O LIXO QUE PRODUZIMOS
Partilho aqui o meu artigo de opinião no Jornal "Raio de Luz", dia 30 de Abril de 2023.
Em termos brutos, numa média que não considera a realidade habitacional e comercial de cada uma das freguesias que compõem o Concelho de Sesimbra, poder-se-á dizer que cada habitante do Concelho produz anualmente cerca de 700 quilos de lixo.
O lixo, os resíduos urbanos que produzimos, são geridos pelo Município de Sesimbra e pela AMARSUL. Compete ao Município, a recolha e transporte de resíduos indiferenciados e de resíduos verdes (o chamado sistema “em baixa”) assim como, de acordo com o Regime Geral da Gestão de Resíduos, a recolha seletiva de biorresíduos. Compete à AMARSUL a recolha seletiva a partir dos ecopontos espalhados pelo Concelho (sistema “em baixa”) e, o tratamento dos resíduos que recebe do Município (o chamado sistema “em alta”) e que são depositados em aterro, sobre os quais é cobrado um valor por cada tonelada de resíduos depositados, acrescidos da respectiva TGR (Taxa Geral de Resíduos).
O mais recente relatório da OCDE sobre Portugal, avaliou o desempenho ambiental do país. No caso da gestão de resíduos, Portugal não cumpriu nenhuma das metas definidas sendo um dos países da UE que mais envia para aterro e menos recicla.
Sesimbra, infelizmente, não é excepção. Apesar de em 2021 ter adjudicado à ATTCEI – Associação de Transferência de Tecnologia e Conhecimento para as Empresas e Instituições, a elaboração da “Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos – Município de Sesimbra” a verdade é que esse estudo ficou esquecido. Além de não ser implementado, nem o executivo municipal, nem os deputados municipais tomaram qualquer tipo de decisão sobre o mesmo. O que seria fundamental. Até porque de acordo com esse estudo, Sesimbra pode reduzir em mais de 50% o valor que paga anualmente à AMARSUL para depositar o lixo em aterro. Melhor explicando: do total de resíduos urbanos produzidos no Concelho de Sesimbra, mais de 50% correspondem a biorresíduos. Mas, apenas 1% destes resíduos são desviados de aterro.
Importa dizer que o lixo se divide em três grandes grupos: os resíduos recicláveis (papel, cartão, vidro); os biorresíduos (biodegradáveis alimentares, de jardins e parques); os resíduos não recicláveis nem biodegradáveis. E serão susceptíveis de vir a ser depositados em aterro, apenas os resíduos não recicláveis nem biodegradáveis. O que se pretende é que o lixo (reciclável e biodegradável) seja valorizado e possa integrar a conhecida “economia circular” (através da sua transformação por exemplo, em compostos agrícolas e energia).
Em 2020, o Regime Geral da Gestão de Resíduos veio proibir a deposição em aterro de quaisquer resíduos suscetíveis de reciclagem ou valorização, a partir de 2030. E uma Directiva Europeia definiu as Orientações Estratégicas para a gestão de Biorresíduos estabelecendo, a obrigatoriedade da sua recolha seletiva, por parte das Autarquias, até 31 de Dezembro de 2023.
Ora para que a Câmara promova de facto a recolha selectiva de biorresíduos, terá de implementar um conjunto de soluções que promovam e garantam a separação e recolha selectiva do lixo que produzimos, facultando contentores diferenciados, efectuando a recolha porta-a-porta, implementando sistemas de compostagem e reciclagem, tratando e valorizando o lixo recolhido, desviando-o de aterro conforme refere o estudo desenvolvido.
Diz também o mesmo estudo que a Câmara Municipal terá de investir, em 9 anos, um montante que pode ascender aos 11 milhões de euros. E se o fizer, resultará numa factura de lixo de cerca de 0,76€ por mês, por habitante. Se não o fizer, reduz o investimento mas sobe exponencialmente a factura do lixo do consumidor final, com o consequente agravamento do custo de tonelada de lixo e da respectiva TGR.
É pena que uma parte do excedente orçamental, que nas palavras do Presidente é o “mais elevado de sempre da história do Município” esteja destinada à AMARSUL, ao invés de ser aplicado na gestão dos biorresíduos que o Concelho produz e que, não sendo tratados, reciclados e valorizados, acabam depositados em aterro, a preços de ouro.
Na reunião extraordinária de Câmara, do passado dia 11 de Abril, e perante o excedente orçamental superior a 9 milhões de euros (constante na avaliação e prestação de contas de 2022), a pergunta recaiu sobre o que seria possível fazer com esse excedente. E aparentemente, o excedente orçamental não permitirá fazer grande coisa sendo que (e destaco apenas e textualmente a frase relativa ao custo da tonelada de lixo depositado): “a AMARSUL vai levar outra fatia, jeitosa também”. Grosso modo, a Câmara paga cerca de 2 milhões e 300 mil euros por ano, para depositar lixo em aterro quando, deveria pagar menos de metade desse valor se fizesse a recolha selectiva do lixo que é biorresíduo.
Infelizmente, a “Versão Preliminar do Estudo de Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos – Município de Sesimbra” é como se não existisse. Urge aprovar uma estratégia, uma visão de futuro que, para além de refletir as soluções preconizadas pelo estudo já efectuado, estejam consolidadas naquele “documento estratégico de excelência”: a Revisão do PDM. É a Revisão do PDM que definirá, entre outros, a localização de actividades económicas como por exemplo, de operadores de gestão e valorização de resíduos, assim como medidas ambientais de valorização e protecção dos solos.
Faltam oito meses para o fim do ano. A partir do dia 1 de Janeiro de 2024, é obrigatória a recolha selectiva de biorresíduos por parte das Autarquias.
O tempo urge.
Que se aplique o excedente orçamental na solução do problema e não, no protelar do problema. O valor da tonelada de lixo depositada em aterro irá subir exponencialmente e essa subida, será paga por todos nós, na factura do lixo que, a partir de 2025 será obrigatoriamente separada da factura da água. Várias são as Autarquias do país com postos de compostagem, reciclagem, recolha selectiva de biorresíduos.
É de investimento que se trata e não, da aplicação de pequenas medidas que no fim, não resultam em absolutamente nada, porquanto as toneladas de lixo (reciclável e biodegradável) continuarão a ser enviadas para aterro, com o agravamento do respectivo custo (em 2024 é provável que a tonelada de lixo ascenda a 85€ e, em 2025, a 100€) e fazendo com que uma boa fatia do orçamento municipal seja também ele, desviado para aterro.
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