O EDIFICIO DO «CORSÁRIO» FOI ABAIXO

Ainda me lembro da tristeza do Sr. João quando fechou, pela última vez, a porta do seu bar «O Corsário», retirando da parede uma das muitas peças de madeira que esculpia e que ornamentavam o bar. O edifício tinha sido vendido e seria demolido para dar origem a uma nova construção. Lembro-me também de um casal em particular que um dia chegou à esplanada do «Corsário». Dizia ela: «Sesimbra é tão pitoresca com estes barzinhos em cada esquina e estas esplanadas sobre o mar; é mesmo agradável». Respondeu ele: «isto aqui dava era uma boa garagem!» 

Não sei se «O Corsário» virá a ser uma garagem. Virá com toda a certeza a ser, o que foi autorizado a ser. E a partir de ontem, novas memórias serão construídas. «O Corsário» sofreu apenas os efeitos do progresso, desaparecendo como tantos outros, do ambiente e da vivência sesimbrense. 

Permitam-me recuar ao ano 2000. Mais precisamente ao dia 21 de Abril de 2000, sexta-feira santa. Neste dia, foram inaugurados 14 painéis de azulejos localizados em diferentes edifícios da Vila de Sesimbra, simbolizando a «Via Sacra». E nesse dia, o povo saiu à rua, naquela que é uma vila piscatória de fé, agarrada às suas crenças e tradições, fazendo o «caminho da Via Sacra», com 14 paragens em cada um dos painéis de azulejos que retratam a vida de Jesus Cristo. Assisti várias vezes a essa procissão nocturna com dezenas de sesimbrenses.

Esta ideia de reavivar o «caminho da Via Sacra» nas ruas da Vila de Sesimbra, partiu da Paróquia de Santiago que convidou 14 artistas sesimbrenses para executar um painel de azulejos com um dos passos da vida de Jesus Cristo. E a Câmara Municipal apadrinhou a iniciativa, garantindo os locais ao longo da Vila (fachadas de diferentes edifícios) onde seriam colocados os 14 painéis de azulejos (todos numerados e assinados pelos 14 artistas sesimbrenses). 

Grosso modo, o «caminho da Via Sacra» inicia-se na Igreja de Santiago (painel 1 - autoria: Joaquim Diogo), percorrendo os largos da Vila: 

  • Largo das Forças Armadas (painel 2 - autoria: Ilda Gomes), 
  • Largo da Fonte Nova (painel 3 - autoria: Joaquim Martelo), 
  • Largo da Guarda (painel 4 - autoria: Tiago Rodrigues), 
  • Largo da Marinha (painel 5 - autoria: José Westeman), 
  • Largo de Bombaldes (painel 6 - autoria: Ratinho), 
  • Largo do Calvário (painel 7 - autoria: João Pereira), 
  • Largo Eusébio Leão (painel 8 - autoria: João Manão), 
  • Largo Luís de Camões (painel 9 - autoria: Álvaro Bizarro), 
  • Largo do Município (painel 10 - autoria: Anabela Marques), 
  • Largo do Jardim (painel 11 - autoria: Ricardo Marques), 
  • Largo do Grémio (painel 12 - autoria: Manuela Marques), 
na confluência da Rua do Forno com a Rua Cândido dos Reis (painel 13 - autoria: Maria Manuel Gomes), terminando no Largo das Forças Armadas (painel 14 - autoria: André Semblano) e regressando ao ponto de partida (Igreja de Santiago).

O conjunto dos 14 painéis de azulejos que encaminham peregrinos, homens de fé ou simples curiosos, pelas ruas medievais do núcleo urbano da Vila de Sesimbra, constituem-se como obras de arte que merecem não apenas uma visita mas, divulgação por parte da Autarquia, porquanto os mesmos são identitários, produzidos por artistas sesimbrenses e demonstrativos daquela que é uma fé inabalável que trespassa a história de Sesimbra.

E o que é que têm os painéis da «Via Sacra» a ver com a demolição do edifício do «Corsário»? É que naquela parede, voltada para o mar, estava localizado o painel de azulejos com o número 5, da autoria de José Westeman e que, com a demolição efectuada, ficou reduzido a pó (conforme é visível na segunda imagem abaixo – excerto da fotografia de João Augusto Aldeia (LINK) que captou o momento da demolição).

Não sei se este ano o «caminho da Via Sacra» se irá realizar na sexta-feira santa (dia 7 de Abril), percorrendo a Vila de Sesimbra e efectuando as 14 paragens definidas.

Quero acreditar que estará tudo previsto e que uma cópia do painel de azulejos original, será colocada na parede do novo edifício. Para que a fé e as tradições sesimbrenses perdurem no tempo já que, o património construído e os espaços identitários vão, pouco a pouco desaparecendo, naquela que será a evolução natural decorrente do chamado progresso.





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