A ELECTRIFICAÇÃO DOS PASSADIÇOS NA PRAIA DO OURO
Com o processo de transferência de competências para as Autarquias, confesso que desde que as mesmas começaram a ocorrer a única que me preocupava (e preocupa) é relacionada com a gestão das praias. Temia (e temo) que sendo a Autarquia a gerir a praia, o caos que temos em espaço urbano, seria replicado nas praias. De nada iriam servir os anos de gestão das praias nas mãos da APSS, APA/ICNF e ARH. De nada iriam servir as regras estabelecidas pelos POC’s e pelo POPNA. Até porque, infelizmente, a sensibilidade da Autarquia parece ser nula relativamente a estas matérias.
Permitam-me referir uma verdade absoluta: as praias não são espaços urbanos e como tal, susceptíveis de virem a ser urbanizados e infraestruturados. As praias são espaços naturais, moldadas pelo mar e pelo vento e onde a intervenção humana deverá ser o menos intrusiva possível. E nessa intrusão, são fundamentais instrumentos como os POC’s e (no caso de Sesimbra) o POPNA que estabelecem as regras dessa intrusão humana. Para que a praia continue a ser praia.
E foram os POC’s que definiram, nos finais dos anos 90 do século passado, as tipologias das praias, as capacidades de carga e o número de equipamentos fixos que poderiam existir no areal. E que funcionariam não apenas como apoios de praia mas também como restaurantes/equipamentos por um período de tempo superior a um ano e devidamente autorizados pela entidade competente. Não se tratava, nem se trata, de urbanizar o areal. Tratava-se, e trata-se, de prever os apoios necessários ao usufruto do areal, proporcionando bem-estar e segurança a todos os seus utilizadores.
Foram também os POC’s a definir a localização dos equipamentos fixos nos areais, estabelecendo áreas de implantação distantes da linha de mar e o mais próximo possível do solo terrestre. A ideia seria a de provocar a menor intrusão possível no areal, libertando-o de qualquer tipo de infraestrutura fixa. Ao localizar os equipamentos fixos o mais próximo possível do solo terrestre, os POC’s garantiam dois objectivos: o primeiro, permitia que esses equipamentos fixos nos areais pudessem garantir a ligação dos mesmos às redes de infraestruturas de abastecimento (água e electricidade); o segundo, permitia que durante a noite, o usufruto em segurança da praia, se limitasse apenas à zona do equipamento (uma vez que, durante a noite, as praias, os areais e o mar, não têm vigilância).
Mas os POC’s ainda foram mais longe nas regras que definiram: os equipamentos/restaurantes fixos deveriam ser executados em madeira ou materiais compósitos, numa estrutura sobre-elevada (ou seja, afastada da areia porque a força do vento e do mar não são constantes ao longo do ano), com estrados de acesso e zonas de esplanada em madeira. As estruturas a realizar (como passadeiras e passadiços) deveriam ser igualmente em madeira e, nos casos dos passadiços (enquanto estrutura fixa), os mesmos deveriam ser sobre-elevados (porque a força do vento e do mar não são constantes ao longo do ano).
E um pouco por todo o país e pelo mundo inteiro, é ver restaurantes e equipamentos nos areais, fomentando o convívio estival e garantindo simultaneamente a segurança das praias. E por vezes, porque o areal é longo e quente, dezenas de metros de passadeiras e/ou passadiços sobre-elevados serpenteiam pelas areias e dunas, promovendo um percurso pedonal seguro e regrado, que conduz os utilizadores da praia não apenas ao areal mas também, aos equipamentos existentes. As praias, por todos os perigos que representam (e que infelizmente este ano já marcam as noticias nacionais) pressupõem uma utilização diurna, devidamente fiscalizada e regrada. Nos casos dos restaurantes que existem nos areais (durante o ano inteiro e que funcionam também, durante a noite), na esmagadora maioria (para não dizer em todos), é a luz que imana do próprio restaurante que ilumina a zona do areal onde o mesmo se localiza. Entre o estacionamento e o próprio do restaurante, o acesso nocturno é no lusco-fusco, com a luz do luar. Porque as praias não são solos urbanos susceptíveis de urbanizar e infraestruturar. Porque os apoios de praia fixos (restaurantes e equipamentos) são autorizados mediante o cumprimento de uma série de requisitos, sabendo à partida que, na praia, no areal, e entre o areal e o estacionamento, não existe por exemplo, iluminação pública. E todos os utilizadores nocturnos dos apoios de praia (sejam bares ou restaurantes) também sabem que não existe iluminação pública na praia, no areal, e entre o areal e o estacionamento.
O caso muda de figura se, por um acaso, o restaurante estiver localizado numa praia urbana. E aí, porque o espaço urbano está em cima da praia, a iluminação pública das avenidas marginais ilumina parte da praia, parte dos acessos à praia e parte dos passadiços que existem sobre o areal. Direi que é uma mais-valia que as praias urbanas detêm no período nocturno, face aos apoios de praia que existem em praias não urbanas.
Existem centenas de quilómetros de passadiços sobre-elevados em madeira, sobre dunas e areais. Quando a noite cai, são apenas escuridão. Porque o mar, a praia, é de usufruto diurno. Nos casos onde existem restaurantes ou bares na praia, é apenas a luz do próprio equipamento que indica o caminho; caminha-se poeticamente, na direcção da luz!
Passa mais de uma década sobre a execução do passadiço na Praia do Ouro em Sesimbra. Em madeira, sobre-elevado, proporcionando o acesso pedonal ao areal e também, aos diferentes apoios de praia existentes. Muitos, por serem muito novos, não se lembram dos passadiços da praia, que contornavam os morros do Macorrilho e Alcatraz. Não existia qualquer tipo de passadiço no areal, entre os passadiços e a entrada na praia. E foi com as obras que requalificaram a marginal de Sesimbra que os passadiços sobre-elevados que hoje existem no areal de Sesimbra e que ligam a entrada de praia do Hotel do Mar aos restaurantes existentes (com três saídas em escadaria: antes do Frango à Guia, no Frango à Guia e, junto ao estaleiro naval) foram executados.
E a regra foi cumprida: toda a estrutura dos passadiços é sobre-elevada e em madeira, assim como as réguas do seu pavimento. E porque é um passadiço novo, no areal (ao contrário do passadiço na praia da Califórnia que coincide com o caminho que existia em terra batida – e estando integrado no espaço urbano, tem iluminação pública – entre o agora SPA-Hotel e a Fonte da Califórnia) e cuja utilização é diurna, não tem iluminação pública. Porque as praias, os areais, não são espaços urbanos susceptíveis de serem urbanizados e infraestruturados. E porque a Praia do Ouro é uma praia urbana, ganhando a iluminação que irradia da marginal de Sesimbra. Aliás, os candeeiros que então foram escolhidos para a marginal poente são duplos exactamente por isso: para que a praia tenha mais luz durante a noite! A ideia do passadiço de madeira no areal da Praia do Ouro não foi o de replicar a marginal poente de Sesimbra na praia. Tratou-se apenas e só, de construir um passadiço em madeira que garantisse um acesso seguro e cómodo ao areal e também, claro está, aos equipamentos existentes.
Mas, e porque na Praia do Ouro foi consolidado um campo de jogos (que permite a utilização nocturna) e a extensão dos passadiços permite a realização de caminhadas, de corridas e até a utilização de bicicletas, há pouco mais de uma década, a solução de iluminação dos mesmos passou pela colocação de pequenos spots de luz, encastrados nas madeiras laterais, como sinalização do percurso e não, como iluminação de todo o percurso e área adjacente. E porque a praia e o areal não são espaço urbano susceptível de ser urbanizado e infraestruturado, toda a infraestrutura eléctrica então realizada (assim como a rede de águas de abastecimento dos restaurantes) foi também ela sobre-elevada: as redes de abastecimento estão agarradas às réguas de madeira do passadiço sobre-elevado. Porque os areais não são estáticos e, onde hoje há areia, amanhã pode não existir.
Confesso que já há algum tempo não passeava pelos passadiços da Praia do Ouro. E foi depois de ouvir a última reunião da sessão da Assembleia Municipal de Sesimbra, que se realizou no passado dia 26 de Abril (e abordou a obra que está a decorrer na praia) que decidi percorrer os passadiços. E nem sei que diga. Está tudo velho, degradado, estragado, descuidado. E quem é que teve a ideia peregrina de colocar uma estrutura de plástico manhosa e horrorosa no espaço da biblioteca? E em frente às instalações sanitárias? Não havia outra solução que não aquela manhosice de plástico? Que coisa linda.
Dos mais de 9 milhões de euros do excedente orçamental, será que não se conseguem uns trocos para fazer uma solução em madeira em frente às instalações sanitárias? Em madeira! E na zona da biblioteca, são chapéus-de-sol! Chapéus-de-sol! Se não for a entidade que gere o território a dar o exemplo, que moral terá depois para impor regras nas outras existências?
Atente-se numa frase da última sessão da Assembleia Municipal sobre a obra que está a ser realizada na Praia do Ouro. Cito textualmente: “Este ano estamos a fazer já agora também a melhoria dos passadiços aqui na Praia do Ouro, portanto com com electrificação e com a substituição também do do dos estragos, portanto já irá vir nas constas de 2023 mas também foram processos que foram iniciados o ano passado, tiveram poucos custos e este ano a…… temos aqui um valor substancial”.
Mas que ideia foi essa de encher a praia de candeeiros de iluminação pública? Não me lembro do executivo municipal ter deliberado a execução desta obra de electrificação dos passadiços. Porque uma coisa serão obras de reparação dos passadiços e que resultam da gestão diária da Autarquia. Coisa bem diferente é a concretização de uma obra nova, e que não resulta de uma qualquer reparação.
Não sendo o executivo a deliberar, quem é que toma estas decisões? Pergunto-me a quanto ascenderá “esse valor substancial” que só estará reflectido nas contas de 2023?
Sou completamente contra a colocação de candeeiros de iluminação pública no areal da Praia do Ouro. As praias não são espaços urbanos susceptíveis de virem a ser urbanizados e infraestruturados.
O que a Praia do Ouro precisa é das instalações sanitárias e dos chuveiros a funcionar. Candeeiros de iluminação pública?, a serpentear pelo areal? Não lembra a ninguém! Sou completamente contra. Porque nos areais não se realizam obras de infraestruturas. E porquê? Porque o mar e o vento moldam as praias e os areais. E o que hoje tem areia, amanhã pode não ter.
Os passadiços da Praia do Ouro não precisam de iluminação pública! O que os passadiços da Praia do Ouro precisam é de ser arranjados, reparados e nalguns casos, substituídos. Para que quem vem descalço do areal, não se aleije. Porque os passadiços servem, em primeiro lugar, para garantir um percurso pedonal e seguro de todos aqueles que querem apenas disfrutar do areal, num dia de praia.
Candeeiros ao longo de um passadiço no areal? Dirão que é para melhorar a segurança durante a noite. E eu acrescento: e permitir o usufruto da praia durante a noite e sem vigilância! A menos que esta seja uma medida que vise o combate às alterações climáticas: ondas de calor excessivo. Com esta solução, a população pode refrescar-se no oceano, com o areal devidamente iluminado, sendo que o passo seguinte será a contratação de vigilância permanente na praia? Sinceramente, não lembra a ninguém!
E mais: alguém terá andado sabiamente a marcar com tinta vermelha a localização de cada candeeiro. Pintando a estrutura de madeira dos passadiços. Vão lavar e tirar a tinta? Deve ser a primeira coisa que vão fazer. Sinceramente.
Confesso que estou curiosa para ver a beleza de candeeiros que irão ser colocados, numa luz branca de frigorífico, para que fique tudo friamente iluminado. É pena Sesimbra não ser uma terra onde as pessoas se indignam. Noutra terra qualquer estas brincadeiras nem sequer se materializavam. Até porque, noutra qualquer terra, a intervenção no espaço público que é de todos, é amplamente divulgada e participada. Em Sesimbra não. Não há cá divulgação nem participação. Até porque, já se sabe, a opinião do cidadão comum “vale o que vale”.
Com o dinheiro desta linda obra (e daqueles que irão ser os lindos candeeiros), lavavam as marginais, substituíam o nojo dos contentores do lixo, reparavam os pavimentos que estão estragados e partidos, substituíam os bancos que estão pretos e partidos, limpavam os postes dos candeeiros de iluminação pública da marginal (que estão cheios de papéis e papelinhos), reparavam os passadiços de madeira, colocavam uma estrutura (decente) de ensombramento nas instalações sanitárias e compravam uns chapéus-de-sol para a biblioteca.
Candeeiros que serpenteiam ao sabor do passadiço de madeira, localizados no areal da praia. Mas de onde é que saem estas ideias? Estas soluções?
Saberão porque é que apenas o pontão de praia tem candeeiros de iluminação pública (tal como o pontão novo), e porque é que essa iluminação pública não se estendeu até à rampa de pedra de entrada na praia (em frente ao Hotel do Mar)? Porque nos areais não se realizam obras de infraestruturas. E porquê? Porque o mar e o vento moldam as praias e os areais. E o que hoje tem areia, amanhã pode não ter.
Esta ideia da gestão das praias passar para a Câmara é só o princípio do fim. O caos urbano que caracteriza a Vila será transportado, em todo o seu esplendor, para os areais. Espero que (e apesar das competências sobre estas matérias terem sido transferidas para as Autarquias) a APSS, a APA e a ARH continuem atentas.
E já agora, permitam-me perguntar: quando é que endireitam a vedação do espaço infantil?, sabendo-se que é uma tarefa complicadíssima de executar e revestida de grande complexidade? Bastaria mover a vedação até ao limite do passadiço. Digo eu que não percebo nada de nada de vedações de espaços infantis, nem de passadiços, nem de rampas, nem de nada de nada.
E aquele lindo painel de plástico (e que também deveria ser em madeira, madeira!) que ostenta as indicações da praia: a ideia dos passadiços é que, ao percorrê-los, seja visível a praia e o mar. Esse lindo painel deveria ter sido colocado perpendicular ao mar, numa zona que não se constituísse ele próprio, numa barreira visual, numa parede de plástico. Coloquem o painel junto da parede lateral das instalações sanitárias. Não ocupa espaço nem tapa as vistas! Fica a ideia.
Sou completamente contra a colocação de candeeiros de iluminação pública no areal da Praia do Ouro. As praias não são espaços urbanos susceptíveis de virem a ser urbanizados e infraestruturados.
Aliás, conforme está consignado no POC Espichel-Odeceixe, toda aquela área de praia irá ficar coberta pelo oceano. E todos os equipamentos/restaurantes existentes terão de ser removidos e relocalizados. Mas isso, não interessa nada. Finjamos todos que não conhecemos o futuro que se avizinha, e gaste-se dinheiro com infraestruturas desnecessárias. E até sugiro que os passadiços em madeira sejam substituídos por um massame de betão, que permita o acesso de viaturas pesadas, para cargas e descargas e abastecimento dos equipamentos existentes. E em frente ao Hotel do Mar, ao invés da entrada de praia, faça-se uma grande rotunda de acesso à nova marginal da Praia do Ouro. E que, fruto desta apropriação do areal, a revisão do PDM preveja para aquela nova área urbana, espaço H5! Isso é que era: edifícios ali, em cima da praia! Valha-nos Deus.
Nos areais não se realizam obras de infraestruturas. Com tanto sítio neste Concelho onde é urgente intervir, a prioridade foi encher a praia de candeeiros. Sinceramente.
Se alguém terá considerado que a solução de iluminação dos passadiços já não servia, bastaria substituir os pequenos spots de luz (encastrados nas madeiras laterais) por uns maiores e mais bonitos! Digo eu, que não percebo nada de nada sobre nada!
Agora, colocar candeeiros? Candeeiros? Para já não falar do impacto que os candeeiros e a sua luz branca de frigorífico, irão ter sobre a imagem cénica de toda a praia. Não lembra a ninguém!
ACTUALIZAÇÃO:
Hoje, antes do fogo-de-artifício do 4 de Maio, o passeio foi pelos passadiços. Então não é que vão colocar candeeiros de iluminação pública em áreas que já estão, iluminadas? Onde é que isto já se viu? Que falta é que fazem estes novos candeeiros?
Algumas das localizações estão ao lado da iluminação existente. Nenhum dos troços do passadiço está na completa escuridão. Todos estão iluminados assim como os espaços de desporto e o parque infantil. Apenas 6 dos pequenos spots de iluminação (encastrados nas madeiras laterais dos passadiços) estavam acesos.
Reafirmo: sou completamente contra a colocação de candeeiros de iluminação pública no areal da Praia do Ouro. São os nossos impostos que pagam estas brincadeiras!
Mas de onde é que saem estas ideias? Melhor do que as palavras, as imagens (sem flash e sem filtros), sendo que a cada tubo vermelho no areal corresponderá um candeeiro de iluminação pública:
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