A FREGUESIA DO CASTELO
Partilho aqui o meu artigo de opinião publicado no Jornal "Raio de Luz", dia 30 de Novembro de 2022.
Numa altura em que o primeiro loteamento na Mata Sul foi aprovado por unanimidade (pelo executivo municipal), viabilizando 3920 camas e 138 mil metros quadrados de construção (divididos por dois aldeamentos turísticos, um hotel e golf); numa altura em que se perspectiva (de acordo com a informação transmitida pela Autarquia) o início das obras de urbanização (do loteamento aprovado) ainda este ano, nomeadamente a construção das variantes rodoviárias definidas pelo Plano de Acessibilidades para o Concelho de Sesimbra; numa altura em que apenas são avançados os benefícios desta operação urbanística para o Concelho de Sesimbra; será a altura certa para dedicar algumas palavras àquela que é a Freguesia do Concelho onde a consolidação desta operação urbanística mais se fará sentir: a Freguesia do Castelo.
Numa altura em que se prepara aquele que virá a ser o orçamento municipal para o ano de 2023, quais serão as grandes opções do plano perante esta nova realidade?
A Freguesia do Castelo tem mais de 17 mil hectares. Mais de 38% da população concelhia vive na Freguesia do Castelo; mais de 46% dos alojamentos/edifícios existentes no Concelho estão na Freguesia do Castelo (dados provisórios dos Censos 2021). Foi no Castelo que nasceu Sesimbra.
A Freguesia do Castelo existe há 634 anos.
E o crescimento e desenvolvimento urbano natural de seis séculos, aliados a períodos de grande especulação imobiliária e operações denominadas “turísticas”, muito contribuíram para a saturação dos arruamentos existentes (e também das infraestruturas de abastecimento), não se verificando, perante o crescimento populacional e de capacidade de alojamento, a execução de um conjunto de obras e infraestruturas que cobrissem as necessidades da segunda maior mancha populacional residente no Concelho e que, na época alta de verão, se consolida inequivocamente, com a população sazonal, como a maior área habitacional do Concelho de Sesimbra.
Em 30 anos, a população residente e os alojamentos/edifícios existentes na Freguesia do Castelo duplicaram. O PDM, publicado e em vigor há 24 anos, estabeleceu um conjunto de equipamentos públicos necessários e imprescindíveis face ao aumento populacional e habitacional. Infelizmente, nada do que está previsto foi feito. A Freguesia do Castelo continua a não ter uma biblioteca, uma sala polivalente e de espectáculos, um auditório, um mercado municipal, uma piscina coberta, uma piscina descoberta, um campo de futebol e pista de atletismo (que o PDM em vigor considera projecto estratégico), um cinema, um teatro, um pavilhão gimnodesportivo, um centro cultural e de exposições, um centro de ténis, um centro hípico,…
Não tem uma loja do cidadão, não tem um centro de informação e divulgação do património,…
Tem uma rede viária miserável; tem uns acessos deprimentes a todas as praias localizadas na costa sul e poente; não tem passeios em milhares de arruamentos; tem centenas de arruamentos por pavimentar (e muitas outras centenas por reparar); não tem rede de esgotos pluviais nem bocas-de-incêndio na esmagadora maioria dos arruamentos existentes; tem uma rede de abastecimento de águas velha e incapaz (com perdas na ordem dos 2 milhões e 500 mil metros cúbicos de água por ano) em centenas de arruamentos; não tem uma imagem urbana coerente e apelativa; não tem um qualquer critério relativamente ao mobiliário urbano; tem uma panóplia de luminárias e candeeiros de iluminação pública; tem uma colecção de placas toponímicas de todas as formas, cores, feitios e materiais; tem paragens e abrigos de transportes públicos inqualificáveis; tem contentores de lixo espalhados sem regra pelos passeios e bermas e muitos, em cima de perigosas e movimentadas faixas de rodagem,…
Não tem um único plano de urbanização ou plano de pormenor (exceptuando na Lagoa de Albufeira e na Mata de Sesimbra); não tem um plano de mobilidade; não tem uma estratégia de desenvolvimento,…
Voltando ao início: estando aprovado o primeiro loteamento da Mata Sul de Sesimbra e prevista a construção das variantes rodoviárias definidas pelo Plano de Acessibilidades para o Concelho de Sesimbra, importa referir o que aponta esse mesmo Plano de Acessibilidades por exemplo, sobre a rede viária existente: “intensificação do tráfego estimado para a EN378 e EN379 no contexto dos núcleos de Santana e Cotovia, que permitem antever incompatibilidades com as funções de distribuição urbanas que estas vias aí tomam. (…) A longo prazo a generalidade da rede estruturante concelhia encontrar-se-á no limite da saturação, destacando-se como mais relevantes as situações detetadas ao longo de todo o eixo longitudinal da EN378, atingindo a sede de concelho (…).”
Quer isto dizer que competirá à Autarquia encontrar soluções que permitam não apenas o acesso à sede de Concelho por parte de quem nos visita mas também, definir alternativas para todos aqueles que vivem no Concelho e na Freguesia do Castelo. Admite o mesmo Plano de Acessibilidades que o número de veículos diários actuais venham praticamente a triplicar o seu valor, “ficando próximos do patamar dos 10.000 veículos diários.” 10 mil veículos diários a chegar ao caos de Santana; ao caos da Vila de Sesimbra; ao centro de Alfarim e Aldeia do Meco; à precaridade de acessos e estacionamentos das praias da costa poente;... E tudo isto, dentro da Freguesia do Castelo. E se 10 mil veículos diários transportarem mais de 20 mil pessoas, o caos será generalizado.
A Freguesia do Castelo não tem postos de saúde, nem tão pouco um centro de saúde central capaz de responder à procura que se antevê. Não tem bombeiros. Não tem um centro de enfermagem. Não tem uma rede de cuidados primários essenciais e que deve existir em qualquer destino que se diz “turístico”.
As estimativas de crescimento da população residente e do número de camas em alojamentos turísticos no Concelho apontam para um total superior a 128 mil habitantes (dados constantes no Plano de Acessibilidades para o Concelho de Sesimbra). Escusado será dizer que mais de 50% destes habitantes esperados estarão fixados na Freguesia do Castelo.
É de toda uma estratégia que carece a Freguesia do Castelo. Nomeadamente, de uma estratégia turística, face ao volume de empreendimentos turísticos e ao número de camas em alojamentos turísticos. E essa estratégia passa por estabelecer (nas palavras de Guta Moura Guedes) “um turismo dirigido para a felicidade e bem-estar dos visitantes mas que não penaliza nem secundariza a dos cidadãos. O bom turismo é uma actividade que rentabiliza um activo colocando a população residente em primeiro lugar.”
E se o activo turístico da Freguesia do Castelo serão as paisagens naturais, as praias, as aldeias, o património natural e construído, o mar, a serra, as suas gentes, tradições, festas e romarias, em primeiro lugar terá de estar o bem-estar da população residente! É tempo da Freguesia do Castelo ocupar o lugar a que tem direito. Reivindicando e exigindo mais qualidade, mais investimento, mais soluções.
A Freguesia do Castelo será, a curto prazo, a mais povoada, a mais construída e, se nada acontecer, a mais carenciada ao nível de infraestruturas e equipamentos públicos, transformando-se num local caótico para a população residente.
A Freguesia do Castelo não pode ser sintetizada apenas como um território apetecível para investidores privados que visam, em primeiro lugar, obter lucro sobre o investimento que realizam.
A Freguesia do Castelo não pode (nem deve) ser apenas o elo de ligação entre as Freguesias de Santiago e da Quinta do Conde.
A Freguesia do Castelo não é a parente pobre da Freguesia que é sede de Concelho nem é a parente pobre da Freguesia que, por ser a mais populosa, resolve eleições.
A Freguesia do Castelo é a maior e mais antiga do Concelho. Também eu espero, tal como Guta Moura Guedes, que os “autarcas entendam isso.”
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