo de natureza, a enologia e a gastronomia. E já tem aprovados os “bairros comerciais digitais” e, a partir de Setembro, começa a cobrar uma taxa turística. Mas, apesar disso, tem uma estratégia definida. E nessa estratégia está um imenso oceano à sua frente!
Sesimbra está classificada como Estação Náutica desde 2019 sem que essa classificação tenha gerado o que quer que fosse. Sesimbra tem, em dois dos seus limites concelhios, o oceano Atlântico, com raízes e tradições locais, com história de navegantes, mareantes e pescadores!
Uma Marina em Sesimbra?
A questão que dura há décadas é relativamente à variante ao Porto de Abrigo (que, conforme referi na minha crónica do mês passado, estará hipotecada durante as próximas décadas se a Serra da Arrábida vier a ser declarada como “Reserva da Biosfera”) e, mais recentemente, um cais na Praia do Ouro que deveria ser de uso livre e público (conforme foi decidido aquando da sua consolidação) e que está inactivo, servindo apenas como plataforma de mergulhos a miúdos e graúdos.
A Marina de Setúbal terá capacidade para abarcar mais de 580 embarcações (com lugares para embarcações residentes, passantes e marítimo-turísticas) e cruzeiros de pequena dimensão. O prazo definido aponta para 26 meses. Ou seja, se tudo correr bem, no final de 2027 a Marina de Setúbal será uma realidade.
Sesimbra ficará sentadinha no muro da praia, a vê-los passar.
A ver passar cruzeiros de pequena dimensão que atracarão em Setúbal, invadindo a cidade ribeirinha e tudo o que é comércio e restauração. E assistirá também à passagem de veleiros, iates, barcos… que atracarão na Marina de Setúbal e invadirão o comércio local, os restaurantes e os alojamentos.
Sesimbra já tem com que se preocupar: a variante ao Porto de Abrigo e o cais na Praia do Ouro. E agora, desde o dia 10 de Julho, com a constituição do Conselho Municipal de Turismo, tem duas matérias fundamentais para discutir: a taxa turística e a forma de conciliar a compra no comércio tradicional com a utilização de meios digitais.
E para combater a sazonalidade e fomentar a economia local, já tem o Mega Samba e o Verão Elétrico. E a vinha e o vinho. E o salmão a promover “o melhor peixe do mundo”. E empreendimentos turísticos aprovados que promovem um turismo de betão no meio da natureza.
Nem sei que diga. Talvez transformar a afirmação da ERT- Região de Lisboa, numa pergunta: “como é que Sesimbra se quer afirmar no contexto dos 18 municípios da região de Lisboa”?
É com o samba em pleno verão? É na vinha e no vinho? Provavelmente será com a implementação da taxa turística e dos bairros comerciais digitais.
Sesimbra está no canto da AML, esquecida e afastada de todos os eixos rodoviários e ferroviários, com uma rede viária precária e absolutamente vergonhosa. O acesso à Vila é caótico, sem respostas ao nível de estacionamento para residentes, profissionais, visitantes, turistas e veraneantes.
E até por mar, a Vila de Sesimbra será uma espécie de «Alalaia»: uma miragem visível para muitos mas completamente inatingível. Nem um simples e pequeno cais na Praia do Ouro consegue funcionar de forma livre e gratuita (para quem o quiser utilizar) ligando o mar, a actividade náutica e o turismo de recreio, ao centro da Vila piscatória.
Termino novamente com a reunião de Câmara realizada no passado dia 24 de Julho. É a sétima vez em 50 anos de democracia que o executivo municipal reúne em segredo, à porta fechada, e toma deliberações. E isto só acontece desde o final de 2017. Porquê?
Talvez alguém consiga explicar porque é que nos mandatos anteriores a 2017 esta prática nunca tenha sido adoptada. E talvez alguém consiga explicar porque é que nesta actual gestão, por sete vezes, o executivo municipal tenha adoptado esta nova dinâmica.
As reuniões dos órgãos deliberativos e dos órgãos executivos são, obrigatoriamente, públicas; sejam ordinárias ou extraordinárias. E é a própria entidade ‘Câmara Municipal’ que o afirma no Edital que publicitou a 16 de Março de 2020 (no seguimento das restrições inerentes à pandemia), referindo e cito parcialmente:
“(…) com vista a minorar os riscos de contágio, as reuniões ordinárias e extraordinárias desta Autarquia (…) deixarão de ser públicas, até ao restabelecimento da normalidade.”
Normalidade que foi restabelecida pelo Edital publicitado a 18 de Março de 2021, definindo que as “reuniões de Câmara voltam a ser públicas”. Sejam ordinárias ou extraordinárias. Porque as reuniões dos órgãos deliberativos e dos órgãos executivos são, obrigatoriamente, públicas.
Vá-se lá perceber isto. Como disse o meu amigo politico: “é só estúpido e não têm razão nenhuma de acontecer.”
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