VARIANTE AO PORTO DE ABRIGO DE SESIMBRA

Partilho aqui o meu artigo de opinião publicado no Jornal "Raio de Luz", dia 30 de Setembro de 2022.




Os dados estão lançados para aquele que será o futuro dos concelhos portugueses, ao nível de financiamento e de projectos candidatáveis a fundos europeus e nacionais. Depois das componentes definidas pelo PRR, com financiamento a 100% (a fundo perdido, a custo zero para as Autarquias que apresentem projectos) de obras nas mais diversas vertentes (habitação, saúde, educação,…), durante o mês de Agosto e Setembro decorreram (em paralelo) três consultas públicas que definem com rigor, os projectos, as obras, as prioridades e os montantes de financiamento para a próxima década. Ou seja, estão definidos os critérios de elegibilidade de projectos a serem financiados por fundos europeus e nacionais para os próximos três anos deste mandato e também, para os próximos quatro anos do mandato que se iniciará em 2025. E cabe às Autarquias “operacionalizar candidaturas e projectos” tendo em vista o seu financiamento e respectiva execução. 

Das dezenas de projectos previstos (como sejam por exemplo a reabilitação de edifícios públicos; as acções de valorização do património natural e paisagístico; a qualificação de espaços públicos; a criação de novos equipamentos culturais, museológicos ou interpretativos; a regeneração de espaços urbanos que potenciem a fixação de novas atividades (por exemplo: incubadoras de negócios e espaços de co-working); a qualificação de equipamentos de ensino;…) destaco a mobilidade urbana sustentável que integra “os principais investimentos no domínio dos transportes, designadamente da ferrovia e do sector marítimo-portuário”. 

Quer isto dizer que, para além de uma rede de transportes (responsável por 28% do total nacional das emissões de gases de efeito estufa – dados de 2019) públicos sustentável, é igualmente prioritário descarbonizar a indústria e os modos de transporte de mercadorias (onde se incluem produtos alimentares e, no caso de Sesimbra, o transporte de pescado para fora dos limites do território concelhio). 

O setor dos transportes é essencial ao desenvolvimento económico e coesão social” e assim, estão previstos investimentos que visam a constituição de uma rede de transporte de mercadorias interligada e conectada com os principais eixos de distribuição (sejam rodoviários, ferroviários ou marítimos). 

A Área Metropolitana de Lisboa (AML), através da TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa), tem vindo a desenvolver um conjunto de estudos e análises que sustentam aqueles que serão, ao nível da mobilidade urbana na AML, os grandes eixos de distribuição e ligação àqueles que são os canais nacionais de distribuição e ligação com o resto do país e da Europa. Num desses estudos recentemente publicado, surgem vários mapas identificando aquela que será a rede rodoviária e ferroviária de distribuição de mercadorias da Área Metropolitana de Lisboa. 

Sesimbra é o único concelho que não tem um único eixo de ligação a essa rede de distribuição. Aliás, Sesimbra não tem qualquer identificação de eixos rodoviários. Nem tão pouco daqueles que são considerados como fundamentais e prioritários e que, para além de estarem previstos desde 1998 no PDM, estão consagrados no Plano de Acessibilidades do Concelho de Sesimbra. Refiro-me, por exemplo à variante do Porto de Abrigo de Sesimbra. 

Sesimbra surge consolidada como “canto da AML” e completamente desarticulada com aqueles que são os eixos rodoviários e ferroviários. Diz a TML que a logística (associada ao transporte de mercadorias) visa a coesão territorial dos Municípios que integram a AML tendo como objectivo, entre outros, reduzir os volumes de tráfego e os impactos ambientais das actividades logísticas. Excepto, no Município de Sesimbra. 

Na próxima década, a principal estrada de entrada e saída do Concelho (e que liga Sesimbra à capital do país) continuará a ser a mesma de sempre, sem qualquer tipo de melhoramento, intervenção ou reabilitação. Os impactos ambientais das actividades logísticas manter-se-ão assim como não se verificarão reduções nos volumes de trânsito nas áreas urbanas consolidadas do Concelho de Sesimbra. 

Acresce que, fazer chegar a rede ferroviária ao Concelho de Sesimbra (impensável para muitos) não está sequer sugerida ou equacionada. E a alternativa, numa ligação marítimo-portuária (igualmente impensável para muitos outros) nem sequer está equacionada. 

Importa também referir que, para além do transporte de pescado, Sesimbra tem também um volume visível de tráfego de veículos pesados que transportam matérias inerentes à indústria extractiva (pedras e britas). 

O Concelho de Sesimbra irá permanecer esquecido e desarticulado com a rede de transportes prevista pela AML e que “é essencial ao desenvolvimento económico e coesão social” dos territórios. Significa isto que na próxima década, nenhuma das soluções preconizadas pelo Plano de Acessibilidades do Concelho de Sesimbra se irá concretizar. Por dois motivos: não estão previstas nos programas de financiamento nem, nos documentos que sustentam as acções/projectos a financiar. 

No entanto, a promessa eleitoral será com toda a certeza reafirmada em 2025: exigir a construção da variante ao Porto de Abrigo de Sesimbra. E a verdade dura e crua desta promessa é que se trata apenas e só, disso mesmo: uma promessa. Sem data. Sem plano. Sem financiamento. Sem nada de nada que a transforme numa realidade. 

A variante rodoviária que liga o Porto de Abrigo de Sesimbra à Carrasqueira, consolidando um anel circundante ao Zambujal, Almoinha, Quintinha (numa espécie de CRIL), desviando o trânsito de pesados e mercadorias dos núcleos urbanos consolidados, arrisca vir a ser apenas um risco num mapa e que, à semelhança da linha de comboio prevista no final do século XIX e que ligaria Cacilhas a Sesimbra, descendo até ao Porto de Abrigo, será apenas uma memória de uma reivindicação do final do século XX e não concretizada. 

Que as promessas eleitorais locais se transformem em reivindicações, exigências e ambições metropolitanas e nacionais. Para que Sesimbra deixe de ser o “canto” da Área Metropolitana de Lisboa e que os documentos e estudos que a AML produz, consagrem desde logo aquela que é a essência da Vila de Sesimbra e uma das suas maiores necessidades: a pesca, a estrutura portuária e os acessos rodoviários que liguem eficazmente a rede de transportes de mercadorias aos principais eixos de distribuição. 

Urge arregaçar as mangas, definir uma estratégia, delinear um programa de futuro que permita à Autarquia “operacionalizar candidaturas e projectos” assim que os respectivos concursos sejam abertos. 

A inércia, ou a falta dela, irá definir aquela que será a acção de quem quer que seja o executivo camarário a partir de 2025. E cabe ao executivo actualmente em funções, assegurar que Sesimbra não ficará “fora de jogo” neste que é o maior pacote financeiro de sempre.

(A foto que ilustra este texto corresponde a um dos diapositivos constantes na apresentação intitulada "Evolução da logística na AML e soluções a promover" que integra o "Estudo sobre a evolução da logística na Área Metropolitana de Lisboa" promovida pela TML - Transportes Metropolitanos de Lisboa e disponível para consulta em: www.tmlmobilidade.pt).



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