Partilho aqui o meu artigo de opinião no Jornal "Raio de Luz" de Julho de 2024.

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O mês de Julho começou com uma decisão politica que mudará para sempre, parte do território sesimbrense. Na primeira reunião de Câmara deste mês, o executivo municipal aprovou (com 4 votos favoráveis e 3 abstenções) um novo empreendimento turístico no Meco que, vinculando o futuro dos próximos 10 anos (10 anos correspondem ao prazo para a construção do empreendimento), consolidará 411 unidades de alojamento num total de 1168 camas.  

Na explicação prestada pelo executivo municipal, o promotor não está interessado em construir 411 unidades de alojamento nem tão pouco 1168 camas (sendo que existe até um acordo verbal – entre o promotor e a Câmara – para reduzir essa capacidade construtiva. Mas a verdade é que da deliberação politica que aprovou essa capacidade construtiva não consta qualquer tipo de ressalva ou compromisso. Para todos os efeitos, o promotor será detentor de direitos construtivos que nenhum acordo verbal será capaz de reduzir, alterar ou anular. Serão direitos construtivos que, se forem reduzidos, alterados ou anulados, serão indemnizados a “peso de ouro”!

Importa referir que este empreendimento turístico no Meco tem quase 50 anos. E algum dia seria aprovado. Foi este ano, no dia 3 de Julho. Porque tem uma “decisão de conformidade ambiental do projecto de execução” (conhecida como DCAPE) válida até ao próximo dia 23 de Setembro. E porque o PDM de Sesimbra em vigor (e em Revisão há 17 anos!), permite aquela ocupação.

E com base na RCAPE e no PDM de Sesimbra (em Revisão há 17 anos!) o executivo municipal aprova o empreendimento turístico, dizendo que existe um acordo verbal para reduzir a capacidade construtiva sendo que é o próprio promotor que não quer construir tanto. Nem sei que diga.

Esta é a operação urbanística que foi anulada pelo estado português (através do famoso “Acordo do Meco” que transferia direitos construtivos para a Mata de Sesimbra) com vários argumentos que sustentaram essa anulação e dos quais refiro apenas um (estávamos em 2003):

  • A urbanização em causa, se concretizada, comprometeria irremediavelmente os valores naturais protegidos na zona do Meco, pelo que se impõe ao Estado e ao município, por todos os meios legais ao seu dispor, evitar a construção naquela área.”

Depois, em 2007, o Ministério do Ambiente inviabilizava esta mesma operação urbanística, que previa a construção de mais de 400 unidades de alojamento no Meco. O então Ministro do Ambiente (Nunes Correia) garantia que o empreendimento turístico não se enquadrava “na linha de controlo da construção em "áreas sensíveis" patente no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa”. E sublinhou “os esforços do governo em impedir uma "excessiva densificação" e "pressões urbanas" nas reservas naturais de Sesimbra”.

Em Fevereiro de 2012 a Câmara deliberou suspender o procedimento. Ou seja, o empreendimento turístico ficou adiado, impedido de continuar. Mas em Maio de 2012, o empreendimento turístico veio a ser detentor de uma “declaração de impacte ambiental” (conhecida como DIA). A esta DIA seguiu-se o RCAPE emitido em 2016 (e que é válido até Setembro deste ano).

Para a história recente, fica a provação unânime pelo executivo municipal (a 12 de Agosto de 2020) do Pedido de Informação Prévia (PIP) para a construção deste empreendimento turístico no Meco; a aprovação do Contrato de Urbanização (por unanimidade a 8 de Novembro de 2023 e a 22 de Abril de 2024) e, a aprovação do projecto de arquitectura no passado dia 3 de Julho, (com 4 votos a favor e 3 abstenções; vá-se lá perceber isto). 

Importa talvez lembrar que em 2003 e em 2007 o PDM de Sesimbra era o mesmo que continua hoje, em 2024, em vigor. Aparentemente hoje, em 2024, a operação urbanística já não comprometerá “os valores naturais protegidos na zona do Meco” nem tão pouco estará em causa o “controlo da construção em "áreas sensíveis" patente no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa”. E desta vez, o governo terá considerado desnecessário “impedir uma "excessiva densificação" e "pressões urbanas" nas reservas naturais de Sesimbra.”

O PDM de Sesimbra foi publicado no século passado, com base em premissas que hoje, no século XXI, estão completamente ultrapassadas. No momento em que o ordenamento do território está na ordem do dia, fruto do impacto das alterações climáticas, da sustentabilidade, da conservação da biodiversidade, das áreas de risco de incêndio,… aliados aos objectivos de desenvolvimento sustentável, à sustentabilidade dos recursos e à preservação da natureza e do ambiente, o empreendimento turístico é aprovado sem que seja feita uma única referência sobre estas matérias. 

Dois dias depois desta aprovação, (no dia 5 de Julho), o Pacto Climático Europeu apelou às autarquias para que promovam nos seus territórios as práticas de turismo regenerativo, mantendo a autenticidade dos seus territórios na premissa de que “um bom local para se visitar, tem de ser antes um bom local para se viver”. A ideia é de que o turista seja acima de tudo, um “habitante temporário”, que acrescente valor e seja parte integrante do local que visita e da comunidade que o acolhe. No fundo, que o turista experiencie a vivência local, respeitando-a, e valorizando-a. E na base da pirâmide estarão os empreendimentos turísticos que devem respeitar a autenticidade, no respeito pelas comunidades e pelos locais onde se inserem, constituindo-se como parte integrante do território e não, como ilhas vedadas em betão, distribuindo unidades de alojamento em prédios de 3 pisos, agarrados a premissas dos anos 80 do século passado.

Sete dias depois (no dia 10 de Julho), tomou posse o Conselho Municipal do Turismo de Sesimbra (composto por 26 entidades). Este Conselho tem como objectivos o “desenvolvimento integrado e sustentável do Concelho” e a “valorização da oferta turística.” 

Confesso que fiquei surpreendida com a afirmação de que “há duas matérias que neste momento são fundamentais, são o grande trabalho de casa para as primeiras reuniões do Conselho Municipal de Turismo. Um deles tem a ver com a implementação da taxa turística no Concelho de Sesimbra (…) e uma segunda que é os bairros comerciais digitais.” Fantástico. São estas as matérias que preocupam neste momento o Conselho Municipal do Turismo: a definição de uma taxa turística (que visa apenas mais receita) e os bairros comerciais digitais (que resultam de um dos programas do PRR que visa conciliar a compra no comércio tradicional com a utilização de meios digitais).

E preocupada com a afirmação de que este Conselho Municipal do Turismo “é um pontapé de saída para nós termos uma estratégia em comum com todas as entidades que estão neste território de Sesimbra e nesta Área Metropolitana de Lisboa. Podemos chegar, e devemos, a consensos sobre a estratégia a definir e sobre o caminho de Sesimbra.” De nada serviu o Plano Estratégico de Turismo (que continua fechado dentro de uma qualquer gaveta), nem os Planos Estratégicos para o Turismo na Região de Lisboa. 

Mas felizmente, uma das entidades que compõem esta Comissão (ERT- Região de Lisboa) pôs o foco no sítio certo ao afirmar: “a região só tem valor se cada um dos municípios se diferenciar e fizer um conjunto, e este Conselho vai permitir isso: por um lado definir uma estratégia: como é que Sesimbra se quer afirmar no contexto dos 18 municípios da região de Lisboa; por outro lado, permitir as soluções práticas e a resolução de problemas que hoje são muito difíceis e muito delicados: a questão de como a população vê o turismo, a mobilidade, a qualidade, a higiene, a segurança.” Direi que são estas as “matérias que neste momento são fundamentais, são o grande trabalho de casa para as primeiras reuniões do Conselho Municipal de Turismo.” Na senda do apelo do Pacto Climático Europeu para que se promovam as práticas de turismo regenerativo, mantendo a autenticidade dos territórios. Porque “um bom local para se visitar, tem de ser antes um bom local para se viver”.

Termino com a última reunião de Câmara de Junho deste ano, realizada no passado dia 28. Em apenas 16 dias, o executivo municipal realizou duas reuniões de câmara deliberativas, à porta fechada. Conforme referi na minha crónica de Junho, e não me querendo repetir, as reuniões dos órgãos deliberativos e dos órgãos executivos são, obrigatoriamente, públicas. Sejam ordinárias ou extraordinárias. É a sexta vez em 50 anos de democracia. À conversa com um amigo político sobre este assunto, disse-me que as reuniões à porta fechada “é só estúpido e não têm razão nenhuma de acontecer.” E eu acrescento: é absolutamente lamentável. E causa de facto estupefacção, nomeadamente por todos alinharem nesta nova dinâmica.

Por agora, o que importa são as férias e o sol e a praia. E em Sesimbra, apesar do Carnaval serem três dias, o Mega Samba são quatro!

Quanto ao turismo. Faltam 76 anos para o fim do século. Talvez até lá, a estratégia seja definida com base provavelmente, nas premissas de um PDM centenário. 

Sobre o empreendimento turístico aprovado para o Meco: espero sinceramente que, a concretizar-se, corra tudo bem e dentro dos 10 anos definidos. Porque uma coisa é ficar uma estrutura de betão e ferro na Mata de Sesimbra, à espera de uma qualquer solução (no dia em que escrevo, o executivo municipal aprovou, por unanimidade, a prorrogação do prazo de execução das obras de urbanização, por mais 9 meses). Coisa bem diferente é ficar no Meco, com vistas sobre as arribas e praias, estruturas de betão e ferro de edifícios com 3 pisos.




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