Partilho aqui o meu artigo de opinião no Jornal "Raio de Luz" de Junho de 2024.

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Decorreu entre os dias 14 e 19 de Maio o período de consulta pública sobre a candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera. Confesso que depois de ler os documentos que foram disponibilizados, resolvi não participar. E não vou enumerar o sem número de razões que me levou a tomar essa decisão. Até porque (e cito parcialmente uma das frases constantes nos documentos que foram disponibilizados nesta consulta pública), “a candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera nasce da vontade das populações (…)”. Significa portanto que as populações dos concelhos de Sesimbra, Setúbal e Palmela terão manifestado esta vontade e, os Municípios, através da Associação de Municípios da Região de Setúbal, promoveram a elaboração da candidatura em articulação com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Ou seja, a consulta pública resultará apenas de um mero formalismo dado que, a “vontade das populações” estará expressa nos documentos que constituem a candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera.

E sendo essa a “vontade das populações” parece-me que existe finalmente, uma estratégia bem definida para o desenvolvimento dos concelhos arrabidinos nomeadamente, e no caso, para o concelho de Sesimbra. O futuro será em consonância com os valores naturais existentes, preservando-os e enaltecendo-os. A ocupação humana surgirá em harmonia com a natureza, sendo que esta prevalecerá perante as vontades do homem. Nomeadamente na construção e na ocupação de espaços que, sendo florestais, agrícolas e naturais, assim devem permanecer. E decorrentes dessa valorização, estarão as práticas tradicionais ancestrais que deverão ser protegidas, promovidas e desenvolvidas.

No caso do turismo e da atractividade turística da Arrábida e das suas praias, os documentos explicam que o peso turístico da Arrábida no contexto da Região de Lisboa é reduzido. E que não existirão “enquanto se mantiver a sua atual e planificada gestão e estatuto jurídico, impactos negativos resultantes da atividade turística.” Até porque, o Plano de Acção definido cita as normas e directrizes do PROTAML nomeadamente a manutenção da “Arrábida/Espichel como paisagens e zonas únicas fora das pressões urbanas.” 

Dizem os documentos que “a estratégia de desenvolvimento e sustentabilidade que suporta a candidatura a Reserva da Biosfera assenta num crescimento sustentável da actividade turística, (…) e não na massificação associada aos meses de verão.” O que é de facto e finalmente, uma visão clara de futuro: uma Arrábida autêntica, em que os valores naturais e patrimoniais, a ocupação humana e os aglomerados urbanos são por si só elementos diferenciados e diferenciadores capazes de atenuar a sazonalidade e evitar a massificação. E perante esta estratégia de desenvolvimento sustentada na identidade arrabidina, “não se prevê a necessidade de expansão da rede viária nas próximas décadas.” Nomeadamente, digo eu, a tão desejada variante ao porto de abrigo e que ficará suspensa durante as “próximas décadas”.

Num resumo grosseiro do conjunto de mais de 800 páginas que constituem os documentos disponibilizados para consulta pública, a proposta define três zonas com características e regras diferentes: 

  • Zonas Núcleo” (terrestres e marinhas) que estarão “reservadas à monitorização e investigação científica, com pouca presença humana, ou com visitação ordenada e residual” (e que correspondem grosso modo, ao actual Parque Marinho Luís Saldanha, toda a costa sul compreendida entre a praia da Califórnia e a Serra do Risco e, a costa sul das arribas do Cabo Espichel);
  • Zonas Tampão” que para “além da monitorização e investigação científica e residual e da visitação ordenada” terão “a possibilidade de realizar a actividade pastorícia” (e que correspondem grosso modo, a uma faixa terrestre ente o Cabo Espichel e o Zambujal);
  • Zonas de Transição” que envolvem núcleos urbanos nomeadamente “a totalidade da Vila de Sesimbra” e também a Maçã, as Pedreiras, Sampaio, Santana, Corredoura, Zambujal, Fornos, Azoia, Cabo Espichel,… e que não estarão "sujeitas a constrangimentos legais tão estritos como as zonas núcleo e as zonas tampão.”

Significa portanto que o concelho de Sesimbra, na sua área que corresponde à Serra da Arrábida, estará protegido de devaneios turísticos, imobiliários e especulativos. O objectivo é preservar a riqueza existente, enaltecendo-a e respeitando-a. No resto da área concelhia e fora da Serra da Arrábida, aí sim, poderão crescer novos núcleos turísticos, imobiliários e especulativos. Desde que previstos, claro está, nesse “documento estratégico de excelência” que será a Revisão do PDM de Sesimbra. E falando em Revisão do PDM: perante esta proposta de candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera, que poderá vir a ser ou não, aprovada pelos peritos da UNESCO, em Setembro de 2025, talvez não fosse má ideia esperar mais dois ou três anos pela Revisão do PDM (depois de 17 anos!, mais dois ou três não farão grande diferença). Porque este “documento estratégico de excelência” terá de verter aquela que é a estratégia definida nesta candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera (se a mesma vier a ser aprovada em 2025).

Lembrar apenas que em 2014, a candidatura da Arrábida a património da humanidade foi recusada pela UNESCO porque a Serra não é (e cito) “única, nem excepcional”, sendo que existem “várias pressões” causadas pela construção, o turismo, a actividade cimenteira e as indústrias extractivas. E que, digo eu, nestes últimos dois casos, se mantêm com a expectativa de poder crescer exponencialmente em actividade, nomeadamente das pedreiras, se o conjunto de obras públicas previstas avançar (aeroporto, TGV e terceira ponte sobre o Tejo), 

Com a candidatura pronta (e a consulta pública realizada) os três municípios tiveram de aprovar a mesma. No caso do Município de Sesimbra, o Presidente da Autarquia convocou uma reunião extraordinária (12 de Junho) para deliberar sobre esta matéria. À porta fechada, em segredo, não pública, para que ninguém ouvisse ou visse o que teriam a dizer sobre o assunto todos os elementos do executivo (talvez nada, como é apanágio sobre os assuntos que são deliberados). 

Relembro que todas as reuniões de Câmara deliberativas (ordinárias ou extraordinárias) são obrigatoriamente públicas, conforme estabelece a Constituição da República Portuguesa, o Código do Procedimento Administrativo e o Regime Jurídico das Autarquias Locais. E relembro que esta foi a quinta vez que a Câmara deliberou à porta fechada em 50 anos de democracia (já não o fazia desde o dia 18 de Fevereiro de 2022). E relembro também que, aquando da pandemia e das medidas de restrição definidas, o governo publicou uma lei que dizia: “a obrigatoriedade da realização pública das reuniões dos órgãos deliberativos e executivos dos Municípios (…) fica suspensa até ao dia 30 de Junho de 2020 (…)”. Ou seja, a obrigação ficou suspensa apenas por um período de tempo. Porque as reuniões são, obrigatoriamente, públicas. Dos órgãos deliberativos e dos órgãos executivos. Sejam ordinárias ou extraordinárias. 

É certo que uma matéria que até resultou da “vontade das populações”, podia gerar algum burburinho na assistência e destabilizar o perfeito desenrolar dos trabalhos. E para isso, já bastam as reuniões de Câmara onde os munícipes intervêm, explanando uma situação, questionando e pondo a crú as dificuldades que têm e para as quais não obtêm resposta. E nesses casos (como a sessão é gravada e disponibilidade nos canais digitais) durante a explanação de uma qualquer questão por parte de um munícipe, por vezes, o microfone fica sem pilhas e o som é cortado. 

Permitam-me um apelo a todos os munícipes que se venham a dirigir a uma reunião de Câmara: levem no bolso uma caixinha de pilhas, para que o microfone não fique sem som. Se cada munícipe entregar uma caixinha, serão dezenas de pilhas que, de certeza, irão sanar para sempre este problema.

A verdade é que a candidatura seguiu para a análise dos técnicos da UNESCO. Agora é esperar e esquecer o assunto até Setembro de 2025. Até porque os pensamentos já começam a estar concentrados nas estratégias políticas, na escolha dos candidatos e na definição dos programas eleitorais para as eleições autárquicas de 2025. E os resultados das eleições europeias vieram baralhar tudo. A CDU conseguiu apenas 1495 votos (menos do que nas legislativas e pouco mais do que nas presidenciais). O Chega perdeu quase dois terços do eleitorado. O PS ficou abaixo do resultado que obteve nas legislativas e a AD também. 

No entanto, o eleitorado sesimbrense parece estar a virar à direita. O que deverá motivar a direita concelhia. O momento é agora. A CDU depende e muito da recandidatura (ou não) das actuais Presidentes de Junta das Freguesias de Santiago e do Castelo (sabendo-se que o investimento na Freguesia que decide eleições – Quinta do Conde – irá ser reclamado quer pela CDU, quer pelo PS). E o PS? Nem sei que diga. Talvez dizer apenas que o eleitorado é soberano e saberá analisar e decidir em quem votará nas autárquicas de 2025. 

Por agora deixemos 2025. O tempo é de campeonato europeu de futebol (no dia em que escrevo, Portugal estreou-se a vencer a Chéquia por 2-1). 





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