UMA JAULA NO PONTÃO DA PRAIA DO OURO? - SESIMBRA

Ontem, ao final do dia, chegou-me uma imagem de um gradeamento com um portão no cais que é montado todos os anos no pontão da Praia do Ouro, em Sesimbra. A acompanhar a imagem uma pequena nota explicava que aquela instalação se destinava a controlar os acessos, garantindo a segurança do local. E complementava dizendo que se tratava de um investimento camarário (ou seja, pago com os impostos de todos nós). Hoje, fui ver com os meus próprios olhos. Absolutamente inacreditável.

O dinheiro dos nossos impostos pagou a montagem de uma jaula no topo do cais do pontão da Praia do Ouro. Para o acesso (que liga o cais ao pontão), uma estrutura metálica, com cerca de 2 metros de altura e um portão fechado à chave. 

Sou completamente contra a instalação desta jaula no cais do pontão da Praia do Ouro. E explico porquê:

  • Aquele pontão é de usufruto público e livre. 
  • Aquele cais é também, de usufruto público, livre e gratuito. 

O objectivo daquele cais foi o de permitir que qualquer embarcação ali pudesse encostar e deixar os seus tripulantes. Melhor explicando: a ideia daquele cais foi a de permitir por exemplo, que alguém que tenha um barco (e que não tenha lugar na Marina) e que decida passar o dia em Sesimbra, possa encostar ao cais do pontão da Praia do Ouro, livre e gratuitamente, e deixar a família, os amigos, em terra firme (e depois atracando ao largo da baía e aguardar pelo transporte para terra). Mas também permitir que qualquer barco (com lugar na Marina) possa deixar a família, os amigos, em terra firme e no centro da Vila de Sesimbra (sendo apenas o Mestre da embarcação a deslocar-se até à Marina - atracando o barco – e a caminhar até ao centro da Vila de Sesimbra). Aquele cais, por ser de todos e para todos, permite igualmente que qualquer operador marítimo-turístico possa ter ali um ponto de embarque ou desembarque dos seus tripulantes (no centro da Vila de Sesimbra, evitando que os tripulantes/turistas de férias tenham que fazer o percurso até ao Porto de Abrigo).

Com esta jaula ali montada, perdeu-se o uso informal, gratuito, livre e desimpedido daquele pequeno cais. Pergunto: sendo um investimento camarário que visa controlar os acessos e garantir a segurança, significa que irá estar ali um porteiro 12 horas por dia, sete dias por semana, durante pelo menos, quatro meses do ano? 

Mas a pergunta certa será esta: será que a chave que abre o portão estará atribuída a quatro ou cinco privilegiados que, com os seus negócios marítimo-turísticos, passam a ter um cais privado, de acesso directo ao centro da Vila de Sesimbra? E se assim for, importa antever o que se segue:

  • cartazes publicitando as diferentes actividades e horários, ao longo do pontão;
  • o quiosque de venda de bilhetes junto à vedação metálica de 2 metros. 

Inacreditável. Ao fim de mais de uma década sobre a existência daquele cais, eis que surge esta ideia peregrina de o enjaular. Irá a Câmara efectuar algum tipo de dado estatístico sobre quem utiliza o cais e a que horas do dia? E para que servirá essa estatística? Há insegurança no local que justifique, de alguma maneira, esta jaula? Quanto custou esta obra?

Sou completamente contra esta jaula instalada no cais do pontão da Praia do Ouro.

Será que são os saltos e mergulhos de miúdos e graúdos que irritam os possíveis utilizadores do cais, que chegam entediados nos seus barcos, ansiosos por chegar a terra, e têm que esperar pelo fim das exibições dos saltadores e levar com alguns indesejáveis salpicos e gargalhadas? 

É que se a segurança do local parece servir de justificação para esta aberração, até já consigo imaginar os pés descalços entalados no gradeamento, dos miúdos e graúdos que a irão saltar. E alguns entorses, e cabeças partidas. Até porque, e quase com toda a certeza, os saltos e mergulhos irão continuar, de uma forma (agora sim) perigosa e insegura. Com esta ideia peregrina está em causa de facto, a segurança de todos em benefício de alguns. Lamentável. 

E eu que já começo a ser uma pessoa antiga, ainda sou do tempo em que miúdos apendiam a nadar nos passadiços, atirando-se em mergulhos para dentro de água. Naquela altura, a Praia do Ouro, com a maré vazia, mostrava um conjunto contínuo de lajedos de pedra com dezenas de metros. Era local de pesca para profissionais, amadores e curiosos. Havia até uma pedra com o nome de um desses pescadores, com várias reentrâncias que permitiam encaixar as canas de pesca. E nesses dias de maré baixa, havia três actividades que faziam as delícias de todos: pescar borrelhos e peixes-aranha ao longo do passadiço, com um fio de pita e um anzol com uma minhoca viva (que se compravam enroladas numa folha das páginas amarelas); saltar e mergulhar do passadiço; caminhar pelo lajedo que ficava descoberto e mergulhar no fim do mesmo. Para já não falar da jangada em pirâmide (de um tempo mais antigo do que o meu) onde dezenas de miúdos se encavalitavam apenas com um objectivo: dar um mergulho ou, nalguns casos, um valente chapão. Quero dizer com isto que os saltos e os mergulhos são inerentes ao usufruto da praia, nomeadamente quando a natureza proporciona essa actividade ou, por acção humana, as estruturas criadas permitem essa utilização. 

Mas claro, “os senhores vereadores são muito novos, já não se lembram.” E eu volto a acrescentar: e os senhores vereadores mais velhos, também não se lembram porque, nessa altura, estavam por outras praias que não as de Sesimbra. E acrescento ainda: e muitos outros igualmente “muito novos” pelas terras sesimbrenses (e que não sendo vereadores opinam e decidem sobre a nossa terra), também não se lembram porque nessa altura, nem sequer sabiam em que zona geográfica do país estava localizada a Vila de Sesimbra. E acrescento também: e muitos outros mais novos que os vereadores “muito novos” (e que não sendo vereadores também opinam e decidem sobre a nossa terra), que não se lembram porque nessa altura, não tinham ainda consciência do que era o mundo e as idas à praia resumiam-se a chapinhanços e a algumas birras.

Uma jaula num cais de usufruto público. Inacreditável. É urgente uma clarificação sucinta sobre a intenção desta jaula. O pontão da Praia do Ouro é de usufruto público. Assim como o cais é de usufruto público, gratuito e livre para quem dele necessite para embarcar ou desembarcar tripulantes. E se o problema forem os saltos e os mergulhos, criem-se estruturas próprias para esse efeito. 

E permitam-me uma sugestão: se a Câmara teve vontade em melhorar (no caso) a segurança; (de quem?) porque não tem também vontade para melhorar a imagem do espaço público da Marginal? Coisas simples:

  • lavar a agulheta as lajetas brancas e cinzentas (e que já foram brancas e cinzentas);
  • limpar os postes dos candeeiros, retirando colas, fios, papéis e papelinhos (anulando uma imagem de desleixo e sujidade);
  • lavar com uma máquina de pressão de água os bancos da marginal (que já foram brancos);
  • reparar ou substituir os bancos partidos (anulando uma imagem terceiro-mundista);
  • repor, nas caldeiras do Largo da Marinha as duas palmeiras (que foram cortadas junto ao solo e assim permanecem ad eternum); 
  • retirar a propaganda política dos candeeiros e dos troncos das palmeiras (que, reforço, não cumprem a lei; explicando melhor: é proibido);
  • voltar a colocar os duches na praia (a solução fácil foi retirá-los sem alternativas ou soluções);

E já agora, uma coisa mais difícil: pensar. Pensar numa alternativa para os milhares de pilaretes. E até podia sugerir cinco ou seis soluções diferentes. Mas não o farei. Não quero retirar o protagonismo aos vereadores “muito novos”, aos vereadores mais velhos, aos outros igualmente “muito novos” pelas terras sesimbrenses (e que não sendo vereadores opinam e decidem sobre a nossa terra) e de muitos outros mais novos que os vereadores “muito novos” (e que não sendo vereadores também opinam e decidem sobre a nossa terra).

E se essa se mostrar uma tarefa complexa e de difícil resolução, talvez não fosse má ideia reparar os pilaretes que estão estragados, tortos e apodrecidos e que em nada contribuem para o tão ambicionado destino turístico de excelência.

Uma jaula num cais de usufruto público. É de facto uma ideia peregrina. Valha-nos Deus.

Nem quero imaginar o que virá a seguir. 



Comentários

  1. Preparei a candidatura deste investimento a fundos comunitários e posso confirmar o objectivo de livre usufruto do equipamento, referido no texto.

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  2. ... e aproveito para evocar os “pais” da obra, Augusto Pólvora e Lino Correia.

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